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MUNDO

Equador: garantir o 2º turno e derrotar o capital financeiro

David Cavalcante, de Recife, PE

Neste domingo, 21 de fevereiro, o CNE, Conselho Nacional Eleitoral do Equador, órgão constitucional coordenador das eleições naquele país andino, proclamou oficialmente o resultado das eleições gerais. O CNE, depois de anunciar um resultado preliminar, entre os dias 09 e 10, com base no chamado “conteo rápido” (por amostragem), apesar de regimental, foi visto corretamente por muitos analistas como um anúncio precipitado, já que a diferença entre 2º e 3º colocados ficou em torno de apenas 30 a 35 mil votos, ou seja, menos de 0,5%.

A proclamação do resultado ocorreu após 15 dias de polêmicas sobre recursos e recontagens, acusações de fraude da parte do candidato Yaku Pérez, do partido Pachakutik, que tem sua principal base social nos indígenas e camponeses.

Pachakutik convocou vigílias de protestos e ainda uma marcha com apoio de movimentos de algumas províncias para esta semana, para que houvesse uma recontagem de 50% dos votos em 16 províncias e 100% dos votos da maior circunscrição eleitoral, que é a província de Guayas, com base numa reunião de acordo, transmitido pela grande mídia, que foi realizado entre Perez e Guillermo Lasso, o banqueiro candidato do grande empresariado e da velha direita (que em seguida recuou do acordo). Na sequência, o próprio CNE não acatou nem o pedido de Yaku nem a 2ª proposta formal de Guillermo Lasso e deliberou pela proclamação do resultado para que se abrisse o prazo de recursos.

O fato é que – ainda não foram apreciados os recursos jurídicos nem as apelações – mas, o segundo turno está previsto para 11 de abril entre Andrés Arauz, da Frente União pela Esperança, apoiado pelo ex-Presidente, Rafael Correa, que obteve 32.72% dos votos válidos (3.032.906 votos), e Guillermo Lasso que alcançou 19.74% (1.829.378 votos), ficando Yaku Pérez em 3º com 19.38% (1.796.542 votos), ou seja, uma diferença de apenas 32.836 do 2º candidato.

A passagem de Lasso para o 2º turno não muda o recado majoritário das urnas que são reflexo por um lado, do repúdio à guinada à direita de Lênin Moreno, cuja candidata, Ximena Peña, do Aliança País, teve apenas 1,54% dos votos, por outro lado, um voto nos candidatos e parlamentares da esquerda e centro-esquerda. Somando-se os votos no Andrés Arauz, Yaku Pérez e Xavier Hervas, alcançou-se 67,79%. Na Assembleia Nacional de 137 parlamentares, somando-se tais forças chegou-se a 94 eleitos e eleitas que poderão ter pautas programáticas comuns.

Um dilema para os movimentos indígenas

Pachakutik é um importante partido político do Equador e representa a maior parte dos movimentos e lideranças indígenas, muitos dos quais vinculados à Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador – CONAIE, que já protagonizou diversos levantes sociais no país, sendo o mais recente o de outubro de 2019 contra o pacote neoliberal do Governo de Lênin Moreno em obediência aos ditames do FMI.   

Alguns territórios e movimentos indígenas do país se enfrentaram contra várias medidas de concessões dos governos de Rafael Correa (2007-2017) e seus projetos de liberação em áreas de preservação ambientais e territórios ancestrais em favor de mineradoras que geraram impactos ambientais e sociais. Até a presente data, há ainda ilusões de setores do progressismo equatoriano de que, ampliar os investimentos externos diretos no extrativismo predatório de grandes mineradoras, seria a fonte milagrosa de recursos tributários para compensar, em longo prazo, a queda da renda petroleira que é atualmente tão decisiva para manutenção do Estado. 

Ocorre que além dos fortes impactos ambientais e sociais negativos, o histórico padrão de exploração dos recursos naturais das transnacionais mineradoras, através dos megaprojetos de exploração do subsolo e do uso da água em grandes volumes, deixa, em longo prazo, um legado de terra arrasada, gerando enormes riquezas para poucos capitalistas, empresas associadas e uma minoria de especialistas, à base da superexploração da força de trabalho local, destruição ambiental, violação de direitos humanos e desarticulação de padrões culturais das populações originárias. Tem sido assim, ao longo décadas no Chile, na Bolívia, no Peru e também no Equador que no vácuo das megaminadoras de cobre, ouro, prata, entre outros minerais, após um boom de investimentos de capitais externos, o que se deixa são cemitérios ambientais e sociais, muito relacionados aos maiores índices de acidentes de trabalho e uso de resíduos e rejeitos químicos. 

No caminho contestatório desses projetos das megamineradoras, foi realizado também no dia das eleições uma Consulta popular na cidade de Cuenca, terceira maior cidade do país e capital da Província de Azuay, que rechaçou por mais de 78% a exploração de metais em zonas de água potável. Assim foi a pergunta da Consulta: “Concorda com a proibição de mineração de metais em grande escala na zona de recarga de água do Rio Tarqui, de acordo com a delimitação técnica feita pela empresa municipal de Telecomunicações, Água Potável e Saneamento Etapa EP?” Se repetindo a mesma pergunta para outros quatro rios da região. Tal modelo de consulta deveria ser seguido por todas as regiões do país e também para outros países cujas populações são vítimas dos grandes projetos extratitivistas predatórios. 

Por outro lado, não há dúvida de que houve choques parciais do período de Correa, com medidas que se enfrentaram parcialmente contra o domínio imperialista na região, a exemplo da auditoria da dívida pública, com o auxílio da Auditoria Cidadã da Dívida, instituição coordenada por Maria Luiza Fatoreli; a não renovação de acordos militares e de inteligência com o Departamento de Estado Americano dos EUA, a exemplo do fim da concessão da Base de Manta, em 2009; a promoção de acordos multilaterais com os países do Cone Sul; a garantia do asilo político ao ciber-ativista, Julian Assange, que revelou ações militares secretas dos EUA com várias violações de Direitos Humanos; além do reforço de políticas públicas sociais que promoveram a saúde e a educação públicas no país, entre outras. 

A atual fase do capitalismo global ingressou numa etapa de aprofundamento da sua crise de reprodução ampliada, principalmente a partir da crise financeira de 2008 e agora mais ainda com as sequelas econômicas e sociais da pandemia global, resultantes da paralisação das forças produtivas mundial. Neste espectro, há tempos qualquer projeto minimamente soberano, nacional-reformista ou neodesenvolvimentista, ainda que nos marcos do próprio capitalismo, tem gerado ofensivas políticas, militares, diplomáticas e econômicas contra os países mais dependentes que ousam desafiar os tentáculos dominantes do império. 

Algumas ações políticas de Rafael Correa, ainda que parciais, evidentemente geraram operações de lawfare no mesmo padrão do que tem ocorrido em vários países da América Latina, a exemplo do Brasil, Honduras e Paraguai ou numa versão mais ofensiva como ocorreu na Bolívia e na Venezuela.  

Garantir o 2º turno contra tentativas golpistas e derrotar a banca no voto

Dada a confirmação de um nome de centro-esquerda, representado por Andrés Arauz e outro da direita e do grande capital, a principal tarefa conjuntural de todo o movimento social do país, se apoiando na esquerda latino-americana é derrotar o banqueiro. Mesmo sabendo que Arauz tem diversos limites programáticos, como por exemplo, não propor, assim como nenhum outro candidato propôs, a recuperação da soberania monetária do país, para pôr fim à dolarização.

Por seu turno, às lideranças dos movimentos sociais e ativistas do Movimento da denominada Revolução Cidadã, crescem suas responsabilidades em encontrar os caminhos para as necessárias e altivas críticas ao governo Correa em relação aos questionamentos de projetos do extrativismo predatório de grandes mineradoras, bem como outras pautas que ficaram pendentes daquele período.

Mas a grande pergunta diante de um futuro governo de Arauz é como os trabalhadores e os movimentos indígenas podem arrancar conquistas se pautando pelo fortalecimento de suas organizações independentes e com sua própria força de mobilização como já se demonstrou recentemente em Outubro 19?

Pachakutik e Yaku Perez tiveram seu maior desempenho eleitoral desde sua fundação, chegando a cerca de 20% dos votos válidos, aumentando sua votação em 230%. Não necessariamente tem a obrigação de compor um provável governo de Andrés Arauz, mas a maior tragédia seria repetir o erro de 2017, onde Yaku definiu seu voto com o falso conceito “melhor um banqueiro que um ditador” ou ainda apelando para o voto nulo. Este lema é o que seguramente pretende repetir a embaixada de Washington, visto que quanto mais enfrentamentos entre os diversos setores da esquerda, mais facilmente a direita do Equador e a Casa Branca ganharão forças para prepararem o caminho do retorno, ou ainda dificultarem a aprovação de leis e políticas públicas que favoreçam às grandes maiorias na nova Assembleia Nacional.

O grande desafio do segundo turno é em primeiro lugar garantir a própria eleição, pois as notícias que chegam é que tanto a Procuradoria quanto a Controladoria extrapolaram suas prerrogativas constitucionais, tentando empantanar a realização do 2º turno com requerimentos de auditorias inconstitucionais. Lembremo-nos do que ocorreu na Bolívia, onde o alento ao golpe fascista ocorreu exatamente com a obstacularização sucessiva das eleições durante o processo de apuração.

Buscar senso de estratégia, preparando o fortalecimento das organizações sociais autônomas para exigirem do futuro governo medidas a favor dos trabalhadores, das populações indígenas e das comunidades populares. Esse parece ser o caminho mais sensato, sem buscar atalhos de alianças com as frações políticas das classes dominantes do país.

Partindo de um voto crítico em Andrés Arauz, mantendo-se a independência política e de classe é possível que as organizações reapresentem suas demandas imediatas e históricas assentadas na mobilização social. Alentar sinal de igualdade entre Andrés Arauz/Correa com a candidatura de Guillermo Lasso, um banqueiro apoiado pelo agronegócio do país, o ex-super-ministro da dolarização do governo de Jamil Mahuad, que foi enxotado do poder por uma rebelião popular, é um caminho sectário que em nada ajuda na construção das organizações da esquerda anticapitalista do país.

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