De forma inédita na história do Brasil, houve a demissão, de uma vez só, do ministro da Defesa (Fernando Azevedo) e dos comandantes das Forças Armadas — Edson Pujol, do Exército, Ilques Barbosa, da Marinha, e Carlos Bermudez, da Aeronáutica. Ordenada por Bolsonaro, a inesperada mudança no alto comando militar ocorreu na esteira de outras trocas ministeriais. Houve a saída do olavista Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores, a entrada da deputada do centrão Flávia Arruda (PL) no comando da Secretaria de Governo e a posse de Anderson Torres, amigo da família Bolsonaro, como novo ministro da Justiça e Segurança Pública. Na semana passada, foi anunciada a saída de Eduardo Pazzuelo do Ministério da Saúde, que foi substituído por Marcelo Queiroga, médico ligado a Flávio Bolsonaro.
Essa reforma ministerial improvisada, para ser corretamente compreendida, deve ser avaliada no contexto da crise sanitária, econômica e social que se agrava a cada dia. Com a pandemia sem controle e o colapso do sistema hospitalar, o Brasil chegou 3 mil mortes por dia na média móvel semanal. E a tendência para as próximas semanas é de piora, podendo haver também colapso do sistema funerário. Já são mais de 322 mil vidas perdidas oficialmente pela covid-19. Junto com a catástrofe da pandemia, a economia sofre um novo tombo recessivo e a crise social se espraia pelo país, com a volta da fome e o rápido aumento do desemprego, pobreza e miséria.
Nesse cenário terrível, o governo Bolsonaro se enfraquece tanto na sociedade civil (classes sociais) como no âmbito político-institucional (partidos, instituições e lideranças políticas). As decisões do STF que anularam as condenações de Lula, a carta de banqueiros e grandes empresários atacando a gestão calamitosa do governo na pandemia e a ameaça pública de impeachment feita por Artur Lira na semana passada são demonstrações inequívocas desse processo de enfraquecimento político de Jair Bolsonaro. Importa também sublinhar o enorme isolamento internacional do governo, que perdeu seu principal ponto de apoio externo com a derrota de Trump. Além disso, as pesquisas de opinião revelam rejeição crescente do governo em todas camadas sociais, dos extratos de mais baixa renda aos de maior poder aquisitivo.
Assim, o rearranjo ministerial expressa, em primeiro lugar, o crescente debilitamento político e social do governo. Ao mesmo tempo, expõe e potencializa os conflitos entre as alas que o compõem. O centrão, liderado pelos presidentes da Câmara e do Senado, faz exigências de mudança na gestão da pandemia e busca ocupar ministérios e cargos. A ala ultraliberal de Paulo Guedes, vinculada ao capital financeiro, entra em conflito com o centrão para defender o ajuste fiscal questionado pelo projeto de Orçamento definido no Congresso. Bolsonaro, por sua vez, compra briga com o comando das Forças Armadas para tentar maior alinhamento dos militares da ativa com a defesa do governo. Enfim, há crise dentro do próprio governo, que pode dar um salto com a tendência de agravamento da crise nacional multifacetada.
Nesse momento, por todos motivos elencados acima, Bolsonaro não tem força — nem política nem social — para dar um (auto)golpe, provocando uma ruptura institucional. A crise com o comando da Forças Armadas revela que a atual cúpula militar da ativa quer ser afastar do governo, que é cada vez mais responsabilizado – no Brasil e no mundo – pela catástrofe histórica que o país vive. Por outro lado, não estão colocadas as condições necessárias para um impeachment de imediato. O capital financeiro e grandes empresários divulgaram uma carta com exigências e duras críticas ao governo, mas não pediram a cabeça de Bolsonaro. O centrão aumentou o tom e fez ameaças públicas, mas privilegia a luta pela ocupação de postos ministeriais e mantém, por enquanto, a sustentação parlamentar de Bolsonaro. A classe trabalhadora e o povo pobre estão cada vez mais insatisfeitos com Bolsonaro, mas a situação de altíssimo risco sanitário dificulta ações de massas nas ruas nesse momento. Por fim, o governo, embora mais desgastado, ainda preserva uma parcela de apoio considerável na sociedade e em setores políticos e institucionais.
Devido à gravidade e dinâmica da crise nacional, é possível que a crise política evolua aos saltos nos próximos meses, abrindo, talvez, condições para a queda do governo. A esquerda deve estar atenta a esse quadro crítico, atuando conjunta e decididamente para a derrubada de Bolsonaro.
O Fora Bolsonaro não pode esperar 2022
O genocídio em curso na pandemia, que atinge particularmente a população negra e mais pobre, a recessão econômica, a crise social galopante e as reiteradas ameaças autoritárias exigem a derrubada de Jair Bolsonaro. O país não pode conviver com tamanha barbárie e destruição até 2022. O melhor — e mais efetivo — para isso seria a convocação de manifestações de massas nas ruas pela derrubada imediata de Bolsonaro. Mas o elevado perigo de contágio pela covid-19, em um cenário de colapso hospitalar, exige que se evite, por ora, aglomerações com multidões. Mas a esquerda não pode ficar parada à espera do momento em que seja possível ações com milhões nas ruas.
É preciso intensificar a campanha pelo Fora Bolsonaro de todos modos possíveis, tanto no Congresso como junto à sociedade, pressionando todos setores sociais, deputados, governos estaduais e instituições pelo impeachment de Bolsonaro. A luta pela derrubada do genocida deve vir acompanhada pela defesa da renda emergencial de R$ 600, ampliação da vacinação, adoção do lockdown nacional, estabilidade no emprego, auxílio financeiro aos pequenos negócios e congelamento dos preços dos itens da cesta básica e dos combustíveis.
É fundamental, também, o engajamento da esquerda em todas as ações de solidariedade a quem mais precisa, que são promovidas pelos movimentos sociais, sindicatos, associações de bairro, movimento negro, movimento de mulheres, mandatos parlamentares, entre outros. As ações de luta direta, como aquelas feitas pelo movimento sindical e estudantil e o MTST no dia 24 de março, também são importantes.
Por fim, convém ressaltar a responsabilidade das principais lideranças da esquerda brasileira nesse momento, em especial de Lula, pela sua relevante influência junto ao povo trabalhador. É necessário, sim, discutir o projeto e o programa da esquerda para as eleições de 2022. Mas há uma tarefa imperiosa imediata: a luta pela derrubada desse governo genocida, para que sejam salvos vidas e direitos sociais e democráticos. Lula deve se engajar na defesa do Fora Bolsonaro Já.
Comentários