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BRASIL

Bolsonaro e o crescimento de supremacistas brancos no Brasil

Tiago Souza, de Brasília, DF
divulgação: Facebook

Durante live em maio de 2020, Bolsonaro promove “Desafio do leite”, símbolo ligado aos supremacistas brancos

A antropóloga Adriana Dias, da Unicamp, é uma das mais estimadas pesquisadoras sobre grupos neonazistas em território nacional. Sua última pesquisa, em conjunto com o Observatório do Terceiro Setor, aponta a existência de mais de 330 células neonazistas ativas no território nacional em 2020. Um número que não para de crescer desde a eleição de Bolsonaro, em 2018.

Em setembro daquele ano, de acordo com a ONG Safernet, que monitora a ação de supremacistas brancos nas redes sociais, existiam no país 89 páginas de propaganda e conteúdo de supremacistas brancos. No mês seguinte, após o segundo turno e vitória do ex-capitão do exército, o número de páginas chegou a 441, crescimento de mais de 400% em um mês. Apenas em maio passado, foram 204 páginas criadas. Em comparação, em maio de 2018, antes de Bolsonaro, foram registradas 28 novas páginas. Em dois anos, o crescimento foi de mais de 1000%. Uma mostra de como estes grupos se sentem à vontade e fortalecidos no governo Bolsonaro.

O crescimento de células de grupos de supremacia racial no Brasil também tem um ritmo assustador. Adriana Dias mostrou que as 334 células estão distribuídas principalmente em São Paulo (99), Santa Catarina (85), Paraná (66), e Rio Grande do Sul (47). Porém, é possível enxergar a movimentação destes grupos no Ceará, Paraíba, Bahia, Mato Grosso e em Goiás. Em Santa Catarina, local onde temos maior concentração destes grupos, com 12 células por um milhão de habitantes, por exemplo, o crescimento foi de 23% comparando outubro de 2020 com junho do mesmo ano, quando eram 69 células destes grupos. Além do crescimento em números, o principal, de acordo com Dias, é o crescimento do número de apoiadores. Ela aponta que as células catarinenses eram formadas por um número de quatro a 40 pessoas, porém, agora a média geral das células é de 40 membros cada, tendo algumas que chegam até 100 participantes em suas reuniões. Trabalha-se com a estimativa de que em todo território nacional cerca de sete mil pessoas façam parte destes grupos, um crescimento de dois mil em alguns meses.

O neonazismo tupiniquim

Ao se falar sobre supremacistas brancos no Brasil, é comum vermos o tema ser tratado com superficialidade. Algo que ocorreu após o ato de Felipe Martins, assessor do governo, no Senado, repetindo um gesto de supremacistas norte-americanos. O reducionismo e superficialidade terminam por dissociar as ações de supremacistas de um projeto de poder político e de estruturas enraizadas em nossa sociedade. É comum vermos pessoas de esquerda afirmarem que os supremacistas brancos brasileiros não são “brancos”, ou que não seriam vistos como brancos por movimentos neonazistas na Europa.

TV Senado
Assessor de Bolsonaro, Felipe Martins, faz gesto que simboliza a supremacia branca durante sessão no Senado.

Nas redes sociais, viralizou uma cena do filme Bacurau, no qual os personagens gringos riem depois de brasileiros da região sudeste se afirmarem como brancos. Desde o lançamento do filme essa cena é bastante utilizada, algumas análises sobre ela foram feitas, e até se chegou a criar o que chamaram de “síndrome do branco brasileiro”, em referência a pessoas brancas brasileiras que exaltam sua ascendência europeia, mas que não levavam em consideração que não seriam vistas de tal forma fora do país.

Esta concepção por si só é problemática e se torna ainda mais quando usada para fazer relação com os movimentos de supremacistas raciais brasileiros. No intuito de mostrar que estes movimentos não tinham tanta pureza racial como acreditam, comentadores políticos e analistas acabavam por endossar o mito da democracia racial e da mestiçagem, pois afirmavam que estes supremacistas eram na verdade pardos, mestiços, latinos ou que até era impossível falar sobre a existência de pessoas brancas no Brasil. Afirmações absurdamente erradas, em nossa opinião.

É importante apontar que o conceito de raça se utiliza a partir de uma localização geográfica e temporal, não no abstrato. A raça é uma construção social, que passa a sofrer modificações e estruturações a partir das relações sociais e de poder que moldam tal sociedade. Para o debate sobre o supremacismo racial no Brasil, não interessa como tal sujeito branco passa a ser visto nos Estados Unidos ou na França. Pois dentro da nossa esfera nacional, afinal estamos no Brasil, este sujeito é lido como branco e se beneficia do racismo estrutural que molda nossa sociedade. Este sujeito branco que é supremacista racial busca aprofundar as relações de opressão, violência e dominação que pessoas negras estão inseridas. E agem desta forma a partir de como as relações racismo e raça se organizam de forma concreta no Brasil. Deste modo afirmar que “o supremacista branco brasileiro não é branco suficiente”, ou “que é latino”, e até “que ele não é visto como branco em outros países”, além de não servir para a luta política, acaba caindo em uma leitura equivocada sobre a concepção de raça e das relações de Poder que ela abarca.

Vidas negras importam, a de supremacistas brancos não

Se somos todos iguais, como afirma o mito da democracia racial, algo tem de errado em ser corpos negros a imensa maioria dos que tombam e são assassinados. Por trás do discurso de “nossa cor é o Brasil”, esconde-se o neoliberalismo que vai atingir vidas negras principalmente com o sucateamento e destruição de serviços públicos, esconde-se o militarismo e o colonialismo interno que atingem as favelas e periferias, esconde-se a necropolítica que legitima o assassinato de jovens negros, e hoje no genocídio causado pelo governo Bolsonaro na pandemia. A partir do “nossa cor é o Brasil”, não se identifica os que sofrem com o abandono de políticas estatais e são vítimas de uma estrutura social que se ergueu desde os tempos coloniais.

O racismo, para além de ações de discriminação e de um imaginário negativo sobre os negros, é um forma de dominação político-social, um instrumento de poder que organiza e funda nosso país. Nossa elite branca só exerce o poder que tem por conta justamente deste racismo. Podemos dizer que desde 1500 que a teoria do embranquecimento e a supremacia branca estão presentes deste lado do Oceano, sempre se reinventando.

Agora, diante do governo neofascista de Jair Bolsonaro, o crescimento de grupos e movimentos sociais que reivindicam abertamente e de forma violenta este supremacismo precisa ser visto com imenso cuidado e seriedade. A única resposta possível é a auto organização do povo negro, quebrando assim o mito da democracia racial. Assim como organizações políticas colocarem o antirracismo como pauta central nas elaborações de suas estratégias a longo prazo e de suas táticas na prática cotidiana. Isso significa interpretar o Brasil, seu passado e seu presente, através de uma ótica racial.