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BRASIL

O dia ‘D’ e a hora ‘H’: paciência e ousadia para por ordem no caos e superar a agonia

Gilberto P. de Souza
Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real)

Amanhã será um lindo dia
Da mais louca alegria
Que se possa imaginar

Amanhã, redobrada a força
Pra cima que não cessa
Há de vingar

Amanhã, mais nenhum mistério
Acima do ilusório
O astro rei vai brilhar…

(Guilherme Arantes – Amanhã)

Eric Hobsbawm, eminente historiador marxista falecido em 2012, deixou uma vasta obra concentrada no estudo do desenvolvimento do capitalismo. Em seus quatro livros mais conhecidos e lidos; a trilogia sobre o século XIX, as eras – das revoluções, do capital e dos impérios – e a era dos extremos –  que trata do século XX – implicitamente discute o caráter relativo do tempo histórico.

Os três primeiros livros tratam do que ele chamou o longo século XIX – a formação e consolidação do modo de produção capitalista – que se inicia, em termos cronológicos, com a revolução em 1789 e termina com a revolução russa em 1917; é o longo século XIX. O último, a era dos extremos, trata da oposição socialismo x capitalismo materializada na guerra fria, marca definidora do breve século XX que se inicia em 1917 e termina em 1991 – fim da guerra fria com a vitória do bloco ocidental-capitalista liderado pelos EUA – caracterizando a curta duração do tempo histórico do breve século XX.

Calma, eventual leitor.

Não pretendo “derramar erudição” expondo teoria da história para não especialistas; somente quero afirmar, seguindo Hobsbawm, que o tempo da história não coincide com o tempo cronológico – a luta de classes, e os eventos dela decorrentes, podem acelerar ou “congelar” o tempo histórico – pois, como na física moderna, o tempo da história é relativo.

Em um ano, um povo pode viver experiências históricas que outros demoraram séculos para vivenciar, o contrário também é verdadeiro; a Rússia em 1917 viveu em pouco mais de nove meses um processo histórico que durou séculos no tempo cronológico, em fevereiro rompeu com o absolutismo monárquico – czarismo – com a democracia parlamentar burguesa, em outubro/novembro tivemos a revolução socialista.

Tudo isso, para afirmar o que muitos estão percebendo, 2020 não terminou!

Estamos sofrendo em 2021 dos mesmos males que sofríamos ano passado, mais o agravamento da crise social com o fim do auxílio emergencial, o agravamento da crise sanitária com a retomada da pandemia e o impasse da vacinação. Teletrabalho, redução e congelamento de salários, suspensão de contratos trabalhistas, mulheres sendo obrigadas a assumir a educação das crianças devido ao fechamento das escolas causado pela pandemia de coronavírus – uma vez que, em razão das relações de opressão vigentes neste mundo marcado pela decadência da sociedade produtora de mercadorias, os homens se eximem dessas tarefas – se tornaram parte das vidas de todas as pessoas que vivem de seu trabalho.

Aliás, o próprio trabalho também se tornou outro dilema, ou se transformou em um dilema maior ainda com a expansão da pandemia, à crescente precarização – redução de salários e direitos sociais e laborais – somou-se um desemprego monstruoso. O total de desempregados no país registrou um aumento de 3,6 milhões de trabalhadores entre maio e outubro de 2020, um aumento de 35,9% do número dos oficialmente desempregados, com 900 mil pessoas perdendo totalmente a remuneração no mesmo período, mais de 10 milhões de assalariados tiveram seus contratos de trabalho suspensos durante o ano que passou, implicando na maioria dos casos em redução salarial – são dados muito parciais, provavelmente a realidade tenha sido muito mais cruel para as pessoas do “andar de baixo”. ( IBGE- Pnad Covid19 e portal G1)

Mas, esses dados ajudam a refletir sobre o dilema e a agonia da maioria de nossa população. Pois, à crise socioeconômica e sanitária, soma-se a atitude negacionista do governo Bolsonaro que negou a gravidade da pandemia de coronavírus dizendo que era uma gripezinha combatendo todas as ações de isolamento social, depois passou a combater a obrigatoriedade da vacinação – tudo isso acompanhado de um descaso total com a aquisição de vacinas, seringas e agulhas.

Isso evidencia um paradoxo: o Brasil tem um plano de vacinação, mas não tem vacinas e seringas e ainda querem reabrir as escolas a qualquer preço, mas o tal plano de vacinação não contempla os profissionais da educação como grupo prioritário. Paradoxo este temperado com as patuscadas da estultice neofascista que impera no governo dos milicianos que ocupou o Palácio do Planalto.

Começou com o ministro das relações exteriores, que abriu os trabalhos dizendo que não existe aquecimento global, pois foi a Roma e estava fazendo frio e continuou com os vários ataques ao governo chinês comandados pelo presidente e um de seus filhinhos queridos.

China que é a principal parceira comercial do Brasil, parceira em uma das duas únicas vacinas que podem ser usadas no país – coronavac – que o presidente disse em rede social que não compraria e agora é a única vacina a disposição, com o ministério da saúde tentando confiscar a todo custo o estoque dessa vacina no Butantan-SP –  parceiro brasileiro na sua produção.

Mais grave, a China é a única fornecedora do insumo farmacêutico ativo – ifa – das duas vacinas, coronavac da Sinovac e a vacina da Astrazeneca/FIOCRUZ – que também é produzido nesse país.

O outro país que produz o ifa da vacina da FIOCRUZ é os EUA, que no governo Trump não permitia a exportação de qualquer equipamento utilizado no combate ao coronavírus; razão pela qual o governo de Bolsonaro optou pela importação do ifa da fábrica chinesa da Astrazeneca – a mesma China tão atacada pelo chefe da milícia e seus blue caps.

As vacinas importadas prontas da Índia estão com muito atraso na entrega devido a outra patuscada dos “gênios da lâmpada” da política externa bolsonarista; na OMC o representante indiano defendeu a quebra das patentes das vacinas para que pudessem ser fabricadas no mundo inteiro por vários laboratórios ao mesmo tempo – isso reduziria os custos das vacinas e evitaria gargalos nas campanhas de vacinação com a falta de imunizantes.

O Brasil ficou do lado de Donald Trump e defendeu os interesses de grandes corporações como a Pfzer, votando contra a proposta da Índia – dá para entender porque o governo de Nova Delhi não incluiu o Brasil na lista de prioridades para exportação das vacinas prontas.

Mais dois momentos para encerrar esta paródia dos trapalhões – Didi, Dedé, Mussum e Zacarias deveriam, diretamente ou através de seus herdeiros, cobrar direitos autorais.

O primeiro é: não temos nem seringa nem vacina, mas temos cloroquina.

Isso mesmo, o governo brasileiro comprou dos EUA do governo Trump muitas toneladas do remédio – o suficiente para entupir nossa população por vinte anos! – e não adquiriu seringas e agulhas e, pior ainda, não realizou nenhuma compra antecipada das vacinas que estavam sendo desenvolvidas no mundo – com exceção das duas autorizadas pela ANVISA.

O segundo momento, dos últimos que quero destacar desta ópera bufa, deve ser desmembrado em dois; o único país que efetivamente ajudou o estado do Amazonas doando oxigênio para o atendimento das vítimas da covid-19 é a Venezuela – o mesmo país que Bolsonaro no início de seu mandato ameaçou invadir a mando de Donald Trump.

A cereja do bolo fica com o momento pitonisa do miliciano mor; diante da vitória da esquerda nas eleições argentinas comandada por Alberto Fernández o capitão Jair vaticinou: as fábricas vão sair da Argentina.

A Ford saiu… do Brasil. E ainda promete concentrar sua produção regional e aumentar seus investimentos no país vizinho.

Isso seria digno de gargalhadas, não fossem as consequências funestas para a maioria da população, que graças ao governo da “família soprano” dos trópicos e seus asseclas vive um drama e uma agonia cotidianos com desemprego, subemprego, mais de 200 mil mortos por coronavírus…

Para a maioria de nossa população – os mais pobres que vivem de seu trabalho – esse é um desgoverno.

Voltando aos dilemas da pandemia; a grande massa da população de nossa banana republic sofre um conflito permanente; aderir ao isolamento social seguindo as recomendações da ciência ou sair à rua para ganhar a vida – uma vez que o auxílio emergencial acabou e o desemprego aumentou – seguindo as orientações do governo federal.

Isso ajuda a explicar a divisão do povo de nosso país – avisando aos navegantes que somos um povo com baixíssimo nível educacional e cultural – de um lado os governos estaduais e seus eruditos dizendo fique em casa e de outro o presidente e seus blue caps dizendo vá para a rua.

Com a redução de direitos e salários, perda do emprego e da renda por muita gente, mais a atitude negacionista do presidente e da extrema direita que o chefe dos milicianos representa, tudo temperado com a ignorância em que a maioria de nosso povo é condenada, vem a agonia.

Sair para a rua podendo contrair e transmitir o vírus causando mortes incluindo a própria ou ficar em casa sem emprego e sem salário podendo morrer de fome – convenhamos que são duas opções nada agradáveis.

Este é o dilema que a burguesia brasileira, o senhorio tupiniquim, impõe a esmagadora maioria de nossa população.

Não é possível o isolamento social de forma consequente sem uma política social que assegure o emprego e a renda da grande maioria de necessitados.

Mesmo quem conseguiu fazer o isolamento social sem o risco de perder o emprego e o salário já não aguenta mais; são meses, quase um ano, sem ver amigos e pessoas queridas, sem sair de casa para se divertir; não há quem aguente viver tanto tempo isolado no mundo – isso permite entender a revolta de certos setores da população contra o isolamento prolongado, mesmo na Europa onde os governos adotaram o isolamento social de forma consequente.

Em nossa república de banana essa revolta é explicada por outros dois elementos – além do apelo à ignorância do negacionismo – primeiramente, como se orgulhou o governador de São Paulo João Dória, 70% da economia do estado mais rico do país sempre esteve ativo durante na pandemia; a economia nunca parou e a maioria das pessoas continuou a trabalhar – o teletrabalho se limitou a setores da classe média e funcionários públicos.

Isso leva a uma contradição: as pessoas não podem confraternizar com meus parentes e amigos, mas devem utilizar trens, metrô e ônibus superlotados nos horários de pico, além de trabalhar.

O segundo elemento tem relação com a educação e o peso das ideias: por um lado a indigência educacional e cultural do país, o que permite as fake news e o negacionismo – a maioria da população segue o líder em quem confia.

Doze milhões de analfabetos – ágrafos – mais um número infindável de analfabetos funcionais, com mais de 50% dos jovens em idade escolar não conseguindo concluir o ensino médio dão razão a Darcy Ribeiro – a crise da educação no Brasil é um projeto de Estado.

Mais cedo ou mais tarde a conta seria apresentada, cabendo ao nosso povo pobre pagá-la.

Por outro lado, anos e anos de fundamentalismo neoliberal produziram seus invitáveis efeitos colaterais, um deles é a visão distorcida de que liberdade é algo puramente individual, onde cada um tem o direito de decidir se irá ou não se vacinar, de decidir, por sua conta e risco, se ficará ou não em isolamento social ou usará máscara –  o próprio presidente constantemente “indo para a galera” em aglomerações sem proteção serve como exemplo.

Não se trata de justificar as aglomerações e as atitudes irresponsáveis daqueles que saem às ruas sem proteção, trata-se de entender o que acontece com a grande massa de empobrecidos de nosso país – mauricinhos e patricinhas de classe média que não respeitam o isolamento social e não usam proteção não merecem complacência.

Em meio ao caos e agonia surge a possibilidade de reabertura total das escolas em São Paulo – estado e município – podendo submeter professores e funcionários a um risco muito maior de contágio pelo coronavírus.

Um movimento liderado por senhoras da elite paulistana foi à justiça exigir do governo estadual e da prefeitura da capital a reabertura total das escolas em 2021, alegando perdas irreparáveis na aprendizagem das crianças – principalmente das escolas públicas – e adoecimento mental das mesmas.

É bom lembrar que as líderes desse lobby são mães de alunos de escolas da elite local e nacional. Alunos de escolas como a Saint Paul’s School – que cobra mensalidades entre 7 e 8 mil reais – onde estudam os filhos do governador João Dória, Miguel de Cervantes, Porto Seguro, Avenues e outras – crianças que vão e voltam das escolas em transporte privado sem qualquer contato social. (Fernando Cássio, Ingrid Ribeiro, Ana Paula Corti. Escolas Abertas, o movimento ‘social’ que quer reabrir escolas públicas, revista Carta capital, 20/01/2021)

Essas representantes da elite usam as crianças e famílias das escolas públicas, com seus problemas que são reais, como “carne de canhão” para seus interesses particulares e mesquinhos; reabrir as escolas públicas para a reabertura de suas escolas privativas e realizar os delírios negacionistas dos bolsominions.

É verdade que a maioria das crianças está passando por situações de adoecimento mental e perda de aprendizagem, mas não é verdade como dizem os “especialistas” – a maioria especialista em generalidades a serviço de instituições privadas que atuam na educação – que as escolas não são locais de difusão do vírus.

É de uma ignorância ebúrnea deduzir que as escolas públicas de educação infantil e ensino fundamental são frequentadas apenas por crianças e professores, crianças das periferias das cidades costumam ir à escola levadas por adultos que causam aglomerações nos horários de entrada e saída de alunos, que adentram aos prédios escolares para deixar e buscar as crianças – só este fato justificaria o fechamento das escolas até a imunização em massa.

Em vários países europeus – onde os especialistas são ouvidos e a ciência respeitada – houve o fechamento das escolas na retomada da pandemia – como na Inglaterra, Alemanha, Holanda, França, estado de Nova York/EUA e agora Portugal.

Pode ser considerado controverso se as escolas de educação infantil e ensino fundamental são focos de disseminação do vírus; mas brincar e fazer experiências arriscando as vidas de professores e funcionários das escolas é digno de Josef Mengele – é eugenia nazista!

Começando a colocar ordem no caos, os problemas que as crianças e as famílias enfrentam são reais e graves, mas a vida humana é mais importante.

Vivemos em uma pandemia, uma experiência única para todos nós que causa sofrimento e dor a todos, o maior deles é a perda de vidas humanas.

Por isso, os professores são os primeiros a defender a reabertura das escolas – teletrabalho e isolamento social são uma tortura cotidiana – mas com segurança e imunização-vacinação em massa, a única proteção minimamente confiável contra a covid-19.

Até lá temos que seguir o conselho do mestre Paulinho da Viola, fazer como o velho marinheiro que durante o nevoeiro leva o barco devagar; organizar nossas vidas e tomar todos os cuidados de proteção, organizar rotinas diárias para evitar que o trabalho remoto se confunda com nossos momentos de ócio, manter o máximo isolamento social possível – sofrer um dia por vez ou como diz um velho e sábio camarada, viver cada dia com sua agonia.

Também, é necessário exigir do desgoverno Bolsonaro-Mourão condições dignas para o isolamento social e atenuação dos efeitos da crise econômica sobre os mais pobres, a retomada do auxílio emergencial para os trabalhadores e pequenos e médios negócios em valores próximos ou maiores que o salário mínimo – como está na proposta original do auxílio emergencial feita pela bancada federal do Psol.

Os recursos para o pagamento desse auxílio emergencial deverão vir da taxação das grandes fortunas dos 0,7% mais ricos de nossa população – que viram seus polpudos rendimentos aumentar mais de 30% na pandemia – segundo a FENAFISCO (Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores Administrativos e Fiscais das Fazendas Estaduais e Nacional) isso poderá gerar R$ 272 bilhões.

Também é necessário interromper os pagamentos dos serviços da impagável dívida pública – os bancos são os que mais estão lucrando com a crise global – o que pode gerar mais de R$ 1,6 trilhão em recursos – lembrando que os detentores de mais de 90% dessa dívida são 1158 pessoas físicas e jurídicas!

Tudo isso para garantir isolamento social com dignidade para a grande massa de nossa população e também garantir imunização em massa – vacina para todos – começando pelos grupos prioritários onde deverão estar todos os que trabalham nas escolas públicas  brasileiras para que elas possam ser reabertas com segurança.

Tudo isso passa pela capacidade de transformarmos nossa agonia em indignação e essa indignação em ação.

Precisamos acelerar o tempo da história – se 2020 não terminou, 2022 precisa começar já – sem esperar as eleições do ano que vem, é necessária uma ampla campanha com a maior unidade possível pelo impeachment do governo Bolsonaro-Mourão.

O dia “D” e a hora “H” devem ser agora, amanhã será um lindo dia, com vacina para todos e fora Bolsonaro e Mourão.