Pular para o conteúdo
BRASIL

Reflexões sobre a Escola do Século 21 (2): anotações sobre o ‘modelo finlandês’ e a centralidade das políticas para redução das desigualdades sociais

Diogo Oliveira, de Niterói, RJ
Jari Sjölund/Flickr/Creative Commons

Turun normaalikoulu – Turku University Teacher Training School

A partir de matéria de Claudia Wallin (2018), publicada no portal da BBC News Brasil. Nosso argumento neste artigo (na verdade é um estudo) será sobre a centralidade das políticas para redução das desigualdades sociais como base imprescindível para que a Educação do Século 21 seja democrática, crítica, inclusiva e social-ecologicamente justa.

“Delegações de educadores internacionais vasculham o paradoxal modelo finlandês em busca da fórmula do milagre. E ouvem, dos finlandeses, a seguinte resposta: a educação pública de alta qualidade não é resultado apenas de políticas educacionais, eles dizem, mas também de políticas sociais” (WALLIN, 2018).

Começamos taxativamente. A Educação do Século 21, no Brasil, no RJ e em Niterói, passa pelo duro e inegociável enfrentamento a uma questão elementar (mas alarmante e deliberadamente ignorada pelos reformadores empresariais da educação): a maior parte dos problemas educacionais que a escola pública brasileira enfrenta tem origem fora da escola. Tem origem na “questão social” brasileira que historicamente nos assola e cujos motores, ou estruturas, são (ou deveriam ser) conhecidos: a divisão social em classes, as desigualdades sociais estruturalmente racializadas e patriarcalizadas, o subdesenvolvimento capitalista dependente.

Pasi Sahlberg, educador especialista no modelo finlandês, é taxativo: “(…) ‘A desigualdade social, a pobreza infantil e ausência de serviços básicos têm um forte impacto negativo no desempenho do sistema educacional de um país’ (…)” (In. WALLIN, 2018).

Somente políticas sociais, promovidas pelo Estado, podem enfrentar a questão social brasileira. Assim se fez na Finlândia:

“(…) ‘O Estado de bem-estar social finlandês desempenha um papel crucial para o sucesso do modelo, ao garantir a todas as crianças oportunidades e condições iguais para um aprendizado gratuito e de qualidade’, diz o educador Pasi Sahlberg, um dos idealizadores da reforma das políticas educativas da Finlândia nos anos 90 (…). ‘As sociedades igualitárias têm cidadãos com grau de instrução mais elevado, raros casos de evasão escolar, menores taxas de obesidade, melhores indicadores de saúde mental e índices mais reduzidos de ocorrência de gravidez entre adolescentes, em relação aos países nos quais a distância entre ricos e pobres é maior”, enfatiza o educador finlandês” (WALLIN, 2018).

Nos inspirando no modelo finlandês, podemos verificar:

1) A necessária supressão da estrutura dualista da educação nacional. “Como em todas as escolas finlandesas, ali o filho do empresário e o filho do operário estudam lado a lado” (WALLIN, 2018) . O que é garantido numa pluralidade de políticas públicas estruturantes, onde políticas “pesadas” de transferência de renda, em perspectiva universal (renda básica universal) tem centralidade, como vemos a seguir;

2) A excelência na infraestrutura escolar. “No amplo refeitório, refeições fartas e saudáveis são servidas diariamente aos estudantes” (WALLIN, 2018);

3) Uma estrutura de política intersetorial que efetivamente funciona e se articula à educação básica: “Serviços de atendimento médico e odontológico cuidam, gratuitamente, da saúde dos (…) alunos. (…) Os cuidados com o bem-estar da criança começam antes mesmo de ela nascer e se estendem até a idade adulta. As creches públicas são um direito garantido para todas as crianças, que também têm acesso igualitário a todo tipo de serviço básico (WALLIN, 2018);

4) Justiça redistributiva social e territorial, realizando-se em diversas políticas públicas que visam a supressão de desigualdades: “Todo o material escolar é também gratuito” (WALLIN, 2018). Reforço aqui a imperiosa necessidade de políticas universalizantes de transferência de renda: renda básica universal;

5) A centralidade do trabalho pedagógico integrado dos profissionais da educação, com equipes completas, sem constrangimentos de “falta de pessoal”: “Equipes de pedagogos e psicólogos acompanham cuidadosamente o desenvolvimento de cada criança, identificando na primeira hora problemas como a dislexia de um aluno e fornecendo apoio imediato” (WALLIN, 2018);

6) O caráter estatal e 100% gratuito da escola pública, aliado ao enfrentamento das desigualdades sociais através de políticas expressivas de transferência de renda em perspectiva universal – A burguesia deve pagar com seus lucros os direitos dos trabalhadores: “Mensalidades escolares não existem. (…) A educação em nosso país é considerada um bem público. É, portanto, protegida, na Constituição do país, como um direito humano básico. (…) As políticas educacionais cresceram ao lado das políticas sociais: a vasta rede de benefícios sociais na Finlândia é resultado da construção, a partir dos anos 70, de um generoso Estado de Bem-Estar social, financiado por uma das mais altas cargas tributárias do mundo. A taxa de imposto de renda individual no país é hoje de 51,6%, o que não impediu a Finlândia de aparecer, este ano, no topo do ranking dos países mais felizes do mundo elaborado pela ONU (WALLIN, 2018);

7) O caráter multidimensional das políticas públicas, estatais e universais, visando a superação das desigualdades sociais, subsidiando um projeto de desenvolvimento socioeconômico nacional soberano, includente, democrático e socialmente mais justo: “Pasi Sahlberg destaca ainda o impacto fundamental exercido no ensino pelo modelo de igualdade e justiça social criado gradualmente pelos finlandeses a partir do pós-guerra: saúde, educação e moradia para todos, generosas licenças-paternidade para cuidar das crianças e creches altamente subsidiadas ou até gratuitas, além de uma vasta e solidária rede universal de proteção aos cidadãos” (WALLIN, 2018);

8) A educação colocada como “centro” de um projeto de desenvolvimento socioeconômico nacional soberano, includente, democrático e socialmente mais justo, recebendo pesados e contínuos investimentos público-estatais: “Na década de 70, a nação foi convocada a mudar. Uma educação pública estelar passou a ser percebida como a base fundamental para a criação de um futuro menos medíocre: desenvolver o capital humano do país tornou-se a missão primordial do Estado finlandês” (WALLIN, 2018). Importante aqui questionarmos a abordagem da matéria, igualando uma concepção de educação integral e universalizante, à serviço de um projeto de desenvolvimento capitalista autônomo, com jargões da “teoria do capital humano”, “teoria” mundialmente conhecida por sua associação com o neoliberalismo imperialista. Continuando: “O investimento finlandês na educação também é considerado um dos motores centrais do desenvolvimento econômico e do fim da pobreza no país: cidadãos altamente capacitados alavancaram o crescimento da produção e a transformação da Finlândia em um dos principais pólos de inovação e tecnologia do mundo” (WALLIN, 2018);

9) A centralidade da valorização dos profissionais da educação e da autonomia pedagógica das escolas públicas, costumeiras “partes da receita do sucesso” que os neoliberais fingem não conhecer: “O vital passo seguinte foi uma valorização sem precedentes do professor. A Finlândia lançou programas de formação de excelência para o magistério nas universidades do país, criou notáveis condições de trabalho e ampla autonomia decisória nas escolas, pagando razoavelmente bem seus professores. E a carreira de professor tornou-se uma das preferidas entre os jovens finlandeses – à frente de profissões da Medicina, do Direito e da Arquitetura” (WALLIN, 2018);

10) Outra centralidade, a mobilização popular, a “velha conhecida” luta social, em especial da classe trabalhadora, único motor capaz de “enquadrar a burguesia”: “Nos anos 90, o país anunciou uma nova revolução do ensino. Associações de professores, políticos, pais, membros da academia e diferentes setores da sociedade foram chamados a participar da criação dos novos e revolucionários paradigmas da educação no país (…)” (WALLIN, 2018);

11) A valorização do CONJUNTO DO CONHECIMENTO HUMANO: “(…) já no fim da década de 90 a peruskoulu finlandesa tornou-se líder mundial em matemática, ciências e interpretação. (…) em todos os domínios acadêmicos, a Finlândia despontou no topo do ranking mundial” (WALLIN, 2018);

Por fim, é importante anotar uma controvérsia. A Educação Infantil de 0 a 6 anos não é 100% pública. O caráter fortemente estatal e 100% público estrutura-se a partir inicia-se, para a criança na escola, a partir dos 6 anos de idade escolar: “Quando completam 6 anos de idade, todas as crianças finlandesas têm direito à educação pré-escolar – que é inteiramente gratuita. (…) Com o acesso gratuito às universidades e instituições de ensino técnico e profissionalizante, a educação de nível superior também passou a ser uma oportunidade igual para todos: a educação na Finlândia é livre de mensalidades para todos, do pré-escolar ao PhD” (WALLIN, 2018).

*Diogo de Oliveira. Professor de Geografia da Rede Pública, Coletivo Ocupação Educadora e Campo SEPE na Luta Educadora

Marcado como:
educação