Eleições subnacionais da Bolívia em perspectiva: afinal, o MAS venceu?
Publicado em: 17 de março de 2021
No domingo, 07/03, ocorreram eleições para governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores na Bolívia. Foi a primeira eleição na Bolívia após o MAS retornar ao poder em 2020, revertendo o golpe de estado feito pela extrema-direita, com o apoio das Forças Armadas e da Guarda Nacional (as nossas PM’S), após fissuras no bloco de poder entre o MAS e as Centrais Sindicais, em especial a COB. Sendo assim, a primeira pergunta que vem à cabeça é se o MAS venceu, ainda mais após a prisão de uma das principais líderes golpistas Jeanine Áñez de um lado, e, de outro, a eleição esmagadora como governador de Santa Cruz de Luiz Camacho, outro e, possivelmente, o maior líder golpista.
Entendemos que essas questões para terem uma resposta satisfatória precisam por a eleição de 2021 em perspectiva com as últimas eleições na Bolívia, principalmente com as eleições gerais de 2014, 2019 e 2020, e a última eleição subnacional de 2015.
Assim, o primeiro elemento que queremos destacar é que a eleição de Evo Morales, em 2005, provocou uma recombinação de forças na Bolívia. A esquerda sócio liberal/social democrata, a direita liberal e a direita conservadora e federalista (hoje separatista) se unem na oposição ao MAS quando antes disputavam o poder por décadas. O segundo é que desde a fundação do MAS, em 1997, não havia cisões no polo que defende o socialismo. Mas agora, em 2021, se formou o Jallalla Bolívia, principalmente na região de La Paz, sob a liderança da senadora Eva Copa que rompeu com o MAS após perder a indicação do partido para concorrer à prefeitura de El Alto.
Antecedentes
A primeira tarefa para colocarmos as eleições de 2021 em perspectiva é saber como o MAS estava nas eleições gerais de 2014, 2019 e 2020. Ou seja, na eleição do golpe, e na eleição anterior e posterior.
Nas eleições de 2014 o MAS elegeu Evo Morales com 61,3% dos votos e obtém 25 senadores (um a menos do que em 2009) e 88 deputados (mesmo número de 2009). Ou seja, mantém o padrão de votos e espaço parlamentar de 2009, que por sua vez representava um enorme crescimento com a primeira eleição de Morales, na qual ele obtém 53,5% e o MAS elege 72 deputados e 12 senadores.
Já o período entre 2014 e 2019 é tumultuado no MAS que, por não conseguir escolher o sucessor de Evo, aposta em um referendo em 2016 para permitir mais uma reeleição de Evo. E perde nas urnas, o povo boliviano rejeita mais um mandato por 51,3% contra 48,7%. Mesmo assim, o MAS aposta em reconduzir Evo ao poder e consegue em 2018 autorização da Justiça Eleitoral para tal.
Em 2019 Evo consegue menos votos dos que foram favoráveis à sua recondução no referendo, 47,1%. Mas, por mais de 10% de diferença do segundo colocado (Carlos Mesa com 36,5%), e mais de 40% dos votos válidos é reeleito. O MAS também cai na eleição da bancada com 67 deputados (o menor número desde 2002) e 21 senadores. A oposição alega fraudes e a extrema-direita dá um golpe de estado, com o apoio velado da direita liberal e de Carlos Mesa.
Assim, durante um ano o MAS consegue conduzir uma oposição ao golpe e retorna ao poder em 2020 com Luiz Arce, que obtém 55,11% dos votos (8% a mais do que Evo em 2019), e o MAS também cresce sua bancada elegendo 75 deputados e os mesmos 21 senadores.
Destaco também o crescimento da extrema-direita. Em 2019 seu representante é Chi Hyun Chung do tradicional Partido Democrático Cristão, com 8,8% dos votos e elegem 9 deputados e nenhum senador. Já em 2020 disputam com Luiz Camacho e obtém 14% dos votos, elegem quatro senadores e 16 deputados.
As eleições de 2021
Como vimos, o MAS chega às eleições subnacionais de 2021 recuperando terreno em relação à 2019 na sociedade. Mas vendo uma ruptura no estado de La Paz com a criação do JALLALA LP. E a extrema direita também chega mais forte.
Lembro também que em 2015, última eleição subnacional da Bolívia, o MAS elegeu seis governadores (Oruro, Pando, Cochabamba, Potosi, Chuquisaca e Beni). Já a oposição elegeu governadores em La Paz, Santa Cruz e Tarija. Como também fez 227 dos 336 prefeitos. E para os governos o MAS fez 41,7% dos votos válidos, contra 20,8% da direita conservadora e separatista (principalmente em Santa Cruz), e 14,7% da direita liberal. Também cabe destacar que o MAS não tinha a prefeitura das 4 maiores cidades da Bolívia (Santa Cruz, La Paz, El Alto e Cochabamba), que juntas contam com quase 1/3 da população.
Isso posto, até aqui o MAS ganhou três estados no primeiro turno (Cochabamba, Potosi e Oruro) e foi para o segundo turno em primeiro em três estados (Tarija com 38,2%, La Paz com 39,7% e Pando com 41%), e em segundo em outros dois (Chuquisaca com 39,2% contra 45,6% do Chuquisaca Somos Todos, direita liberal). Em La Paz o segundo turno é contra a dissidência JALLALLA LP. Já em Tarija e em Pando é contra a direita liberal. Assim, o MAS poderá eleger entre 3 e 7 governadores, com grande probabilidade de eleger 6, ganhando La Paz e Tarija em relação à 2015 e perdendo Chuquisaca e Beni. O outro estado comandado pela oposição é o reduto da direita, Santa Cruz, onde o MAS nunca governou nem o estado e nem a capital de mesmo nome.
Em termos de eleitores, Tarija e Chuquisaca se aproximam (cerca de 400 mil). Mas La Paz é imensamente maior do que Beni. La Paz é o maior estado da Bolívia com 1,9 dos 7,1 milhões de eleitores. Quase a mesma quantidade do histórico estado comandado pela oposição de Santa Cruz. Já Beni tem apenas 274 mil eleitores. Por fim, o MAS obteve 2,345 milhões de votos em 4,450 milhões de votos válidos. Ou seja, cresceu de 41,7% para 53% dos votos válidos.
Por fim, se nas grandes cidades o MAS não conseguiu avançar ficando novamente sem eleger nas quatro maiores, ao menos a dissidente Eva Copa, quadro histórico do MAS, do JALLALA LP, venceu em El Alto, a terceiro maior cidade da Bolívia.
Sendo assim, colocando as últimas eleições em perspectiva, podemos afirmar que o MAS venceu as eleições municipais, pois aumentou sua votação em relação à eleição de 2015, recuperou o governo de La Paz, maior estado do país, e tem uma aliada no governo de El Alto, terceira maior cidade. Tal vitória vem após o retorno ao governo federal, que já significa maior votação no MAS do que em 2019.
Por outro lado, vemos emergir uma direita mais radical com o Creemos ganhando o governo de Santa Cruz, estado e cidade, após aumentar seu espaço no Senado e na Câmara, sendo possível vir a ser a principal força opositora suplantando a direita liberal.
* Professor de História das redes municipais de Santos e Cubatão, militante da Primavera Socialista/PSOL e do Círculo Palmarino.
Este artigo reflete as opiniões do autor e não, necessariamente, as opiniões do Esquerda Online. Somos um portal aberto aos debates e polêmicas da esquerda socialista.
Top 5 da semana

brasil
Prisão de Bolsonaro expõe feridas abertas: choramos os nossos, não os deles
brasil
Injustamente demitido pelo Governo Bolsonaro, pude comemorar minha reintegração na semana do julgamento do Golpe
psol
Sonia Meire assume procuradoria da mulher da Câmara Municipal de Aracaju
mundo
11 de setembro de 1973: a tragédia chilena
mundo