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EDITORIAL

Pela suspeição de Moro e restituição dos direitos políticos de Lula

Editorial
Lula Marques

Sergio Moro

ENGLISH | For the ‘suspeição’* of Moro and the restoration of Lula’s political rights 

 

Parece cada vez mais nítido que o processo que conduziu à prisão de Lula da Silva e à supressão de seus direitos políticos, de fato, desde o início, esteve perpassado pelo signo da fraude mais condenável. Ao se observar essa falsificação, que se deu sob a regência da Lava Jato e, notadamente, de Sérgio Moro, a tese do lawfar, ou que o direito foi usado como arma política, só se confirma.

Os diálogos que, de umas semanas para cá, tomaram conta das redes sociais, não só evidenciam as falcatruas da Lava Jato, mas testemunham o quanto o alto escalão do Estado burguês é ocupado, em geral, por pessoas que, oriundas da classe média, ou diretamente de estratos das classes dominantes, destilam desprezo por aqueles que não nasceram no berço social dos quais elas procedem. Sob essa base, são capazes de ridicularizar a figura do investigado, mentir, fraudar e manipular os processos judiciais, bem como as penas daí decorrentes.

Em suma, as últimas revelações das conversas entre os procuradores lavajatistas e, em particular, os diálogos entre o procurador Deltan Dallagnol e o ex-juiz Sérgio Moro (o mentor das sentenças fraudulentas), não só descobrem as vísceras da operação, mas reafirmam a urgência de que se declare a suspeição do ex-juiz de Curitiba e se devolva os direitos políticos a Lula.

Como e por que Lula foi condenado

Os que acompanham as publicações de Esquerda Online, provavelmente, sabem o quanto somos críticos dos governos petistas e de sua política de conciliação com a direita, e reputamos a necessidade de se construir, no Brasil, uma alternativa de independência de classe. Mas, surgimos no campo político das esquerdas denunciando a operação Lava Jato, que, efetivamente, nunca teve como objetivo o combate à corrupção. As fotos de Moro com as figuras mais corruptas da direita brasileira, notadamente do PSDB, são bem conhecidas, assim como a sua fala pró-FHC, e elas revelam as inclinações políticas do ex-juiz que, em última análise, orientaram as sentenças contra Lula e, posteriormente, a nomeação do carrasco de Maringá como ministro do governo Bolsonaro.

Depois do golpe parlamentar contra a Dilma, em 2016, a burguesia e as suas representações buscaram consolidar esse passo, e assim fizeram, mediante a exclusão de Lula da Silva das eleições presidenciais de 2018 — eleições que abriram caminho para a ascensão da extrema-direita. Para que isso se concretizasse, forjaram provas, praticaram ilegalidades e usaram de uma farsa jurídico-policial. Seguramente, sem o apoio da grande mídia, que se apresenta como o jornalismo profissional, isso não teria sido possível. Havia uma coordenação das denúncias do MPF, decisões de Sérgio Moro, ações da Polícia Federal e o espetáculo midiático. Nada era por acaso.

Como se diz, uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. Partindo desse velho e triste axioma, a mídia, especialmente a Rede Globo, atribuiu a Lula, sem o endosso da prova, a pecha de o maior corrupto da República. Em meio à tormenta, Deltan chegou a se sentar com João Roberto Marinho, quando, provavelmente, acertaram a estratégia de comunicação Lava Jato-Globo. Assim, a trapaça foi sendo construída, passo a passo, até se consumar a captura do principal líder da esquerda brasileira. A prisão política de Lula da Silva tinha um objetivo imediato: impedi-lo de ser candidato à presidente. O desfecho dessa farsa é uma eleição viciada em que Jair Bolsonaro é eleito. Enquanto isso, o petista seguiu na condição de preso político, até completar 580 dias na cela de uma cadeia.

Durante todo esse tempo, Esquerda Online não se furtou a fazer do seu espaço um instrumento de luta pelo Lula Livre. Agora, é preciso consolidar a vitória que se obteve por meio de sua liberdade, o que implica determinar a suspeição de Moro, anular as sentenças e devolver os direitos políticos ao líder do PT.

As novas revelações evidenciam preconceito de classe e cambalachos jurídico-políticos

A fala do procurador Januário Paludo é uma aula de discriminação de classe. Nas suas palavras, “Sem dúvida, o sítio é do Lula, porque a roupa de mulher era muito brega. Decoração horrorosa. Muitos tipos de aguardente. Vinhos de boa qualidade, mas mal conservados. Achei o sítio deprimente….”.

Além de o vazio de “prova”, o caráter de classe de todo o processo não é um acidente de percurso. As pessoas que ocupam os cargos-chave no sistema de justiça brasileiro, com efeito, investigam e julgam à luz de sua origem social e racial, de seu modo de vida e de suas inclinações ideológicas; mas, no caso da operação Lava Jato, há de se ressaltar as exigências políticas dos grandes grupos capitalistas e das castas do Congresso, Forças Armadas, grande mídia e Judiciário que, com certeza, desempenharam papel central na operação criminosa comandada desde Curitiba. Retirar o Lula do caminho era uma demanda poderosa.

As constantes referências aos nove dedos do ex-metalúrgico — “o 9 está cada vez mais fragilizado”, “é a pá de cal no 9”, escreve Deltan Dallagnol —, demonstram que o preconceito social é uma característica concreta de agentes públicos, em grande parte, de proveniência burguesa. Aliás, as ideologias que discriminam negros, pobres, mulheres, camponeses e operários são partes inseparáveis de uma tradição que acompanha mais de 500 anos de história, desde o começo da colonização das terras e da escravização de índios e negros.

Inclinações ideológicas reacionárias aparecem de modo recorrente nos diálogos dos procuradores e do ex-juiz. Tão importante quanto examiná-las, é observar como cada movimento era pensado no sentido de aniquilar politicamente o inimigo, que embora defendesse um programa de reformas reconhecidamente moderadas, havia se tornado um empecilho aos planos da burguesia de retomar o controle direto do leme da embarcação eradicalizar o programa de destruição dos direitos sociais.

Decorrem disso, os cambalachos políticos, primro para evitar que Lula se tornasse ministro da Dilma, depois a produção de provas falsas com vistas a incriminá-lo, através da oficina das delações premiadas (OAS, Palocci etc.) e, por fim, o encarceramento e anulação de seus direitos políticos, impedindo que ele concorresse à cadeira presidencial.

Por isso, para o Sr. Deltan, “a questão jurídica é filigrana dentro do contexto maior que é o político”. As suas palavras confirmam o lawfar e deixam límpido que a força-tarefa da Lava Jato estava a serviço de uma luta política para afastar o PT do poder, prender o Lula e abrir as portas para que a economia política ultra-neoliberal fosse aplicada além de qualquer limite anteriormente admitido, e, acima de tudo, por um governo de direita.

As tratativas entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, todo o tempo, estiveram permeadas de estratégias cavilosas com o intuito de confinar o  principal líder de esquerda em uma cela e alterar os rumos da política no país. E, para alcançar essas metas prioritárias, contaram com os préstimos de autoridades de países imperialistas, em particular, dos Estados Unidos, demonstrando que a Lava Jato, dentro do Brasil, se tornou um braço de interesses internacionais muito fortes. “A diligência merece um contato direto com as autoridades dos US”, diz Moro em um dos diálogos com Deltan Dallagnol.

Mas, deixando de lado questões que, aqui, não são passíveis de um tratamento aprofundado, o fato é que as irregularidades e arbitrariedades se desnudam nas conversas do Telegram, reveladas primeiro pelo The Intercept e, por fim, nas mensagens reunidas pela Operação Spoofing, da Polícia Federal. No bate-papo, o Sr. Deltan chega a cogitar a intimação de uma possível testemunha com base “em notícia apócrifa”, portanto, espúria e inautêntica, deixando transparecer que ele dispunha de salvo-conduto para rasgar as regras processuais e praticar todo e qualquer tipo de abuso.

Quando o procurador Januário Paludo afirma que “se necessário vamos usar a tática dos EUA na segunda guerra para forçar a capitulação do Japão”, ele desvenda o propósito da força-tarefa, que era a de usar armas de destruição em massa contra Lula e o PT. Se a a Lava Jato foi o anteparo de Moro, conforme palavras da procuradora Isabel Grobba, o ex-juiz atuou como capo de uma organização que usou e abusou de grampos clandestinos, fez interceptação telefônica até da presidente da República, manipulou as práticas judiciárias e fomentou a figura dos “jornalistas abutres”, que, segundo um dos procuradores, deveriam apenas “fazer o papel deles”, isto é, mentir para o país inteiro.

Não há saída justa a não ser a de restituir os direitos políticos ao Lula

Não estamos a discutir o que achamos do programa e da estratégia petistas. Muito menos, estamos a debater táticas eleitorais para 2022, até por que o centro da tática que defendemos não passa por um feliz 2022, mas pelo Fora Bolsonaro, já.

As nossas diferenças políticas e programáticas não se apagam, mas, agora, o principal da discussão é a devolução do que foi roubado de Luís Inácio Lula da Silva: os seus direitos políticos. Direitos que foram devorados por uma operação de delinquentes chamada Lava Jato, que riscou do mapa o devido processo legal, sob o beneplácito da mídia, do Congresso, do STF e das “forças do mercado”.

O rastro deixado pela força-tarefa de Curitiba escancara a parcialidade do Sr. Sérgio Moro e de sua equipe de procuradores, ressalta o caráter político da Polícia Federal, e, finalmente, desmonta a tese de uma operação criminal anticorrupção, uma vez que a Lava Jato se revelou uma operação criminosa e profundamente corrompida.

Se alguém tem autoridade política para julgar os governos petistas de colaboração de classes, não é a burguesia ou esse judiciário e os seus ritos processuais apodrecidos, mas as massas trabalhadoras, diante das quais Lula deve se submeter, o que só é possível com o julgamento da parcialidade de Sérgio Moro, a anulação das sentenças e à restituição plena dos direitos políticos ao ex-líder sindical.