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Os socialistas e Lula: entre o sectarismo e o oportunismo (parte 1)

Filipe Araujo / Fotos Públicas

Gabriel Casoni

Gabriel Casoni, de São Paulo (SP), é professor de sociologia, mestre em História Econômica pela USP e faz parte da coordenação nacional da Resistência, corrente interna do PSOL.

Há dois perigos principais às correntes socialistas diante do impactante retorno de Lula ao centro da disputa política nacional. De um lado, existe a pressão para a rendição à estratégia desenhada por Lula em suas entrevistas recentes, que gira ao redor da costura de um novo pacto de colaboração de classes para a gestão do capitalismo brasileiro. Esse perigo está presente sobretudo em correntes petistas ou próximas do PT. De outro, há a pressão à demarcação sectária contra Lula, que ignora a esperança que parte significativa dos trabalhadores deposita no ex-presidente em um contexto da tragédia nacional comandada por Jair Bolsonaro. Esse perigo é bastante visível nas correntes à esquerda do PT, como em algumas que compõem o PSOL.

Os dois perigos mencionados acima guardam relação com a avaliação que se faz dos governos do PT, bem como do processo político-social que provocou a queda de Dilma Roussef e culminou na eleição de Bolsonaro. Neste primeiro texto, vou me concentrar no debate com as correntes socialistas que tendem à resposta sectária, uma vez que se encontram politicamente mais próximas da organização a que pertenço, a Resistência/PSOL. No segundo artigo, o objetivo será a polêmica com as correntes ligadas ao PT.

As organizações que tendem à política sectária desconsideram (ou menosprezam) o impacto, na consciência popular, das concessões sociais progressivas que foram realizadas nos governos do PT, como o aumento real do salário mínimo, a instituição do Bolsa Família, a diminuição por um largo período do desemprego, a aplicação das cotas raciais nas universidades públicas, entre outras. Para elas, o único fator relevante a ser considerado é o caráter capitalista e os limites dos governos petistas de conciliação de classes. Assim, não conseguem explicar a base material e política que explica a resiliência da influência de Lula na classe trabalhadora. Há que se ter uma política concreta que, levando em conta tanto a crítica do programa da direção majoritária do PT, como o nível médio de expectativas e disposição dos trabalhadores, seja um ponto de apoio ao avanço das lutas sociais e da consciência de classe.

Ao mesmo tempo, essas correntes anulam (ou diminuem) o significado do processo profundamente reacionário que foi inaugurado com o golpe de 2016. Tanto é, que deram apoio (mesmo velado) à Lava Jato, às manifestações dos amarelinhos pelo impeachment e à prisão política de Lula. Elas proclamam um programa ultimatista, desconsiderando o presente nível de consciência da ampla maioria do povo trabalhador. Há, inclusive, nesse setor da esquerda socialista, afirmações sem evidências de que Lula seria, desde já, a candidatura da burguesia e do imperialismo para conter o perigo da explosão social, sendo que é evidente que o núcleo dirigente da classe dominante buscar construir uma alternativa própria tanto contra a Lula como a Bolsonaro.

Em contraste com essa visão, a Resistência defende uma linha dentro do PSOL que busca evitar tanto o perigo oportunista como o sectário, tentando desenvolver uma política que seja útil ao avanço da luta, da organização e da consciência da classe trabalhadora e oprimida.

Somos a favor da defesa de uma Frente de Esquerda, sem alianças com a direita e burgueses, para as lutas e as eleições

Por outro lado, temos a convicção de que o PSOL deve atuar pela conformação de uma alternativa unificada da esquerda e dos movimentos sociais, sindicais e dos oprimidos, levantando a defesa de um programa de reformas estruturais com elementos anticapitalistas e de uma política que recuse alianças com setores burgueses e partidos da direita, marcando oposição à linha de alianças amplas que vem sugerindo Lula. Não se trata de uma busca por diferenciação a todo custo. Trata-se de dizer a verdade aos trabalhadores e ao povo pobre: em aliança com a burguesia não será possível realizar nenhuma mudança estrutural no país, como colocar fim à desigualdade social descomunal, ao genocídio do povo negro, à destruição ambiental em larga escala, à pobreza em massa, entre outros pontos. Para dar sentido prático a essa questão, vale perguntar: qual setor da classe dominante aceitaria a revogação da reforma trabalhista e da previdência, a desmilitarização das polícias, a legalização do aborto, a valorização substancial do salário mínimo e a taxação das grandes fortunas e lucros dos capitalistas? Por um lado, não ignoramos o tremendo impacto do retorno de Lula ao centro da disputa política, especialmente pelo sentimento progressivo de esperança, ainda que contraditória, que ele produz em um amplo setor dos trabalhadores e do ativismo, que quer se livrar de Bolsonaro pela esquerda. Temos consciência que a experiência com o PT foi interrompida com o golpe parlamentar, sendo que os setores sociais que passaram a rejeitar Lula e seu partido (o fenômeno do antipetismo), em geral, tiraram conclusões à direita e, não raramente, à extrema direita. Portanto, o segmento da classe trabalhadora que hoje deposita esperanças em Lula é o mais consciente, pois guarda uma referência político-ideológica à esquerda. Acreditamos que o PSOL deve dialogar com esse amplo setor social e suas expectativas. Sem isso, o partido ficará completamente isolado das massas trabalhadoras e do ativismo que hoje veem em Lula a possibilidade de vencer Bolsonaro. Por isso, somos a favor da defesa de uma Frente de Esquerda, sem alianças com a direita e burgueses, para as lutas e as eleições, na qual cabe a Lula um papel central.

O PSOL deve lutar para que a esquerda chegue ao governo, derrotando Bolsonaro e também as alternativas liberais (PSDB, DEM, etc.) e do centro-esquerda burguês (Ciro Gomes). Mas o PSOL deve lutar também para que a esquerda chegue ao governo com um programa de esquerda — portanto, anticapitalista —, apostando na força da mobilização do povo trabalhador para levá-lo a cabo.