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BRASIL

Sobre reestruturação, segredos e a fuga da Ford do Brasil

Coletivo TSTs Cariri, de Juazeiro do Norte, CE
Reprodução | Bahia no ar

Começamos 2021 com mazelas, como a falta de um plano de vacinação para toda população e o anúncio, vindo de Detroit (Estados Unidos), de que a Ford optou por encerrar suas operações no Brasil. Sim, foi uma opção, pois a fábrica manterá a produção na Argentina. Essa opção da multinacional vai acrescentar, à estatística de 14 milhões de desempregados, mais 50 mil trabalhadores da cadeia produtiva das três fábricas que serão fechadas.

Contudo, uma atitude com tamanho poder de impacto foi guardada a sete chaves pela montadora. No Brasil, nem o governo, nem o sindicato, e muito menos os trabalhadores da Ford sabiam dos planos da marca em abandonar o país após 113 anos. A decisão, que veio de cima para baixo, pegou todos de surpresa. Mas a direção da Ford trapaceou, fez seus planos de reestruturação e se manteve de bico fechado. Chegou, inclusive, a indicar o inverso – que ficaria. Recentemente, orientou a rede a fazer investimentos para se adequar aos novos produtos da marca, abrindo novas lojas e/ou reformá-las, entre outros pontos.

Quando Trotsky escreveu o programa político da 4ª Internacional, em 1938, o mundo havia passado pelo crack de 1929 e estava à beira da Segunda Guerra Mundial de 1939-45, portanto, um período de crise profunda do capitalismo. Um aspecto tratado na obra é a questão do “segredo comercial” e o controle sobre a indústria.

A saída da Ford de supetão é apenas um aperitivo daquilo que as instituições capitalistas praticam sob o manto sagrado do segredo comercial, industrial e financeiro. De acordo com a legislação em vigor no Brasil, o “direito” de classificar informações como secretas pertence ao proprietário da informação, ou seja, ao capitalista. Dados sobre as rendas, os gastos e o desperdício de trabalho humano resultante da anarquia capitalista são secretos.

Essa necessidade de sigilo dos negócios dos patrões seria, portanto, plenamente justificada como mecanismo para assegurar ao investidor ter garantias para vencer a concorrência no âmbito do mercado. Nada mais falso, pois, apesar de existir tutela legal, tal política de confidencialidade serve muitos mais como uma garantia que podem trapacear livremente, e, o que há nela de fundamental, de fato, é a proteção a lei do máximo lucro.

O fato é que o “sigilo” como prática de dominação política, ou como instrumento de poder, acompanha a trajetória histórica do capitalismo. Para Trotsky, o segredo comercial é um complô do capital monopolista contra a sociedade e sua abolição seria o primeiro passo em direção ao controle da indústria.

As dezenas de milhares de famílias dos trabalhadores da Ford enganadas com as mentiras da montadora estão agora desesperadas. Durante anos os trabalhadores aceitaram reduzir direitos para manter seus empregos. Além da Ford, montadoras como Volkswagen, Toyota, GM, Renault, FiatChrysler, Audi, Mercedez, entre outras multinacionais, operam no Brasil graças a programas de subsídios que compensaram os baixos rendimentos com incentivos fiscais. Contudo, a crise do capitalismo levou o setor automotivo mundial a enfrentar uma forte contração que o força a passar por uma das maiores transformações na divisão internacional do trabalho desde a época de Henry Ford. Para continuar a operar no Brasil o grande capital global exige mais e mais reformas que favoreça o que o empresariado chama de “clima de investimentos”. Traduzindo, as grandes multinacionais querem a abertura total da economia brasileira e como isso ainda não ocorreu, a Ford não quis esperar. Contudo, ainda existirem hoje cerca de 30 fabricantes de carros, caminhões e tratores produzindo no país. Mas a crise econômica acelerada pela crise sanitária está longe do fim e essa fuga de capitais tende a se acentuar mais e mais e se alastrar por outros setores da indústria brasileira.

De fato, os trabalhadores sabiam que a fábrica enfrentava dificuldades, evidenciadas pelos sucessivos cortes e planos de demissão voluntária, mas em nenhum momento foi anunciada pela direção da companhia a ideia de encerrar as operações no país. Somente na última terça-feira (12) foi possível organizar milhares de trabalhadores para protestar contra o fechamento da Ford anunciado no dia anterior (segunda, 11) quando os trabalhadores sequer estavam no local, pois se encontravam em licença-remunerada. Eis a serventia do tão bem guardado segredo.

Para nós, socialistas, tal regime de confidencialidade das informações deve ser combatido e extinto. Por isso lutamos para desmascarar as trapaças como essa da Ford que, sem dúvidas, optou pela alternativa mais conveniente para Detroit com vistas a impedir o declínio de suas taxas de lucro. É parte do nosso programa socialista que o controle da indústria seja do conjunto da classe trabalhadora, mas a bandeira do controle operário não pode ser uma abstrata promessa de um futuro indeterminado. A luta concreta, com efeito, exige que essa palavra de ordem esteja elencada no programa com o qual as trabalhadoras e trabalhadores enfrentam a crise em curso. Uma crise que só se aprofunda. A “fuga” da Ford nos leva a pensar na urgência do projeto socialismo e, portanto, ocupações de fábricas, estatizações, controle operário e abolição do segredo comercial, continuam temas atuais.

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