O futebol, tática e estratégia

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Quem vive com medo nunca será livre
A mais temível valentia é a que a necessidade impõe
É a vontade que move montanhas
Sabedoria popular portuguesa

O Palmeiras chegou à final da Libertadores, da Copa do Brasil e está na disputa no campeonato brasileiro. Seria uma tríplice corôa. Pode ou não vencer qualquer uma dessas disputas. O futebol pode nos inspirar sobre os dilemas da tática política?

A paixão pelos esportes coletivos é um dos traços da cultura contemporânea. Dizem que os jogos coletivos são uma simulação de uma luta. A política é uma luta pelo poder.  E sabemos que a guerra é a continuação da política por outros meios.

Na luta política é preciso, também, considerar as diferentes variáveis, refletir sobre as condições da disputa antes de definir a tática. Mas, sobretudo, não esquecer que as táticas são meios ao serviço da estratégia. A estratégia é abrir o caminho para o poder.

Abrir o caminho para outro time não é uma boa tática.

No futebol nem sempre a equipe mais forte vence o jogo. Reviravoltas são comuns. Na disputa de um jogo entre dois times há que considerar muitas variáveis para definir quais serão as probabilidades de vitória, sem esquecer o papel do juiz. Na política, tampouco, prevalece a justiça, mas o estudo das variáveis que condicionam o desenlace da luta faz diferença:

(a) no futebol conta muito a capacidade física de cada jogador para enfrentar o jogo. Correr durante noventa minutos exige muito. Ninguém tem energias inesgotáveis. Há que cadenciar o ritmo em função das condições concretas do elenco disponível. O limite de noventa minutos estabelece as condições do confronto, mas noventa minutos não são iguais para times que jogam uma competição, ou duas, três, quatro em uma temporada, sessenta ou mais partidas, e aqueles que jogam a metade. Na luta social não são somente dois times na disputa, e motivar a “torcida” para entrar em campo é a questão chave, portanto, é mais complicado, mas a combatividade, tenacidade, perseverança, e resiliência das lideranças e do ativismo de esquerda pode fazer diferença, porque a questão central é a mobilização da base social;

(b) qual é a qualidade técnica média de cada time? O time tem pelo menos um craque? O desempenho em um jogo coletivo depende muito das habilidades médias da equipe, mas há especializações em função das posições ocupadas: laterais devem ter maior fôlego que zagueiros, meio-campistas devem ter maior visão de jogo que goleiros, atacantes devem ter maior domínio de bola, de drible, e explosão de chute, e o time pode ter um nível médio elevado e nenhum craque, ou nível médio inferior, mas um fora de série, e por aí vai. Na luta política prevalece, também, o trabalho de equipe, mas há, também, os especialistas: alguns são melhores agitadores, outros organizadores, escritores, educadores;

(c) Qual é o nível de disciplina tática de cada time? A capacidade de alternar táticas durante uma partida depende de um padrão de treinamento, de espírito coletivo, de lucidez estratégica, de um repertório de experiência que não se improvisa, e está condicionada pelo grau de compromisso com o modelo tático. Na luta política, em nenhuma circunstância, se deve ceder ao desespero, porque é necessário, sempre, manter a cabeça no lugar, proteger a unidade na ação, controlar o medo de derrota, segurar as linhas de defesa, acumular forças para aproveitar o contra-ataque, preservar a força de explosão para a hora decisiva e, sobretudo, aproveitar a brecha diante dos erros do adversário, porque uma oportunidade perdida pode não se repetir;

(d) qual é a capacidade de liderança do treinador? A autoridade do técnico é um dos fatores chaves, porque qualquer grupo humano que busca um objetivo comum só se mantém unido se reconhece a sua direção. O lugar do treinador é, também, uma variável importante, a despeito de ele não participar, diretamente, do jogo, já que concentra algumas decisões chaves: quem joga, em que posição, adotando uma tática defensiva ou ofensiva, substituindo jogadores, propondo mudança na ocupação de espaço, alterando a tática. Na luta política, a qualidade das lideranças, quando outras variáveis estão equilibradas pode decidir o desenlace da luta;

(e) Qual é a moral do grupo? A equipe está confiante? Prevalece um estado de espírito elevado? Os conflitos degeneraram em rancores ou as rivalidades foram neutralizadas? O time tem uma liderança dentro de campo? No futebol só entram em campo os jogadores, mas o tamanho da torcida não é secundário. Times com grandes torcidas têm mais finanças, formam equipes com melhores jogadores, têm condições de preparação superiores, investem e formam talentos especiais nas competições de base. Na luta política e social as organizações são a representação das classes em que a sociedade está dividida. Os partidos que representam os capitalistas não podem se apoiar somente nos donos da riqueza. Precisam conquistar apoio nas camadas médias e mesmo em parcelas das classes populares. Mas os partidos que representam os explorados e oprimidos dependem, essencialmente, dos trabalhadores. Só que o povo é a imensa maioria. Quando descobre a força que tem a sua mobilização e acredita na vitória é imbatível.

Todas estas e algumas outras variáveis devem ser consideradas na hora de definir a tática do jogo. Um time que entra em campo em condições de inferioridade não pode adotar uma tática ofensiva. Um time em condições de superioridade não deve adotar uma tática defensiva. Portanto, no futebol, como na luta política, é preciso se conhecer a si próprio e estudar também o adversário.

Mas há muitas táticas defensivas e ofensivas diferentes. Uma equipe esgotada, fisicamente, precisa preservar suas forças, porque não vai conseguir manter uma intensidade elevada por muito tempo. Um time, tecnicamente, inferior, precisa compensar suas limitações com muita disposição de entrega, de sacrifício atlético e disciplina tática. Há que saber a hora de manter posições, a hora de controlar a posse bola, a hora de avançar as linhas, a hora de arriscar tudo.

Não há como conquistar vitórias sem correr riscos.