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Antes das eleições: por uma frente única de esquerda para parar o genocídio

Felipe Demier

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, de “O Longo Bonapartismo Brasileiro: um ensaio de interpretação histórica (1930-1964)” (Mauad, 2013) e “Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil” (Mauad, 2017).

Parece-me um tanto evidente que a esquerda socialista, diante do genocídio implementado pelo governo neofascista de Bolsonaro, deve ter como eixo central a construção de uma frente única de esquerda para tentar derrubá-lo. Construída com essa finalidade e envidando esforços para tal, essa frente de esquerda deverá, por óbvio, fazer-se presente no pleito presidencial do ano que vem, e a esquerda socialista deverá não só batalhar pelo sua construção, assim como tentar, ao máximo, dotá-la de um programa que busque, no mínimo, desfazer o legado do Golpe de 2016.

Trata-se, portanto, de uma frente única de esquerda que, das lutas pela urgente derrubada de Bolsonaro e interrupção do genocídio, apresentar-se-á, também, e por conseguinte, no campo da luta eleitoral, empunhando suas bandeiras e reivindicações contra o ultraneoliberalismo e o neofascismo (seja lá com que nomes estes se façam representar no pleito). O caminho, entretanto, não pode ser o inverso. Não obstante a ideologia midiática e a força do hábito parlamentar que acabam por instilar nas massas uma concepção eleitoralista da política, a esquerda socialista, sem ignorar a necessidade de debater o tema eleitoral, não pode, agora, diante do catastrófico cenário social, tomá-lo como prioritário.

Existem demandas concretas e prementes das massas às quais a esquerda socialista deve responder, e a defesa de uma frente única que possa apresentar propostas para solucioná-las o quanto antes me parece ser fundamental.

A luta por estas soluções concretas é o que pode, organicamente, permitir o enraizamento dos revolucionários nas ingentes e cada vez mais precarizadas massas populares. Por mais difícil que seja a nossa empresa, não podemos dela abdicar para que, no ano que vem, com o país morto, tentemos ressussitá-lo pelo voto. A defesa do lockdown, da aceleração da vacinação, do auxílio emergencial, da solidariedade social e do “Fora Bolsonaro!” devem ser ecoadas, coordenadas, unificadas e traduzidas concretamente por uma frente única de esquerda que, mesmo com todas as dificuldades, não deve se furtar a fazer as vezes de um contra-governo. Munido da verdadeira ciência, este poderá dirigir-se às massas com o intuito de salvar-lhes a vida, enquanto o governo oficial busca matá-las e esfomeá-las impudentemente.

A luta, hoje, por essa frente única de esquerda que, na defesa de ações concretas, se porte como um contra-governo e tente, na medida do possível, mobilizar trabalhadores para derrubar Bolsonaro pode ser, inclusive, o que, talvez, crie condições efetivas para que uma frente de esquerda possa se constituir nas eleições do ano que vem, evitando, assim, uma reedição nada heráclita e por demais anacrônica da colaboração de classes de vinte anos atrás. O tempo, agora, é, principalmente, o da luta por uma frente única que, no combate à pandemia e à carestia, vise à derrubada do governo e à interrupção do genocídio, e confundir os tempos é, na política, às vezes mais problemático do que na gramática, alertou, outrora, o velho León.

Não há mais tempo a perder e, a essa altura, o sindicalismo corporativista, o possibilismo institucionalista, a febril indignação digital, a fraseologia crítica e a fé no calendário eleitoral pouco têm a oferecer aos que estão a morrer ou a padecer – não no paraíso, e sim no próprio inferno na terra que se tornou esse nosso país. Diante do irracionalismo genocida que nos governa, o relâmpago do pensamento e a chama prometéica da verdadeira ciência, caso consigam penetrar o fértil terreno das massas, podem, contudo, fazer história, antes que esta se limite a ser, definitivamente, uma mera sucessão diária de dor, cadáveres e famintos rangeres de dentes. Se no princípio era o verbo, agora é a ação, e, na esteira de mais um aniversário do Golpe de 1964, cujo cheiro de estrume ainda ecoa nas falas do presidente, dizemos ao governo que se o seu gado ele marca, tange, fere, engorda e mata, com a gente, contudo, com a nossa gente, é diferente, bem diferente.