O ano era 1981, os suspiros finais do fantasioso regime militar/empresarial de grandes benesses à sociedade, pintado de oliva, não soava mais como uma opção viável. As cinco cerejas do bolo, desbotaram-se e caíram como azeitonas apodrecidas. A partir desse marco, a organização dos professores e professoras do magistério superior, no Brasil, iniciou a sua história por meio da organização tática coletiva alinhada com o projeto histórico da classe trabalhadora.
Desde 1974, com o início do penúltimo interventor militar/empresarial à frente do país, as taxas inflacionárias anuais começaram a decolar. De 1974 a 1980, o valor ficou em 298,3% (média anual de 42,6%), e nos anos de 1981 a 1983 emplacaram a alta inflacionária de 259,5% (média anual de 86,5%) pelo IGP-DI.
Apesar da (falsa)promessa de abertura política, o que se viu foi a manutenção das censuras, perseguições, torturas e mortes pelo braço armado do estado. O assassinato nas instalações do DOI-CODI, em São Paulo, do filósofo e jornalista Vladimir Herzog, em 25 de outubro de 1975, impulsionou um movimento de enfrentamento aberto à ditadura militar. O movimento estudantil da USP deflagrou greve em protesto contra o informe oficial da morte de Herzog, caracterizada como suicídio, e exigindo esclarecimentos sobre as reais circunstâncias da sua morte. A missa campal defronte a Catedral da Sé, em São Paulo, foi muito mais que o “sétimo dia”, demarcou a retomada das mobilizações dos/as trabalhadores/as no pós-AI-5.
As mobilizações estudantis e operárias se aprofundaram ao longo da década de 1970. O 1º de Maio de 1977 indicou mudanças na organização da classe trabalhadora a partir do momento em que ocorreram prisões de estudantes e operários, o que alavancou uma onda de manifestações pelo Brasil, com expressividade para o dia 3 de maio, em que 6 mil pessoas protestaram defronte o prédio da PUC-SP, e para a passeata dos 10 mil estudantes, no dia 5 de maio, no Largo de São Francisco da Faculdade de Direito da USP.
Alguns meses antes do 1ºM de 77, no interior da USP, os professores e as professoras reascenderam a antiga organização dos/as professores/as criada na década de 1950, como Associação de Auxiliares de Ensino (AAE-USP), precisamente em 29 de agosto de 1956, e que foi dissolvida em 1968 por motivos óbvios. Demarcava-se o início do processo de organização coletiva entre os/as docentes do magistério superior brasileiro.
Impulsionados pelos assassinatos do regime militar, em especial o de Herzog, um núcleo de docentes da USP começou a debater a retomada da organização coletiva no momento em que vários órgãos da instituição tomavam ciência da carta subscrevida por 535 docentes exigindo do governador do estado os devidos esclarecimentos sob as circunstância do assassinato de Herzog. Iniciava-se, ainda em 1975, os primeiros passos para a criação da associação de docentes da USP.
O processo de mobilização ao longo do ano de 1976 extravasou os limites da USP e possibilitou movimentação na UNESP e na Escola Paulista de Medicina de São Paulo. Dessa forma, em 27 de agosto de 1976 foi fundada a ADUNESP, em 18 de outubro de 1976 foi fundada a ADEPM e em 19 de outubro de 1976 foi fundada a ADUSP. Nessa última, a diretoria provisória atuou por oito meses e conseguiu associar cerca de dois mil professores e professoras, grande parte pela ação da professora Carolina Bori que compunha a diretoria provisória e, à época, era secretária geral da SBPC.
A piora nas condições de vida, a necessidade da reabertura política, as defesas pelo fim do regime militar, o início de demissões no núcleo duro do operariado fabril, centralmente de São Paulo, deu base para o ascenso de greves e de construção de organizações da classe trabalhadora.
1978 é o ponto extremo da curvatura da vara. Foi o início do movimento contra hegemônico que possibilitou mudanças qualitativas nas organizações da classe trabalhadora. O ponto de partida pode ser direcionado para a greve, espontânea, construída pela base, dos trabalhadores da Scania. A greve que inicia em 12 de maio parou completamente a produção. A direção do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC defendia o diálogo com a patronal. Passando por cima da direção do sindicato, os trabalhadores foram para a fábrica, bateram o cartão, mas não ligaram as máquinas. A greve na Scania abriu uma avenida de greves no grande ABC paulista, seguida pelas greves na Ford, Mercedes, Volks, Motores Parkins, Cofap, Philips, Fabrini S.A., Pirelli… somando mais de 30 mil operários de braços cruzados.
O movimento docente cresce em 1978. Várias Associações de Docentes (AD’s) são criadas ainda no primeiro semestre, como ADUFSCar, ADUFES, ADUnB, e segue no segundo semestre com APESJF, ADUFF, ADUFCG e ADUFPB. As reuniões anuais da SBPC passaram a ser espaços de disputas da política de educação superior e de projetos de universidade. Na ocasião da 30ª Reunião Anual da SBPC, realizada na USP entre os dias 9 e 15 de julho de 1978, por ocasião do debate sobre “Associações Docentes nas Universidades Brasileiras”, que a essa altura somavam dezessete, ficou aprovada a proposta da realização do 1º Encontro Nacional de Associações de Docentes Universitários. Uma das pautas de mobilização encabeçada pela ADUSP foi a defesa da imediata reintegração de professores/as perseguidos/as pela ditadura, com a apresentação de moção na assembleia geral da SBPC em defesa da anistia.
De 15 a 18 de fevereiro de 1979 ocorreu o 1º Encontro, na USP, com a presença de 24 entidades. A ADUSP lançou manifesto no Encontro durante a realização do debate sobre “Democratização da universidade e triagem ideológica”. O trecho que segue é parte do princípio da liberdade de cátedra: “Vivemos hoje dentro de uma universidade antidemocrática em sua vida interna e em seu papel na sociedade, uma universidade que há quinze anos sofre um processo de peneiramento ideológico, em favor do obscurantismo institucionalizado, ora de forma dramática, como os expurgos, as aposentadoria, as invasões, as prisões – atingindo professores, alunos e funcionários – ora de forma sub-reptícias, como a seleção de contatos ou bolsas, com base em dados dos órgãos de informação”. No debate sobre o papel das Associações de Docentes o professor Modesto Carvalhosa, da ADUSP, defendeu que era “[…] inadiável a retomada da autonomia universitária, em termos de eleição direta do Reitor e dos membros dos órgãos deliberativos e técnicos, sem qualquer ingerência do MEC, CFE, Governos estaduais e órgãos de segurança.”
Como produto final do 1º Encontro ficou aprovado quatro temas gerais de luta: 1. Pelo ensino público e gratuito em todos os níveis; 2. Pela democratização da Universidade; 3. Por melhores salários e condições de trabalho; 4. Contra o controle ideológico da Universidade. Além disso, foi criada uma Coordenação Nacional das Associações Docentes para impulsionar a organização e as ações das associações nacionalmente. Nessa direção, em abril de 1979 explode uma greve unificada dos/as docentes da USP, UNICAMP e UNESP, com as pautas prioritárias de ampliação salarial e condições de ensino. Além disso, em 14 de agosto de 1979, como produto do crescimento das ações conjuntas das Associações de Docentes, estiveram reunidos com o então Ministro da Educação e Cultura, Eduardo Portella, os professores Elliot Kitajima, da ADUnB, Moderto Carvalhosa, da ADUSP, Nilo Odália, da ADUNESP e José Zago, da ADUNICAMP, com o objetivo de tratar os principais temais gerais de luta aprovados no 1º Encontro.
Uma Reunião Nacional Extraordinária das Associações de Docentes Universitários foi convocada pela Coordenação Nacional e foi realizada em Salvador, entre os dias 6 e 9 de setembro de 1979, com a presença de 31 Associações de Docentes. Ficou aprovada a manutenção dos quatro temas gerais de luta do 1º Encontro, e ainda um conjunto de resoluções sobre os anteprojetos de autarquia de regime especial do MEC, de reestruturação da carreira do magistério superior federal do MEC, de escolha e nomeação de dirigentes universitários do MEC, além de plano de lutas sobre questões salariais e trabalhistas das universidades particulares e das universidades federais. Assim como um calendário nacional de mobilização, encontros estaduais/regionais, campanhas unificadas e o dia 26 de setembro de 1979 como “Dia Nacional de Reivindicações salariais, trabalhistas e de carreira nas Instituições de Ensino Superior” com paralização das atividades.
A Reunião Nacional Extraordinária aprovou a organização do II Encontro Nacional de Associações de Docentes Universitários, com o seguinte temário: 1. Perspectivas da Universidade Brasileira (verbas, estrutura de poder e relações com a sociedade); 2. Questões salariais e trabalhistas (campanha salarial – 1980); 3. Formas de organização das Associações de Docentes em nível nacional; 4. Formas de ação em relação à política educacional. O II Encontro realizou-se em João Pessoa, na UFPB, no período de 25 a 29 de fevereiro de 1980, com a presença de 33 AD’s.
Entre os principais pontos de deliberação no II Encontro, cabe destacar o fortalecimento da organização das AD’s por meio da criação de cinco regionais de AD’s, a saber: 1. RS, SC e PR; 2. SP; 3. RJ e ES; 4. MG, DF e GO; 5. PA, BA, PE, PB, RN e CE. Além disso, o programa geral da entidade lapidava-se em direção a um projeto de universidade, conforme segue: “1. Lutar pelo ensino público e gratuito e a todos os níveis; 2. Exigir uma destinação imediata de 12% do orçamento da União, no mínimo, para educação, conforme recomendação da UNESCO; 3. Reivindicar o controle democrático da aplicação das verbas do Universidade; 4. Lutar pela democratização da estrutura de poder na universidade e nas instituições de ensino em todos os níveis; 5. Lutar pela autonomia da universidade e defender a estabilidade do professor no emprego e o fim dos mecanismos de controle ideológico”. Outros pontos aprovados contribuíram para a continuidade da mobilização nacional, dentre eles: a realização de novo encontro extraordinário das AD’s na 32ª reunião anual da SBPC, a preparação do temário para ser debatido no III ENAD e, como proposta central, aprovada no grupo 2, oriunda da ADUNICAMP, a criação de uma comissão com o objetivo de elaborar subsídios e promover um processo nacional de mobilização dos docentes com a finalidade de criar uma Associação Nacional de Docentes de Ensino Superior.
Depois de idas e vindas do movimento docente para o MEC, para tratar das pautas da categoria, a Coordenação Nacional das Associações de Docentes propôs às AD’s que se deliberassem, junto às suas bases, por uma paralisação nacional de 3 dias. Esse movimento ganhou força no Encontro Nacional extraordinário, que ocorreu no Rio de Janeiro, no período de 5 a 9 de julho de 1980, paralelo à 32ª reunião anual da SBPC, em que se aprovou a pauta que sustentou a realização da greve em fins de 1980. Ou seja, o movimento docente ganhou forma em virtude das suas novas características, do caráter intransigente encontrado nas negociações com o Estado, na figura do governo Figueiredo e da conjuntura geral na qual o país se encontrava, de alta inflacionária, arrocho salarial, elementos de autoritarismo e as lutas do ABC paulista por meio de uma onda de greves vitoriosas desde 1978.
Portanto, no final de 1980 explodia a primeira greve das universidades autárquicas em conjunto com sete escolas isoladas. A greve durou 26 dias, de 16 de novembro a 11 de dezembro de 1980. Entre as pautas principais estava a reposição salarial de 48% retroativa a março de 1980, a aprovação de um novo Plano de Carreira do Magistério, a destinação de 12% do Orçamento da União para o financiamento da educação e o reajuste salarial semestral. A principal vitória da categoria foi o reajuste de 35% para janeiro de 1981 e 35% cumulativos em abril de 1981, resultando em 82,25% de aumento para os/as docentes. A greve demonstrou que a unidade na luta garante vitória para a categoria. E, nessa direção, foi convocado o III Encontro Nacional das Associações de Docentes (ENAD), assim como o Congresso Nacional dos Docentes Universitários, com pauta única: Criação da Entidade Nacional.
O início da segunda quinzena de fevereiro de 1981 demarcou a virada na organização coletiva dos/as professores/as do magistério superior brasileiro. Conforme a chamada no clássico cartaz ilustrado com uma obra de William Hogarth, os dias 16 e 17 de fevereiro foram destinados à realização do III ENAD seguido pelo Congresso Nacional dos Docentes Universitários, realizado nos dias 18, 19 e 20 de fevereiro.
O III ENAD contou com a presença de 61 AD’s, com cerca de 800 participantes, e debateu o caráter da entidade, a sua concepção, as bases programáticas e a forma de constituição da diretoria executiva a partir dos textos das AD’s, muitos dos quais debatidos e aprovados em suas assembleias de base. O debate ocorreu no interior de 10 grupos de trabalho, e a sua síntese foi encaminhada para aprovação no Congresso Nacional dos Docentes Universitários. Ambos eventos foram realizados no Teatro do Centro de Convivência Cultural de Campinas.
No Congresso o número total de delegados e delegadas inscritos/as foi de 317, com a presença de 282 delegados e delegados representando 65 AD’s e uma comissão pró-AD. A AD com o maior número de delegados/as foi a ADUSP, seguida pela ADUFRJ, com 11 e 10 delegados/as, respectivamente. Metade das AD’s estavam presentes com até 3 delegados/as.
A abertura dos trabalhos para deliberar a fundação da entidade nacional ocorreu às 20 horas do dia 19 de fevereiro de 1981. Os trabalhos da mesa foram coordenados por Carlos Alberto Martins (APROPUCC), José Benedito Schneider (ADUNICAMP) e Osvaldo de Oliveira Maciel (APUFSC). A criação da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior – ANDES foi aprovada por 221 votos, com 6 votos contrários e nenhuma abstenção.
A ANDES nasce em base a princípios que se consolidaram nas lutas. A representação por local de trabalho, com a presença permanente das AD’s no interior de cada instituição; a democracia interna nos espaços deliberativos da entidade, desde as assembleias das AD’s até o congresso por meio dos/as delegados/as eleitos em suas bases; a autonomia da entidade perante os governos, as reitorias e os partidos; além da base programática geral construída ao longo dos primeiros anos de existência da ANDES e materializada por meio do Caderno 2, a partir da sua primeira edição de julho de 1986, seguida pelas atualizações/revisões forjadas nos diversos espaços da entidade.
Assinatura do registro sindical, em 1988, com a ministra do Trabalho, Dorothea Weneck
Uma nova etapa foi iniciada em 1989 com a transformação em ANDES – Sindicato Nacional. No período que segue, passando pelos governos neoliberais, de frente popular e da extrema-direita negacionista e miliciana, o ANDES-SN esteve presenta nas lutas gerais da classe trabalhadora e nas lutas em defesa da educação.
Nessa jornada de 40 anos de existência, a ANDES e o ANDES-SN, atuaram nas Diretas Já!, no processo Constituinte, na elaboração da LDB, na construção do Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira, na construção de espaços coletivos como o Fórum Nacional em Defesa da Educação Pública, os Congressos Nacionais de Educação, o Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais, os Fóruns de Servidores Públicos nos Estados, os Encontros Nacionais de Educação, o Espaço Unidade de Ação, a Frente Nacional “Escola Sem Mordaça”, o Fórum Sindical, Popular e de Juventudes por direitos e liberdades democráticas.
Nesses 40 anos a categoria docente impulsionou a construção de uma Central Única dos Trabalhadores e, da mesma forma, por manter os princípios da autonomia da entidade, a categoria soube se retirar desse espaço e forjar novos espaços coletivos no âmbito do sindicalismo, e permanece na construção e defesa da Central Sindical e Popular Conlutas.
Na longa caminhada de 40 anos a ANDES e o ANDES-SN realizaram uma série de greves nas instituições particulares, nas instituições estaduais e municipais e 21 greves no setor das federais, com greve de fome em 1998. Além disso, são inúmeros os encontros regionais, os seminários, os dias nacionais de lutas, as campanhas, as reuniões, as quase 70 edições da revista Universidade & Sociedade, assim como os 64 CONAD’s ordinários, os 10 CONAD’s extraordinários, as 39 edições de Congressos em conjunto com 3 Congressos extraordinários. Complementa-se com a construção coletiva que emerge do GTPE, do GTPCEGDS, do GTPFS, do GTCA, do GTSSA, do GTFundações, do GTVerbas, do GTHMD, do GTCeT, do GTCarreira e do GTPAUA.
E em nome dos presidentes e das presidentes que estiveram na linha de frente desse Sindicato: Osvaldo De Oliveira Maciel (1981-1982); Luiz Pinguelli Rosa (1982-1984); Maria José Ribeiro (1984-1986); Newton Lima Neto (1986-1988); Sadi Dal Rosso (1988-1990); Carlos Eduardo Malhado Baldijão (1990-1992); Márcio Antônio De Oliveira (1992-1994); Luiz Henrique Schuch (1994-1996); Maria Cristina De Morais (1996-1998); Renato De Oliveira (1998-2000); Roberto Leher (2000-2002); Luiz Carlos Gonçalves Lucas (2002-2004); Marina Barbosa Pinto (2004-2006 / 2010-2012); Paulo Marcos Borges Rizzo (2006-2008); Ciro Teixeira Correia (2008-2010); Marinalva Silva Oliveira (2012-2014); Paulo Marcos Borges Rizzo (2014-2016); Eblin Joseph Farage (2016-2018); Antonio Gonçalves Filho (2018-2020); e hoje Rivânia Lucia Moura de Assis (2020-2022); eu parabenizo o conjunto dos docentes e das docentes que construíram e que constroem esse Sindicato Nacional, com firmeza nos princípios, alinhada com o projeto histórico da classe trabalhadora e em defesa de uma educação pública, gratuita, democrática, laica, de qualidade e socialmente referenciada. Vida longa para o ANDES – Sindicato Nacional!
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