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EDITORIAL

Um mundo ameaçado pela pandemia: pela quebra das patentes das vacinas, já

Editorial 24 de janeiro
Breno Esaki / Agência Saúde

ENGLISH In a world threatened by the pandemic: break the vaccine patents now

Há pouco mais de um ano do início da pandemia de Covid-19, a situação não poderia ser mais sombria em escala mundial: quase 100 milhões de casos e mais de 2 milhões de mortes. Nenhum remédio ou tratamento eficaz foi descoberto ainda. Assim que, somente uma combinação da intensificação de medidas sanitárias e a vacinação gratuita, ampla e generalizada em escala mundial poderá impedir a continuidade dessa tragédia.

Em primeiro lugar, é necessário sublinhar o que nos ensinaram os melhores cientistas da área: não estamos perante um fenômeno natural. A pandemia é produto da diminuição drástica das fronteiras entre o mundo natural e a civilização, o que colocou em contato a humanidade com vírus a que não estava antes submetida. O que não pode nos fazer esquecer que outras pandemias poderão sobrevir, se esta situação se mantiver e aprofundar. O agronegócio, o desmatamento, a agressão à natureza são uma incubadora infernal de novas pandemias.

Uma constatação inicial é que a pandemia não é democrática. Ela ameaça a todos os seres humanos, mas de forma desigual segundo o tipo de país e a classe social, gênero e/ou origem racial a que pertençam. Ela se abateu sobre países com sistemas de saúde sucateados e privatizados. A atuação desigual dos diferentes governos, com destaque aos negacionistas como Trump e Bolsonaro, magnificaram as dimensões do sofrimento das populações.

A pandemia também colocou a descoberto a falta absoluta de coordenação entre as nações. O que rege é a competição no mercado e nesta os países mais ricos já abocanharam mais de 50% da produção de vacinas previstas para 2021, mesmo constituindo somente 14% da população mundial.

As vacinas: quando e para quantas pessoas?

Após pouco menos de um ano, surgiram as primeiras vacinas e com elas uma renovada esperança de acabar com o tormento da pandemia. No entanto, o avanço da produção e distribuição das vacinas da Sinovac, Pfizer e Astrazeneca levantaram alguns problemas sérios. A pequena escala de produção e a intensa competição no mercado que levou a que os países mais ricos açambarcassem a maioria da produção prevista para este ano estão inviabilizando essa esperança.

Indo mais a fundo, o problema central, como em todas as epidemias do passado é o fato que a produção de vacinas está entregue às companhias farmacêuticas privadas, que recebem grande financiamento estatal e depois auferem imensos lucros graças ao patenteamento do conhecimento e dos procedimentos para produzi-las. Pela falta de perspectiva de lucros, nenhuma dessas companhias pesquisou vacinas para os coronavírus, que já causaram duas epidemias anteriores, a SARS e a MERS, o que poderia ter agilizado o caminho para a produção de uma vacina para a Covid-19. Essa é uma prática comum na indústria farmacêutica, que só faz pesquisa para novos remédios ou produz novas drogas descobertas desde que o lucro esteja garantido.

Desta vez, com a ameaça global, os governos financiaram com bilhões de dólares as empresas para produzirem as vacinas. Segundo artigo publicado no New York Times, a vacina da Moderna foi desenvolvida parcialmente pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA e depois a empresa ainda recebeu do Estado norte-americano cerca de 2,5 bilhões dólares para produzi-la e como adiantamento para as doses a serem adquiridas posteriormente. A Pfizer recebeu verbas no montante de 455 milhões de dólares do governo alemão para desenvolver sua vacina e um compromisso de compra de cerca de 6 bilhões de dólares dos EUA e da União Europeia. Já a Astrazeneca se beneficiou de financiamento público no total de mais de 2 bilhões de dólares dos EUA, incluindo verba para a pesquisa e compromissos de compra dos EUA e da UE. Até mesmo esses dados estão “protegidos” pelo segredo comercial e assim, não se sabe exatamente quanto pagaram os diversos países pelas vacinas.

Além disso, essas pesquisas, que envolvem conhecimento indispensável para a vida de bilhões de seres humanos, estão reguladas por um severo sistema de patenteamento que impede que seu conteúdo seja conhecido e utilizado por outros países. O mesmo dilema que ocorreu em epidemias anteriores como a AIDS, que causou dezenas de milhões de mortes, devido ao custo proibitivo dos novos medicamentos patenteados para tratá-la.

Ainda no ano passado, a Índia e a África do Sul propuseram à OMC que houvesse uma suspensão dos chamados direitos de propriedade intelectual — formulados em 1994 após intenso lobby de companhias farmacêuticas, entre outras — para assegurar o fluxo ininterrupto de medicamentos e equipamentos médicos durante a atual pandemia. No entanto, a proposta foi recusada pelos países da União Europeia, Grã-Bretanha e Estados Unidos, além do Brasil governado por Bolsonaro. A falta de insumos básicos para produzir mais doses das vacinas aprovadas no Brasil mostra a gravidade e a extensão do problema. Não pode haver ilusão, no tabuleiro dos negócios imperialistas nossas vidas são a moeda de troca da vez. Cada empresa e/ou governo capitalista está neste momento barganhando vacinas e matérias primas em troca de novos negócios ou mais controle dos países dependentes e semicoloniais.

Para mostrar o absurdo dessa situação é bom recordar o que disse o inventor da primeira vacina para a poliomielite, Jonas Salk, quando lhe perguntaram quem detinha a patente da vacina: “creio que é o povo, pois não se patenteia o sol”. O mesmo deve valer para as vacinas da Covid-19. Para impedir a morte de milhões devemos acabar com as patentes sobre a vida.

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covid-19 / vacina