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BRASIL

Escola pública em 2021: trincheira de resistência pelas vidas

Felipe Alencar*, de São Paulo, SP
Rovena Rosa | Agência Brasil

São Paulo – Manifestação dos estudantes secundaristas

No balanço de perdas e danos
Já tivemos muitos desenganos
Já tivemos muito que chorar
Mas agora, acho que chegou a hora
De fazer valer o dito popular
Desesperar jamais
Cutucou por baixo, o de cima cai
Desesperar jamais
Cutucou com jeito, não levanta mais
Ivan Lins

A ampliação do acesso à escola pública possui histórico de luta e resistência das classes subalternas pelo direito à educação desde o advento da República, ligada à libertação de negros e de desenvolvimento da intelectualidade do Brasil, com a instituição da escola graduada em 1890 a partir de São Paulo e se irradiou como modelo pelo país e foi transformada ao longo dos anos. Por isso, não será somente em 2021 que a escola será espaço dessa resistência, mas a situação extremamente preocupante da pandemia de Covid-19 e a deliberada posição genocida de ausência de medidas por parte do governo federal para conter os contágios e evitar mortes acentuam o caráter de luta na escola porque ela ainda é um dos últimos espaços da vida que não reabriram para sustentar as ações de distanciamento social e evitar a propagação do coronavírus.

Já tivemos muitas perdas de familiares, amigos e pessoas próximas que, somadas à expectativa pela vacina sem plano coordenado pelo Estado “sem dia D nem hora H”, falas de especialistas que indicam que será preciso manter protocolos de biossegurança, o terrível lema “a economia não pode parar”, cancelamento da renda emergencial e o aumento de pessoas na miséria, dão indícios que 2021 terá uma continuidade do que passamos em 2020, lamentavelmente.

Como educadoras e educadores temos em nossa trajetória intensas batalhas, e algumas vitórias como a inconstitucionalidade do projeto reacionário de “Escola sem partido” e a aprovação do Fundeb com custo-aluno-qualidade. Se as escolas são nosso espaço de resistência, quer dizer que elas são território em disputa contra a ideologia tecnicista e elitista.

Movimento “Escolas Abertas” é o genocídio na educação

Na segunda semana de janeiro de 2021, o secretário de educação de São Paulo Rossieli Soares da Silva publicou um vídeo para divulgar o movimento “Escolas Abertas”, com depoimentos de pessoas evidentemente da elite paulistana, pediatras, de Francisco Carbonari (presidente do Conselho Estadual de Educação) e até de pessoas das periferias para defender o retorno às aulas presenciais.

Além dessa marca elitista, o vídeo somente defende a reabertura das escolas públicas em São Paulo desconsiderando que estamos em aumento dos contágios, a necessidade de plano de vacinação, protocolos de desinfecção nas escolas, contratação de profissionais, a necessária implementação da renda básica paulistana e o próprio secretário defende a abertura fazendo uma covarde comparação da abertura das escolas com a abertura dos bares, como se fossem lugares com a mesma finalidade.

Toda pessoa interessada em educação pública de qualidade para a classe trabalhadora deve denunciar o caráter genocida desse movimento e defender que haja espaço democrático para que as comunidades das escolas discutam a ampliação de medidas de proteção das crianças, jovens e equipe de educadoras/es que estão no cotidiano das escolas públicas. Nenhum membro da elite decide por nós!

Anos de laboratório neoliberal do PSDB na educação

Se um movimento elitista e genocida desses conta com o apoio do secretário estadual de educação é por quê foi lhes concedido palco para tal. Em São Paulo, o PSDB está há 25 anos no governo do estado e pondo em ação uma série de contrarreformas que atacam o sentido público, democrático, gratuito, laico e de qualidade na escola pública.

Na rede estadual paulista já testemunhamos a reorganização do ensino, que previa fechamento de escolas, o que ocorreu no governo Covas e a sua tentativa no governo Alckmin impedida pelas ocupações de escola, a implementação de medidas de controle do trabalho pedagógico ligadas a bônus salarial, como Saresp, Idesp e as “apostilas” do São Paulo Faz Escola, mais o MMR que foca no resultado atingido em provas e testes, em detrimento de valorização do processo educativo, a desvalorização e a precariedade do trabalho docente e políticas que esvaziam o princípio constitucional de gestão democrática do ensino público.

Na rede de ensino técnico-profissional de nível médio, o Centro Paula Souza, mantêm-se a dualidade da escola, separando a escola técnica que deve preparar o trabalhador da escola dita regular o conhecimento de cultura geral, com precariedade das classes descentralizadas, docentes também em desvalorização e uma estrutura hierárquica e autoritária no qual a comunidade nem opina quem são os dirigentes da instituição.

A nível nacional a reforma do ensino médio, a BNCC, as sucessivas apostas em métodos de alfabetização já superados pelos estudos recentes da escolarização de crianças e a nomeação de reitores das universidades que não foram eleitos mas são ligados ao bolsonarismo são ações que mostram a ligação entre neoliberalismo e conservadorismo contribuindo, no final das contas, ao movimento neofascista que elegeu Bolsonaro, pois conta com forte apoio de institutos ligados à pauta reacionária, como Instituto Liberal, e a empresários que se dizem da filantropia mas que possuem elevado patrimônio e ganham isenção de impostos devido ao apoio ativo a essas “reformas” que utilizam o currículo como a salvação da precariedade das escolas, sem defender que sejam ampliados os recursos financeiros por parte do governo na educação pública.

Em São Paulo, o Instituto Ayrton Senna tem uma centralidade na implantação do Currículo Paulista, pelo acordo de cooperação com a Secretaria de Educação, para ajudar a controlar a resistência e a raiva contra a precariedade da escola pública com o uso da ideologia da passividade chamada “competências sócio emocionais”.

Desesperar, jamais! Cutucou por baixo o de cima cai!

Todos esses elementos mostram que temos que construir uma unidade entre sujeitos que defendem as vidas acima dos lucros para fortalecer nas escolas a resistência contra as ações genocidas do governo e os movimentos elitistas que o apoiam.

Temos muito a aprender com a nossa própria trajetória de luta que docentes já protagonizam há anos e reanimar com a garra de estudantes que ocuparam escolas, com os movimentos feminista, LGBTI, indígena, antirracista e de sem-teto para darmos o troco contra a desigualdade e os anos de exploração e opressão.

Em 2020, o movimento antirracista incendiou as ruas em vários países, nos Estados Unidos fizeram parte da derrota de Donald Trump e temos potencial para fazer o mesmo no Brasil, mas não podemos esperar até as eleições de 2022 pois temos urgência que seja transformada a situação do país e a escola pública deve ser o espaço para construir em conjunto com as comunidades espaços democráticos de participação ativa e confiança nas histórias de luta para virar o jogo a partir dos de baixo e pôr fim à subalternidade.

 

*Felipe Alencar é pedagogo da UFABC, da Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e da Resistência/PSOL

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