“Quando pesco penso” Astor Piazzolla
Boas notícias que vêm do país vizinho. Calma, não me refiro ao avanço da vacinação na Argentina. O mês de março está sendo marcado por uma série de homenagens ao centenário de nascimento de Piazzolla. O épico Teatro Cólon está numa verdadeira ode a um dos seus maiores filhos. Até o dia 20 de março, dezenas de músicos irão render homenagens ao maior expoente da música portenha. As apresentações podem ser acompanhadas pelo Youtube no canal do Teatro.
Astor Piazzolla nasceu em 11 de março de 1921, em Mar del Plata, Argentina. De família humilde, teve no pai um incentivador ao estudo do piano e do bandonéon, instrumento que o fará famoso. Seu velho adorava as duas grandes paixões nacionais: o tango e o boxe. O treino da nobre arte ajudou o menino franzino e deficiente a ter autoestima e lutar para afirmar sua concepção musical. A pesca, que conheceu através do pai, foi seu hobby até quando teve forças para fisgar tubarões.
A busca de melhores condições de vida fez os Piazzolla se mudarem para os EUA. A mudança da família para Nova York foi importante para formação musical do pequeno Astor. Foi lá que teve aulas de piano e ganhou seu primeiro bandonéon. Piazzolla dizia que 50% de sua música era influenciada pelo momento que viveu nos EUA.
De volta à sua terra natal, adentrou na vida noturna agitada dos cabarés enquanto entrava na vida adulta. Rapidamente passou a ser um arranjador requisitado e não demorou a liderar sua primeira orquestra. Piazzolla não se contentava com a velha forma de tocar e os tradicionais arranjos de tango executados quase que exclusivamente para se dançar, queria liberdade para experimentar e criar.
Ao contrário do que o senso comum imagina, a qualidade de um grande músico não brota de uma força misteriosa, de um dom guardado no seu DNA. A característica mais comum de um músico virtuose é o seu interesse pelo estudo sistemático, pelas horas e horas de trabalho pesado e meticuloso, pelo desafio que dá a si mesmo para revolucionar a forma como se toca um instrumento e como se avança em novas possibilidades rítmicas e melódicas.
Se é verdade que o novo sempre vem e, no caso da música, também é uma premissa que o novo choca e quase sempre não é bem aceito pelo público. Piazzolla trouxe novas possibilidades harmônicas e fez surgir um novo tango. A crítica, os velhos músicos e os dançantes tradicionais odiaram e não entenderam a revolução em curso que o jovem músico estava propondo.
As aulas de boxe ainda na infância fizeram com que Astor não tivesse queixo de vidro e suportasse os golpes mais duros daqueles que o acusavam de não fazer tango, de assassinar o gênero nacional e chegou a ouvir dos mais lunáticos o xingamento de comunista, para supostamente o enquadrar como um agente externo à cultura argentina. Uma bolsa de estudos na França possibilitou voltar à sua paixão, o piano, mas trouxe também um reencontro com o bandonéon e nasce as maiores composições.
A vida de um grande músico não pode ser medida por dinheiro e prestígio. Mas sim pelo legado que constrói. Os standards criado por Piazzolla são executados por orquestras e jams em todo o mundo. Um dos seus mais famosos foi composto em um dos dias mais tristes da sua vida. Informado da morte do pai e vivendo em péssimas condições financeiras, teve que fazer uma apresentação mesmo em luto. Ao retornar para casa, compôs, em um só fôlego, “adiós nonino” e fez do tema uma homenagem ao seu velho, que entrou para história da música mundial.
Nos próximos 100 anos, a humanidade continuará exaltando gênios como Charles Parker, Pinxinguinha e Astor Piazzolla. Neste “Piazzolla 100” temos uma oportunidade de conhecer a elegância e a força de sua música.
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