Com decretos, bolsonarismo dá mais um passo para armar a sua base social
Publicado em: 14 de fevereiro de 2021
No dia 12, véspera de carnaval, o presidente Jair Bolsonaro publicou quatro decretos, que ampliam o acesso e uso de armas, equipamentos e munições. Em meio a pandemia, sem vacinas, impressiona que a atenção do governo volte-se para a quantidade de armas que uma pessoa pode comprar. Qualquer pessoa, após concluído o pedido de autorização, poderá comprar até seis armas. Policiais federais, civis e militares, juízes, procuradores do MP e agentes e guardas prisionais poderão possuir até oito armas (incluindo duas de uso restrito).
Ao mesmo tempo, transfere poderes aos “clubes de tiro” permitindo que eles reconheçam frequentadores como colecionadores, atiradores e caçadores (CACs), através de um simples “atestado de habitualidade”. Ou seja, poderão dar a estas pessoas (CACs) o direito de possuir entre 30 e 60 armas e transportar parte delas livremente, sem pedido prévio, para uso recreativo. Outro decreto flexibiliza a concessão do porte de arma, devendo a autoridade pública “justificar eventual indeferimento”.
O pacote de medidas permitirá a formação de verdadeiros arsenais. Ao mesmo tempo, o governo mais do que dobrou a a quantidade de munição permitida e flexibilizou a fiscalização. Segundo nota do Instituto Igarapé, o proprietário deverá ser comunicado de qualquer ação de fiscalização de seu arsenal, com antecedência mínima de 24 horas – mais do que suficiente para se livrar de munições e armas.
Os decretos também flexibilizam o controle e acesso a munição. Entidades de tiro e de caça, além de poderem classificar qualquer um como CACs, ainda poderão oferecer munições originais de fábrica. Se o controle de munição já não é feito atualmente sequer para armas de uso restrito – basta lembrar a origem da munição usada na execução de Marielle Franco e Anderson Gomes – deve piorar. Um dos decretos retira vários itens da lista de produtos controlados pelo Exército, de miras telescópicas a máquinas e prensas para a recarga de munições. Segundo Ivan Marques, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em entrevista à Folha de S. Paulo, isso incentiva a fabricação caseira de munição. “O decreto, assim, estimula que munições virtualmente impossíveis de rastreamento sejam produzidas em casa, dificultando o trabalho de investigação policial”, diz.
Senhores da guerra
O presidente Bolsonaro fala em “liberdades individuais” e garantia do exercício da função policial. Tenta apresentar as medidas como uma garantia da segurança pública. Não é verdade. Ao contrário, a liberação e flexibilização das armas tende a aumentar a violência urbana, facilitando o armamento de criminosos, milícias e facções. Segundo Isabel Seixas de Figueiredo, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, “Entre 30% e 40% das armas apreendidas pela polícia com criminosos foram compradas originalmente por pessoas sem ligação com o crime, e que depois venderam este armamento ou foram roubadas”.
Com mais armas na rua, veremos também o aumento de massacres provocados por franco-atiradores, cenas comuns nos Estados Unidos e cada vez mais frequente no Brasil, como no caso da escola de Osasco e o de Campinas. E também aumentará ainda mais a quantidade de feminicídios, que crescem sob o bolsonarismo e que metade dos casos já é cometido com armas de fogo e 88,8% por pessoas conhecidas, como maridos ou ex-companheiros.
As medidas são na verdade mais um passo para liberar o acesso às armas, uma de suas bandeiras de campanha. Em janeiro, comemorou o aumento de 91% nos pedidos de posse de armas – foram 180 mil novas armas registradas em 2020. Com isso, o resultado dos dois primeiros anos do governo Bolsonaro (273.835) representa um aumento de 183% em relação ao total de novos registros de armas de fogo em 2018 e 2017 (96.512).
O governo preserva íntima relação com empresários e lobistas do setor de armamento, que, segundo a imprensa, possuem acesso fácil aos corredores do palácio e representantes no Congresso, na bancada da bala. O setor acumula crescimento desde a campanha de 2018. A Taurus, principal fabricante nacional, anunciou em janeiro a ampliação de uma planta em São Leopoldo (RS), e foi a empresa com a ação mais rentável na bolsa de valores em 2020 – 178,3% ao ano. Empresas estrangeiras também atuam no país e estudam investimentos. Com relações com a família Bolsonaro, conseguiram inclusive zerar temporariamente a alíquota de importação.
Ameaça real à democracia
Os decretos são uma grave ameaça à democracia brasileira. No vídeo da famosa reunião ministerial de abril de 2020, Bolsonaro afirmou que queria “todo mundo armado para impedir uma ditadura”. O que Bolsonaro pretende é justamente o contrário, armar os seus apoiadores para sustentar o aprofundamento de um regime político neofascista e, se for necessário, impedir que uma derrota eleitoral se confirme.
A ação estimulada por Donald Trump no Capitólio deve servir de exemplo. Alegando uma suposta fraude, o ex-presidente recusou-se a aceitar o resultado das urnas e incentivou seus apoiadores a uma ação violenta, que resultou em cinco mortes. No mesmo dia, Bolsonaro, o último presidente a reconhecer a vitória de Joe Biden, declarou que no Brasil “seria ainda pior” e prosseguiu com sua campanha contra a urna eletrônica, preparando um possível discurso de fraude.
A decisão do Senado neste dia 13, inocentando Trump por sua participação no episódio, mostra a fragilidade das instituições do principal país imperialista em reagir a uma tentativa de ação golpista. Serve de alerta para o Brasil, governado por Bolsonaro, que possui sua base social neofascista enquanto avança no controle do Congresso Nacional.
A presença do bolsonarismo nas polícias e o genocídio negro
O governo Bolsonaro preservou apoio especialmente entre os agentes de segurança (policiais, guardas municipais, bombeiros, vigilantes) e entre militares de baixa patente. A família tem relações históricas com as milícias, que já dominam grande parte do Rio de Janeiro e se organizam em outros estados. Sem falar no apoio de Bolsonaro no campo, entre fazendeiros e jagunços, que aprofundam os ataques a trabalhadores sem-terra e povos indígenas.
Hoje já se discute abertamente a possibilidade de o bolsonarismo passar a dirigir diretamente as forças policiais de alguns estados, que já não estariam sob controle total dos governadores. A influência do bolsonarismo ficou evidente no movimento da polícia do Ceará, em 2020, que contou com a presença de milicianos e se enfrentou com o governo estadual e prefeituras.
A presença do bolsonarismo entre policiais militares é extremamente preocupante, visto que este setor realizou motins em diversas cidades da Bolívia, e foi a vanguarda do recente golpe naquele país, no qual morreram dezenas de apoiadores de Evo Morales e uma prefeita chegou a ser levada pelas ruas, ensanguentada, como símbolo do poder dos golpistas.
O tamanho das forças de segurança no país não é nada desprezível, e vem crescendo no governo Bolsonaro, com a lógica de guerra às drogas e genocídio do povo negro. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020 mostra 531 mil agentes das polícias militar, federal e civil em 2019, sendo 416.923 policiais militares. Há ainda 565 mil vigilantes em atuação (sem contar clandestinos). Exército, Marinha e Aeronáutica juntos reúnem 380 mil pessoas. Um universo de 1,5 milhão de agentes de segurança, sem contar ainda bombeiros e guardas municipais, estes armados em cerca de 260 municípios. Este é o tamanho da base social armada que o bolsonarismo atua e tenta conquistar e consolidar em seu projeto fascista e de ódio.
A flexibilização do armamento pode significar a ampliação do poder de fogo de grupos bolsonaristas formados por agentes de segurança, especialmente as mílicias, proporcionando o aumento da violência política. Mas também pode permitir o armamento de grupos de apoiadores fanáticos, em especial formados por homens brancos de classe média, com admiração por armas e pelas ideias negacionistas e conspiratórias. Este foi o principal setor que atendeu ao chamado de Trump no Capitólio, armados e com fantasias, e aqui, certamente encontraria apoiadores e soldados nos clubes de tiro espalhados em todas as cidades do país e nas regiões rurais.
Os decretos sobre as armas representam uma ameaça ainda maior para a juventude negra e os moradores da periferia das grandes cidades. O ascenso do bolsonarismo significou o aprofundamento do genocídio negro, com o aumento de chacinas, execuções e desaparecimentos, como os jovens de Belford Roxo (RJ). A certeza de impunidade levou a vida de centenas de crianças e jovens negros e negras, pelas mãos de agentes da polícia, em ações nas comunidades, e de grupos de extermínio e milícias. A possibilidade de constituição de arsenais ainda maiores, com armas restritas e com munição sem limite, significa mais uma mensagem para estes grupos, de que “podem matar impunemente negros, pobres, mulheres e pessoas trans.
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