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BRASIL

O sufoco de Manaus e um respiro pelo impeachment

Mateus Pinho, de São Paulo, SP
@projetemos

O colapso de Manaus é terrível. Impacta qualquer pessoa que veja essas reportagens e ainda tenha um pingo de solidariedade em seu âmago. Qualquer gota de humanidade. As pessoas sufocadas pela falta do básico hospitalar que é oxigênio. E mais: uma população que foi ludibriada por uma falsa “imunidade de rebanho”, e que, infelizmente, paga a conta das aglomerações de final de ano, inclusive com uma taxa de transmissão tão alta que até gerou uma nova variante do vírus no Amazonas. Em uma pandemia como essa não há culpa que caiba na individualização das coisas. Os responsáveis são os poderosos, que incentivaram o fim do lockdown em Manaus, tal como em Búzios. Os mesmos que agora defendem a cloroquina contra o oxigênio. Que menosprezam as vacinas. Que nos EUA defenderam contra as máscaras. Em suma, toda a extrema direita tem sangue nas mãos. Muitas mortes sob sua responsabilidade. E, infelizmente, tem também importantes parcelas da sociedade que ainda acreditam em sua política genocida.

Manaus já colapsou antes, e foi como uma projeção de futuro para o restante do país. Meses depois, estávamos com todos os estados quase sem UTIs. Portanto, meu receio é que essa situação se repita e Manaus seja só a ponta do nosso precipício. Não estou otimista mesmo: o governo joga a favor do vírus, grande parte da população acredita, as vacinas no Brasil devem demorar muito para começar a conter a disseminação – nas melhores hipóteses, daqui um ano ou mais. Até lá, é provável que já estejamos nos marcos de mais de meio milhão de mortos, uma tragédia profunda. Que poderia ter sido evitada.

Porém, nessa última semana, uma labareda esquentou: o impeachment ganhou força evidente. A direita liberal engrossou o tom, a esquerda popular fez algum barulho, tivemos recuos do Governo Federal com Manaus lhe pressionando. Claro que para o impeachment se tornar minimamente factível, falta muita coisa. Temos a eleição na Câmara. E estamos dependentes da direita liberal, que está ainda testando seus caminhos. Maia se aproximou de Dória contra Bolsonaro.

Enquanto isso, Mourão segue se apresentando como uma opção mais agradável às elites da direita liberal: a linha autoritária e ultra neoliberal sem a verborragia destemperada e desestabilizadora de Bolsonaro e sua ala “ideológica”. A esquerda e os movimentos populares estão mais de fora do jogo. Mas a história é dinâmica, especialmente quando estamos em momentos históricos tão impactantes, como quando estamos a contar mortos. Dessa forma, é possível que o campo progressista apresente alguma saída, ainda que em partes do trajeto isso acabe jogando água no moinho da direita tradicional, o que pode ser inevitável para salvar vidas nesse momento.

Mas as diferenciações serão fundamentais, e significam apenas as demandas básicas: todo o campo progressista deve defender a ciência, a vacinação em massa, com parcerias de qualquer país para isso, e com a utilização estratégica da capilaridade do SUS para aplicação das vacinas à toda população. Precisamos defender o SUS e organizar sua rede de UTIs para a real demanda nacional que a pandemia impõe, solicitando leitos privados quando necessário. Devemos defender o isolamento social com auxílio emergencial para as classes baixas. Defender testes RT-PCR em massa, gratuitos, nos bairros, para localizar os infectados e seus contatos, e isolar com mais rigidez e estratégia – diversos países asiáticos mais complexos que o Brasil venceram a pandemia com essa fórmula. Precisamos defender o investimento na saúde, a ampliação urgente da capacidade do SUS. Tudo isso só será possível com o impeachment e os processos políticos que ele pode abrir. Mourão também apresentará suas barreiras. Só podemos contar com nós mesmos.