Para analisar a conjuntura, é frequente o jornalista Luis Nassif recorrer ao termo xadrez em suas análises de conjuntura, avaliando a posição e o movimento das peças no tabuleiro.
Sem a pretensão de ser um Nassif, tomarei emprestada sua figura de linguagem pois, acredito, nos ajudará a apresentar o que penso sobre este momento, e sobre o efeito Lula, de forma objetiva e didática. Então, vejamos a posição das peças e as possíveis jogadas nesta conjuntura:
A reversão das condenações e o discurso de Lula (também as pesquisas de opinião dos dias seguintes) indicam que se abriu uma fenda que pode alterar a conjuntura. A imagem do Lula Ladrão sofreu grande abalo, dando espaço em amplos setores à imagem do Lula Martirizado. Aquele que foi acusado injustamente, enfrentou com coragem os acusadores, não fugiu, foi preso por 580 dias, proibido de ser candidato, censurado para não influenciar – com a mera opinião – o resultado eleitoral… que perdeu a esposa, não pôde ir a velórios de entes queridos… provas forjadas, conspiração de autoridades com os EUA, etc, etc.
Do lado de Bolsonaro, vê-se que vários atores tentaram desferir golpes para enfraquecê-lo. Todavia, Doria, Huck, Ciro, nenhum conseguiu, de longe, produzir os abalos que a notícia da inocência, somada à eloquência, de Lula conseguiram, forçando-os a mudar radicalmente o seu discurso (mesmo que conjunturalmente).
Nestes dias, li análises interessantes que podem nos ajudar a entender como se movem os partidos tradicionais da elite branca e seus meios de comunicação. Com a ascensão de Lula, o “centro” está esmagado. Estar esmagado significa ter de escolher entre assumir/dobrar o custo-Bolsonaro ou ficar a reboque do novo Lula (e quem será esse novo Lula?).
A terceira jogada, mais natural, inevitável, necessária, é inflar Lula de forma que Bolsonaro caia tanto que sequer chegue ao segundo turno de 2022. Parece-me um cavalo de pau na conjuntura, mas, também me parece a única possibilidade de esses setores terem algum protagonismo.
Bolsonaro já teve uma queda substancial nas pesquisas das últimas semanas e, quanto mais cai, mais se sujeita à chantagem do Centrão, sua oposição de direita fica mais ouriçada, a mídia… Assim, a única esperança do DEM, PSDB, Globo, Estadão, Folha, seria inflar Lula somente o suficiente para enfraquecer Bozo e, no paralelo, construir um nome que ocupe o lugar de Bozo no segundo turno.
Se essa “jogada” é possível, muito em breve teremos novos ataques da elite branca a Lula, ao PT, à esquerda e aos movimentos populares. Não só isso, as eleições de 2020 deixaram claro que vários “democratas” não hesitaram em usar o bolsonarismo contra a esquerda.
Com essa análise chego, agora, à primeira conclusão: no combate a Lula/PT/esquerda, considero plenamente provável que o “centro” assuma o controle da caixa de ferramentas macabra do bolsonarismo (milícia – digital e real, mercadores da fé, preconceitos, mentiras, violências em geral) para retomar o controle do Estado e derrotar o povo trabalhador.
A conclusão acima provoca uma indagação: como a esquerda deve se preparar para esse movimento? Temo que, mais uma vez, prefira-se a via institucional e se creia que “ganhar o centro” seja o caminho. Ou seja, demonstrar-se palatável aos partidos e ao establishment. Parte-se, assim, da lógica de que eleitor é gado. Ganhando os donos, o eleitor vem junto. Por incrível que pareça, a ascensão de Bozo mostrou que não, porque ele cresceu exatamente por ser contra “tudo isso que está aí”.
Penso que o caminho é disputar a consciência coletiva – e esta é a segunda e última conclusão. Foi pela regressão da consciência coletiva que foi possível o golpe de 2016, a prisão de Lula, a vitória de Bolsonaro. É a consciência política coletiva a ferramenta capaz de corroer as estruturas das milícias, dos mercadores da fé e, também, do establishment, forçando-os a buscar um posicionamento mais “progressista”.
Neste sentido, Lula sinalizou bem quando levantou a bandeira de “um programa”. Somente com um programa conectado com as necessidades do povo trabalhador que o ajude a formar uma consciência quanto aos SUS, aos direitos sociais, à renda, ao papel do Estado, é que teremos a base para uma promissora disputa política (e até eleitoral).
Sim, construir o programa é o maior desafio de Lula e dos setores majoritários da esquerda.
*Advogado previdenciário, mestre em Políticas Públicas, ex-presidente da FENACONTAS e do SINDICONTAS-PE, ex-presidente da RECIPRE.
* O artigo reflete a opinião do autor e não necessariamente a do Esquerda Socialista. Somos um portal aberto às polêmicas da esquerda socialista.
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