Roberto Robaina, dirigente do MES, publicou, recentemente, dois textos relacionados à eleição para a Presidência da Câmara Federal. No primeiro, faz uma crítica aos argumentos esgrimidos por Valério Arcary sobre o tema. No segundo, tece uma série de considerações sobre a polêmica pública que envolveu a bancada de deputados federais do PSOL na última sexta-feira (22).
Neste texto, vou me ater, fundamentalmente, a um aspecto vinculado à polêmica, a saber: a relação entre tática e estratégia para a formulação de uma política marxista.
Nos dois textos de Robaina, chama atenção o fato de que a posição tática defendida por ele — a entrada do PSOL no bloco do Rodrigo Maia e o voto em Baleia Rossi (MDB) no 1o turno — está completamente desassociada da estratégia política extra-parlamentar para derrotar o governo Bolsonaro. Em outras palavras, meios (institucionais) e fins (luta de massas fora do parlamento) encontram-se divorciados.
O argumento político principal apresentado pelo dirigente do MES é o de que a adesão ao bloco dirigido pela direita neoliberal seria importante para derrotar Arthur Lira (PP), o candidato de Bolsonaro. Porém, não é demonstrado o que se pressupõe.
Um candidato para ser eleito em 1o turno precisa de 50% + 1 dos votos. Portanto, basta não votar em Lira, para não favorecer sua vitória já na primeira volta. Não importa se o voto do deputado será em Baleia, Erundina, Frota ou em outro qualquer. Naturalmente, havendo segundo turno, pode-se votar no candidato que se oporá à candidatura apoiada por Bolsonaro.
Reconhecendo isso, Robaina sustenta a opinião de que o voto do PSOL em Baleia no 1o turno seria importante para tentar reduzir as prováveis traições que ocorrerão nas bancadas dos partidos que compõem o bloco do Rodrigo Maia — votos de deputados do DEM, PSDB, MDB e de outras siglas que iriam para Arthur Lira.
Assim, seguindo o raciocínio exposto por Robaina, de caráter exclusivamente parlamentar, caberia ao PSOL o papel de colaborar com a direita neoliberal para buscar fidelizar o voto de deputados traiçoeiros da direita. Reparem bem: o principal argumento mobilizado por Robaina para justificar a adesão à candidatura do Baleia no 1o turno é a tentativa de diminuir as defecções nas bancadas da oposição de direita. De acordo com o dirigente do MES, para ajudar criar um ambiente menos favorável a traições nos partidos da direita tradicional, o PSOL não deveria lançar uma candidatura da esquerda, abrindo mão de usar o espaço institucional propiciado pela candidatura à presidência da Câmara para defender perante o povo a abertura imediata do impeachment de Bolsonaro, a retomada do auxílio emergencial, o fim do Teto dos Gastos, a suspensão das privatizações e da Reforma Administrativa, entre outras pautas de interesse direto da classe trabalhadora.
Como a tática parlamentar de Robaina encontra-se separada da estratégia da mobilização de massas, resta o taticismo no terreno institucional, que se move em zigue-zagues contínuos. Desprovida da finalidade estratégica a ser alcançada na luta de classes, sobra a incumbência tática de ser auxiliar menor da oposição de direita, sem que haja sequer a garantia de algum sucesso na ingrata missão.
Fugindo da polêmica em questão, Robaina introduz, de contrabando, o argumento de que o debate estratégico que realmente importa está no perigo do PSOL aderir à candidatura do PT no 1o turno das eleições presidenciais de 2022 (!). Não se sabe quem seja favorável a essa posição no partido. Considero correto e necessário que o PSOL lance candidatura própria do no 1o turno nas próximas eleições presidenciais. Mais do que isso, opino que é muito importante que o partido defenda agora e nas eleições de 2022 um programa com medidas anticapitalistas que decorrem das lições dos trezes anos de governos de colaboração de classes do PT.
No seu segundo texto, além de se colocar ao lado dos deputados do MES na polêmica pública com Erundina no Twitter, Roberto Robaina defende que o PSOL, que decidiu por maioria lançar a candidatura própria, deveria entrar no bloco do Rodrigo Maia para supostamente assegurar postos de comando na Câmara aos partidos desta frente partidária ampla, evitando assim que aliados de Bolsonaro ganhem mais força na estrutura de poder do parlamento.
Robaina argumenta que o partido poderia manter a candidatura de Erundina mesmo entrando no bloco do Baleia. Sim, isso é verdade, assim como é verdade que essa opção tática inevitavelmente enfraqueceria a candidata do PSOL na disputa política em curso. Afinal, eleitores, filiados e simpatizantes do partido perguntariam: se vocês estão na frente ampla do Baleia, por que cargas d’água não votam nele logo no 1o turno?
Outra vez, a tática parlamentar desconectada da estratégia extra-parlamentar resulta em um ganho mínimo, incerto e duvidoso. Entrando no bloco do Maia — e enfraquecendo, por consequência, a candidatura de Erundina —, talvez (!) os dez votos do PSOL assegurem postos de direção na Câmara para aliados do Baleia (!).
Importa rememorar que o bloco do Maia não defende o impeachment de Bolsonaro, mas apoia o aprofundamento da agenda Guedes que massacra o povo trabalhador. Essa frente ampla hegemonizada pela direita liberal sequer se diz de oposição ao governo federal.
Vale sublinhar que o PSOL já assumiu o compromisso de votar no candidato que concorrerá contra Arthur Lira no 2o turno. Erundina está utilizando sua candidatura oficial à presidência para dar visibilidade à luta pelo Fora Bolsonaro, fortalecendo o movimento popular fora de um parlamento totalmente dominado pela direita tradicional e o “centrão”. Robaina deveria saber que a chave para derrubar Bolsonaro, seja quem seja o presidente da Câmara, está na mobilização de massas, e não dentro da Baleia.
Se, por um lado, o MES confere centralidade à tática da unidade de ação com a oposição neoliberal, girando à direita no momento em que as condições políticas pioram para o governo Bolsonaro, de modo que a correlação de forças no Congresso (demasiadamente desfavorável à esquerda) já não corresponde a da verificada na sociedade. Por outro lado, a corrente a que pertence Robaina é bastante crítica da construção da Frente Única da esquerda, dos movimentos sociais e sindicais, ou seja, da tentativa de conformar um bloco social e político independente da classe trabalhadora e dos oprimidos que busque liderar a oposição a Bolsonaro, não deixando ao DEM, o PSDB e MDB essa tarefa. Tanto é assim que não se vê qualquer engajamento do MES na construção da Frente Povo Sem Medo ou de outro espaço de Frente Única dos trabalhadores.
Tática e estratégia para derrubar Bolsonaro pela esquerda
O centro da tática, na opinião da Resistência/PSOL, deve ser a luta para se criar as condições para a derrubada de Bolsonaro nos próximos meses. Para isso, é chave o aumento do desgaste do governo na população de conjunto e, sobretudo, a mobilização das massas trabalhadoras e oprimidas, da forma que for possível, com se demonstrou no sábado (23) com as carreatas por todo país.
Nossa aposta tática principal para isso é a construção da Frente Única da esquerda, dos movimentos sociais e sindicais. Isto é assim pois a possibilidade de mobilização da classe trabalhadora e oprimida passa — além da reivindicação do impeachment e das liberdades democráticas — pela defesa dos seus interesses materiais imediatos, como a proteção da vida, auxílio emergencial, emprego, direitos sociais, serviços públicos etc.
Essa pauta não será defendida pela oposição de direita, mesmo aquela que começa a defender o impeachment, como o MBL, Vem Pra Rua, o Estadão e o Amoêdo. A direita neoliberal, ao mesmo tempo que critica Bolsonaro para se fortalecer como alternativa até 2022, quer o aprofundamento da agenda econômica neoliberal.
Sem levantar as demandas mais sentidas pelos explorados e oprimidos, será muito difícil levantar um movimento de massas; no máximo, teremos ações da classe média, dirigidas pelas direita.
Somos favoráveis à unidade de ação com a oposição burguesa em tudo que concretamente acelere a derrubada de Bolsonaro e na defesa das liberdades democráticas ameaçadas. Mas somos contra que a esquerda fique à reboque da oposição direita — que até agora não se deslocou para o impeachment e que não irá defender pautas centrais para os trabalhadores, como a retomada do auxílio emergencial, a estabilidade e geração de emprego, o fim do Teto dos Gastos e a suspensão das privatizações e da Reforma Administrativa. Ao contrário, a oposição neoliberal defende abertamente a continuidade e o aprofundamento da política econômica de destruição dos direitos sociais e trabalhistas, do serviço público e das estatais.
Nesse sentido, trata-se de um grave erro a política majoritária no PT e no PCdoB, que dividiu a bancada federal do PSOL, de entrada no bloco de Rodrigo Maia para a disputa da presidência da Câmara, sendo que sequer Baleia Rossi defenda o impeachment e se coloque como oposição declarada ao governo Bolsonaro. Para piorar, como já dito, é possível votar contra o candidato de Bolsonaro no 2o turno sem deixar de lançar uma candidatura própria da esquerda no 1o turno. Por tudo isso, foi muito acertada a posição majoritária na executiva de PSOL de lançamento da candidatura de Luiza Erundina.
A polêmica tática sobre a eleição na Câmara está vinculada a uma questão estratégica: lutamos para que classe social (e bloco político) lidere a oposição a Bolsonaro? Temos a posição de que é dever lutar para que a classe trabalhadora e oprimida e a esquerda encabecem o enfrentamento com o governo Bolsonaro. Para isso, é fundamental agitar as bandeiras que dialoguem com os interesses imediatos do povo trabalhador. A tática que prevalece no PT e PCdoB, e que divide a bancada do PSOL, vai em outro sentido estratégico, qual seja: se orienta pela linha de unidade com a oposição burguesa, assumindo um lugar político subalterno — ou seja, a esquerda aceitar a direção política da oposição de direita.
Toda unidade na ação com setores burgueses dispostos a lutar pelo impeachment e a defender liberdades democráticas é bem-vinda e muito importante. Não há problema algum, por exemplo, haver carreata unificada pelo impeachment. Mas essa unidade pontual e concreta não deve estar acima da luta pela mobilização da classe trabalhadora e oprimida em torno de suas necessidades imediatas e do embate para que a esquerda possa liderar a oposição ao governo Bolsonaro. Podemos golpear o neofascista juntos, mas marchemos separados da burguesia.
Por tudo isso, é grave erro a posição do MES e de Marcelo Freixo dentro do PSOL, cuja linha estratégica pavimenta caminho para a derrota completa da esquerda a Rodrigo Maia e ao PSDB.
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