O ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), declarou a incompetência da Justiça Federal de Curitiba para processar e julgar os casos do ex-presidente Lula envolvendo o tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia. O efeito prático dessa decisão foi a anulação das condenações do ex-presidente no âmbito da operação Lava-jato, o que o torna elegível novamente.
A decisão foi recebida com surpresa pela comunidade jurídica e por toda a sociedade, pelo momento em que foi proferida, ou seja, quase quatro anos após a primeira condenação de Lula e de ter passado 580 dias preso em uma das maiores farsas jurídicas que já presenciamos.
Causou preocupação também a possibilidade de que, como efeito da decisão, o STF deixasse de julgar a suspenção do ex-juiz Sérgio Moro, responsável pelas sentenças condenatórias de Lula. A declaração de suspeição de Moro significaria dizer que o ex-juiz tinha interesses pessoais e políticos na condenação de Lula, e que interferiu diretamente na fase de investigações dos casos, deixando de atuar como juiz e passando a exercer o papel da acusação.
No entanto, no dia seguinte à decisão de Fachin, o ministro Gilmar Mendes incluiu em pauta o julgamento relativo à suspeição de Moro, que atualmente tem um placar de 2×2 e está suspenso após pedido de vista do ministro Nunes Marques.
A decisão do STF reacendeu uma série de debates públicos sobre as eleições de 2022 e as tarefas dos movimentos sociais na luta pela derrubada do governo Bolsonaro. Com razão. Estamos vivendo a maior tragédia humanitária de nosso país desde a escravização de negros trazidos do continente africano. Um ano depois do início da pandemia no Brasil, já atingimos a marca de 270 mil mortes, estamos batendo novos recordes diários, com 2.346 óbitos apenas nas últimas 24 horas, e as filas em leitos de UTI não param de crescer.
Além disso, não há qualquer perspectiva segura de vacinação em massa de toda a população, já que, além de menosprezar os efeitos da pandemia desde o seu início e de canalizar seus esforços para o “tratamento precoce” da doença com medicamentos que não têm nenhuma eficácia comprovada, como a hidroxicloroquina e a ivermectina, a presidência atrasou todas as negociações para garantirmos os insumos necessários à produção de vacina no país, e conferiu carga ideológica negativa em seus discursos ao se referir à vacina CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan com insumos vindos da China.
Enquanto Bolsonaro nos presenteia com a pior gestão mundial da crise sanitária, uma crise econômica brutal impacta o nosso país. De acordo com o IBGE, o índice de desemprego em 2020 bateu recorde em 20 estados da federação, o que significa que pela primeira vez na série anual, menos da metade da população brasileira em idade para trabalhar estava inserida no mercado de trabalho. A Bahia, estado com a maior população autodeclarada negra do país, foi a mais impactada pelo desemprego, com uma taxa que alcançou 19,8%.
Somado a isso, o corte do auxílio emergencial nacional no final do ano passado, colocou milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza, sobrevivendo com renda per capita menor que R$ 250 por mês. Ao todo, aproximadamente 26 milhões de pessoas vivem nessa situação em todo o país.
A crise sanitária e econômica no Brasil tem cor e território. Ainda que o Ministério da Saúde não divulgue os dados racializados das mortes provocadas pela COVID-19, é fato que os maiores índices estão nos bairros mais negros das cidades. Do mesmo modo, a cor do desemprego, da pobreza e da precarização do trabalho também é negra.
O aumento da violência policial, do desaparecimento forçado, e das prisões forjadas também é uma marca do último ano. No primeiro semestre da pandemia, nosso país registrou um crescimento de 7% no número de pessoas mortas pela polícia, com ao menos 3.148 registros. Como resposta, o governo Bolsonaro aposta na flexibilização do porte de armas, o que comprovadamente aumenta os índices de homicídios no país e não diminui a violência.
Diante desse cenário desolador, ontem o Brasil parou para ouvir o pronunciamento do ex-presidente Lula depois da decisão do STF que anulou as suas condenações. As perguntas dos jornalistas giraram em torno de sua possível candidatura para a disputa presidencial em 2022 e as frentes eleitorais que podem ser construídas.
É natural que essa seja uma preocupação. A permanência de Bolsonaro no poder nos sufoca e pensar em uma alternativa a isso gera comoção e esperança. No entanto, não pode ser que a derrubada de Bolsonaro seja para nós uma tarefa adiada para o ano de 2022. Até lá, quantas vidas serão ceifadas em nome de uma política genocida e negacionista do presidente da República? Quantos de nós teremos que escolher entre pagar as nossas contas ou colocar comida na mesa porque o auxílio emergencial de R$ 600 foi extinto?
Os movimentos sociais e os partidos políticos precisam, desde já, construir sua unidade em torno das questões que mais afetam o nosso povo. Precisamos lutar juntos pela retomada do auxílio emergencial sem cortes até o final da imunização da população, além de lutar para que haja vacinação para toda a população brasileira, respeitadas as prioridades, o mais rápido possível.
Um longo caminho ainda deve ser construído até as eleições de 2022, mas, antes disso, é necessário que pensemos juntos um projeto de sociedade que valorize a vida, em detrimento da política de morte e do negacionismo. Essa é a nossa tarefa imediata.
Para isso, e para não cometermos os mesmos erros do passado, é necessário que o movimento negro esteja à frente da construção desse projeto. Nós, que sentimos na pele os efeitos da política genocida, precisamos ser o centro do enfrentamento ao bolsonarismo. Nessa batalha para que a esperança vença o ódio e o medo, o movimento negro reafirma, como nos lembra o manifesto da Coalizão Negra por Direitos, que só haverá democracia plena nesse país quando não houver racismo.
*co-vereadora na Bancada Feminista do PSOL. Texto publicado originalmente no portal Alma Preta.
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