O ano de 2020 ficou conhecido como o ano do boom das candidaturas de pessoas trans nas eleições municipais: além permitir o uso do nome social no pleito, o Brasil registrou o triplo de candidaturas trans em relação às eleições de 4 anos atrás. Carolina Iara (PSOL) foi a primeira travesti intersexo eleita em nosso país, Benny Briolly (PSOL) foi a mulher mais votada para vereança em Niterói, Érika Hilton (PSOL), eleita vereadora em São Paulo, foi a mulher mais votada no Brasil, Linda Brasil (PSOL) foi a vereadora mais votada em Aracaju e Duda Salabert (PDT) foi a vereadora mais votada da história de Belo Horizonte.
Sem sombra de dúvidas, isso reflete a luta das pessoas trans nos últimos anos contra a violência, por visibilidade e por direitos. E também reflete um importante acerto politico do movimento LGBTQIA+, em particular das pessoas trans, de ser oposição ao Bolsonaro. A vitória eleitoral das mulheres trans, bem como das mulheres negras e LGBTQIA+ em 2020, são uma vitória da luta contra as opressões e uma derrota do bolsonarismo.
Uma realidade de violência transfóbica e perseguição política
Vivemos no país que mais mata travestis e transsexuais no mundo, mortes em geral caracterizadas pelo ódio e pela violência extremos. Dentre os dados levantados pelo Dossiê: Assassinatos e violência contra travestis e transexuais no brasil em 2018, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), 8 em cada 10 crimes contra pessoas trans foram caracterizados por sua crueldade bárbara (uso excessivo de violência, afogamentos, esquartejamentos), a exemplo do caso recente, em Campinas, no qual a travesti Quelly teve seu coração arrancado.
Nosso país, infelizmente, também tem um grave histórico de violência política: de Chico Mendes a Marielle Franco, passando pelo grande número de assassinatos de lideranças de movimentos sociais, em especial no campo. É triste, mas não surpreende que esse fenômeno de lideranças políticas transexuais seja respondido com gravíssimas ameaças.
No Brasil de Bolsonaro, da cruzada contra uma suposta ideologia de gênero e no qual o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos fornece apoio velado (às vezes não tão velado) à violência física e simbólica contra pessoas trans, seguidamente às eleições de 2020 tivemos uma série de ameaças de morte contra as parlamentares eleitas. As ameaças foram direcionadas a parlamentares negras e/ou trans: Ana Lúcia Martins (Joinville), Carol Dartora (Curitiba), Duda Salabert (Belo Horizonte), Benny Briolly (Niterói), etc. Isso reflete o ódio da extrema direita contra a ocupação da política por pessoas oprimidas e comprometidas com pautas progressistas.
Esse ódio e essa violência política se expressaram na madrugada do dia 27/01, quando, antes mesmo de completar-se um mês de seu mandato, a co-vereadora Carolina Iara da Bancada Feminista do PSOL teve sua casa alvejada por dois tiros. Carolina é uma travesti, negra, intersexo, vive com HIV e é militante socialista do PSOL. Outra parlamentar negra e trans da capital paulista, Erika Hilton (PSOL), registrou boletim de ocorrência na mesma semana, devido a ataques que vem sofrendo dentro da Câmara de São Paulo.
Unidade em defesa das vidas trans e contra a perseguição política: fora Bolsonaro
Em primeiro lugar é preciso salientar o papel que cumpre o governo Bolsonaro desde que foi eleito, de legitimar todo tipo de violência contra as LGBTQIA+, em especial as pessoas trans. Além da legitimação do discurso transfóbico e a utilização do aparato ministerial para a promoção de ideias fundamentalistas e conservadoras, esse governo se assenta sobre uma base social mobilizada a partir desse discurso e com disposição de promover esse tipo de violência, é o chamado neofascismo, que tem as LGBTQIA+ com algumas das principais inimigas. São esses setores de extrema direita que hoje perseguem, ameaçam e cometem atentados contra parlamentares trans eleitas.
Em um país já marcado pela violência, os efeitos da política do governo são devastadores. De acordo com release da Antra, foram registrados 175 assassinatos de mulheres trans e travestis em 2020, o maior número desde que esse tipo de levantamento começou a ser feito. Isso para não falar da forma brutal pela qual a pandemia de Covid-19, agravada pela política negacionista do governo, atingiu as pessoas trans, já que boa parte tem a prostituição como única fonte de renda.
Se por um lado a nítida (e quase inevitável) posição de enfrentamento político e ideológico ao governo Bolsonaro foi determinante para a vitória política e crescimento da presença de pessoas trans nas câmaras municipais nessas eleições, enfrentar esse governo é uma questão de vida ou morte para as travestis e transsexuais no Brasil. Bem como a existência de parlamentares que personificam um dos principais pontos de enfrentamento com a extrema direita neofascista e levantam um programa de defesa dos direitos sociais representam uma grande ameaça aos setores reacionários.
Nesse cenário de recrudescimento da violência política e perseguição aos ativistas dos movimentos sociais, seja via repressão estatal ou via ação de grupos organizados de extrema direita, não é surpresa que nossas parlamentares trans e negras sejam alvos prioritários. É preciso ampla unidade e solidariedade do conjunto da classe trabalhadora, da juventude e de suas organizações políticas para garantir a segurança de nossas representantes políticas e evitar tragédias como as que ocorreram com Marielle Franco: nos queremos vivas! Vivas para continuar lutando contra o racismo, contra a transfobia e em defesa dos direitos dos 99% desse país.
Expressamos nossa solidariedade irrestrita para com Carolina Iara, Erika Hilton, Duda Salabert, Benny Briolly e tantas outras e, mais do que isso, demandamos investigação efetiva para descobrir os mandantes das ameaças, assédios e atentados contra elas. Demandamos políticas efetivas para garantir sua segurança!
Nesse dia da visibilidade trans devemos gritar em alto e bom som: vidas trans importam! Fora Bolsonaro!
Comentários