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BRASIL

Eleição do presidente da Câmara dos Deputados: uma polêmica necessária

Mauro Puerro
Divulgação/Agência Câmara de Notícias

“Meu pai sempre me dizia, meu filho tome cuidado
Quando eu penso no futuro, não esqueço o meu passado

Desilusão, desilusão
Danço eu dança você
Na dança da solidão”

Dança da solidão (Paulinho da Viola)

Ao ler alguns textos e comentários sobre a eleição do novo presidente da câmara dos deputados esta maravilhosa canção do genial Paulinho da Viola me veio à mente. Meio paradoxal, contraditório, que um assunto não necessariamente muito nobre se associasse a uma música divina e delicada, mas a vida é cheia de contradições.

Como se sabe os partidos de esquerda estão divididos sobre o tema. Qual a melhor tática? Formar um bloco com Baleia Rossi já no primeiro turno ou lançar uma candidatura própria da esquerda? A bancada do PT, por 27 a 23, votou a primeira opção. Entre os deputados e deputadas do Psol há posições divergentes. No PCdoB, aparentemente, houve mais acordo em apoiar Baleia já.

As táticas parlamentares, é verdade, não são questões de princípio; porém, também é verdade que não estão desvinculadas das táticas para o movimento, para as ruas. Elas, as táticas no parlamento, devem estar a serviço da política concreta para a luta social. Devem estar subordinadas a uma estratégia política.

Exagerar nas ilusões é um dos grandes erros da vida e também da política, pois a política é parte da vida. Aqueles e aquelas, inclusive a ótima deputada Sâmia Bonfim, atual líder da bancada, defensores de que o Psol deve apoiar Baleia Rossi desde agora levantam dois argumentos principais. Ambos são ilusões exacerbadas. E, como diz a música do mestre Paulinho, podem gerar desilusões no futuro. Vamos a eles.

O primeiro argumento é que Baleia Rossi é o candidato anti-Bolsonaro. É quem pode impedir que Bolsonaro controle a Câmara dos deputados e avance no seu projeto fascista. Óbvio que isso, perdão pelo trocadilho, é inflar Baleia: brincadeira boa para crianças. Vamos ao mundo real: Rossi, assim como Lira, votou em mais de 90% nas propostas do governo. Aliás, Rossi ganhou por uma pequena margem: 1%. Como diz a canção, “…quando penso no futuro, não esqueço meu passado…” Baleia Rossi é homem de confiança do “confiabilíssimo” Michel Temer que está “trabalhando” perante o governo para diminuir as arestas com relação à sua candidatura. Parte do núcleo do governo, inclusive, tem dúvidas se Baleia não seria melhor candidato. Qualquer leitor de jornal sabe disso. Para não haver dúvidas, ele próprio declarou na entrevista à Folha de São Paulo que é contra o “impeachment” pois preza pela estabilidade do governo. Mas não é o candidato preferencial do Bolsonaro, que apoia Lira. Essa é a verdade. Então, sem ilusões, este é o único argumento que temos para votar nele. Não é um argumento para ser desprezado, entretanto não pode ser inflado.

O segundo argumento: os 10 votos do Psol podem ser decisivos no 1º. turno e incidem sobre parlamentares de outras bancadas na tomada de posição. Outra ilusão, esta muito frágil. Dissolve-se como fumaça a qualquer análise. Até as paredes do congresso sabem que a distribuição de cargos, espaços nas comissões e outras regalias são os definidores de votos da maioria dos parlamentares. Que haverá 2º. turno é uma das poucas avaliações seguras que há no congresso, pois nenhum dos candidatos até agora tem a maioria necessária para levar no 1º. turno. Assim, num segundo turno, pode-se votar no menos pior, no mal menor, sem ilusões.

Parafraseando outra música do cancioneiro popular brasileiro, mirem-se no exemplo do movimento negro e dos antifascistas norte-americanos. As grandes mobilizações de rua foram decisivas para a derrota de Trump, mesmo que distorcidamente por via eleitoral. No primeiro turno precisamos de uma candidatura que fale para dentro do congresso sim, mas que principalmente dialogue com a população trabalhadora e oprimida desse país. Uma candidatura que levante um programa alternativo que parta da defesa de uma ampla campanha de vacinação pública, gratuita já. Que defenda a extensão imediata do auxílio emergencial e da ajuda econômica aos pequenos negócios enquanto durar a pandemia. Que se posicione categoricamente em defesa dos serviços públicos, portanto contra a reforma administrativa de Guedes/Bolsonaro. Que defenda aumento de investimentos na saúde, educação, transporte públicos. Que combata o desemprego através de um plano de obras públicas. Que defenda a taxação das grandes fortunas. Que demonstre que para salvar vidas é preciso acabar com este governo genocida e que serão necessárias amplas mobilizações para isso. Que esperar placidamente 2022 é um erro brutal. Enfim uma série de medidas que já discutimos no Psol e na esquerda, todas necessárias para enfrentar a crise e derrotar o fascismo. Assim, num futuro próximo, poderemos incidir sobre a realidade concreta e também sobre o parlamento.

Feito isso, no segundo turno, sem ilusões, é possível votar em Baleia Rossi, por ele não ser o candidato de Bolsonaro. Se neste segundo turno nossos dez votos decidirem a votação, melhor ainda. Outro caminho é apostar todas as fichas desde já em Baleia Rossi. É se iludir com algo que ele não é e nem quer ser: a figura da direita ultraliberal anti-Bolsonaro. Aquele disposto a mobilizar a população em unidade contra o fascismo, a impulsionar o impeachment. Fosse verdade, poderia ser correto apoiá-lo no primeiro turno. Mas é pura ilusão. Não saber enxergá-la é ter que, logo mais, se conformar com a desilusão, como nos diz a canção do mestre Paulinho da Viola.