Conheci Ilma Fontes na Rua da Frente lá por 2009, dando rolê com o cachorro grandão todas as tardes. O bentido cão, parrudo que só ele, conduzia mais que ela. A senhora dos cabelos brancos e pele manchada, mirrada e sorridente, era vizinha do trabalho mais louco que a Rua da Frente poderia testemunhar em Aracaju. Apesar disso, nunca nos falamos pessoalmente, o acanhamento sempre me freou.
Lembro de algumas falas dela, como na homenagem a Mário Jorge no Atheneu, quando ela avacalhou todo o clima catedrático da solenidade soltando pérolas de sua intimidade com o poeta. “Ali era gostoso pra caralho. Eu não posso dizer que tenho saudade de Mário porque ele mora em mim, mas a falta que o corpo físico dele me faz é foda viu”, no focinho da família tradicional sergipana. Conversamos por telefone uma vez em 2018, quando estava no Cinform, para uma reportagem sobre os 50 anos do AI-5. Ela contou sobre a demissão da Gazeta de Sergipe “aquele usineiro filho da puta do Orlando Dantas, socialista da boca pra fora”, citou alguns poemas próprios, me falou dos “cinco namorados e duas namoradas” de 1968 e me apresentou Artaud: “O que cheira a merda, cheira a ser”.
Ovelha desgarradíssima dos Fontes, Ilma deixa o legado de “O Capital”, os filmes e livros e histórias. Quando soube de sua morte, lembrei do texto que ela escreveu para uma coletânea de textos de Fernando Sávio, publicado faz alguns anos. Desta vez é ela a ser vista nas patas de caranguejo, nos litros de cerveja que engoliu na vida. A Rua da Frente perde uma das suas, a balaustrada do Rio Sergipe consola a quem quiser chegar, a brisa do rio já não corre pelos cabelos brancos da senhora mirrada com a s calças amarradas no umbigo. Da próxima vez que a encontrar por aí, ganho coragem e puxo assunto.
* Henrique Maynart é jornalista
Comentários