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BRASIL

Reflexões sobre a escola do século 21

Diogo Oliveira, de Niterói, RJ
Tania Rêgo/Agência Brasil

O Brasil vive uma convergência capitalista de crises: econômica, social, ambiental, racista, feminicida, entre outras. Digamos assim, uma crise “moral”, no sentido dos valores humanistas (aspectos da cultura) que se degradam em nossa sociedade. A escola pública (sim, somente a pública) pode e deve ser uma de nossas bases para enfrentar esta crise “moral”, assim como as demais crises. É nossa tarefa, da esquerda socialista, disputar os sentidos e projetos sobre a escola pública das classes populares no século 21.

A escola pública é base para o desenvolvimento civilizatório, para a formação da classe trabalhadora, para o desenvolvimento da produtividade econômico-social. A escola pública deve ser base para a promoção da justiça social ou, como prefiro caracterizar, da justiça redistributiva territorial (uma luta socialista). A escola pública é, ou deve ser, base fundamental da formação humana na era da informação, das contradições do CAPITALISMO cognitivo, da quarta revolução industrial, dos dilemas e superações (necessárias) do antropoceno. A escola pública deve ser, é nossa luta, base de formação para uma cidadania informada e digital, crítica e engajada, que lute pela democracia real (que, ao meu ver, necessita enfrentar o capitalismo para ser democracia real).

Hoje, de 92% a 97% das informações componentes do acervo de conhecimentos da humanidade está digitalizada, sendo que cerca de 90% está disponível (CASTELLS, BANET-WEISES e HLEBIK, 2017; CASTELLS, 2013). Neste contexto, a escola pública do século 21 deve se atualizar no sentido de desenvolver, com os estudantes, a dimensão formativa do tratamento das informações. Informações disponíveis não necessariamente é conhecimento. Uma questão fundamental hoje é reforçar e atualizar a formação humana também como a capacidade de manejo das informações disponíveis do acervo da humanidade, tarefa fundamental da educação e da escola que, assim, é cada vez mais central como direito social, e não o contrário. A escola sistematiza conhecimentos e produz conhecimento novo.

A educação no Brasil, como escolarização, se massificou, após muitas lutas da classe trabalhadora. Uma ressalva: não olvidemos os desafios que permanecem de luta e superação de uma desigualdade persistente: ainda se conta em milhões os excluídos da escola no Brasil. Porém, esse processo de massificação da escola pública no Brasil ainda coloca em nossas costas um desafio e fardo do tempo histórico: em que escola a classe trabalhadora conquista seu direito de escolarização/educação?

A crise educacional brasileira é a crise escancarada da desigualdade social e da pobreza, produtos de um capitalismo dependente, elitista, anti-democrático, anti-intelectual, racista, patriarcal e capacitista. Seguimos reféns de uma estrutura educacional dualista neste contexto. A luta por uma escola pública do século 21 passa por enfrentar e inverter esta estrutura. Uma dimensão fundamental da luta é: não existe “melhora” dos processos educativos sem redução (e extinção) das desigualdades. Quem faz e pratica ciência da educação (nós, educadores, dispenso “opiniões” de economistas, engenheiros, pediatras e afins) sabe: a maior parte das variáveis que afetam o rendimento dos estudantes estão FORA da escola (FREITAS, 2014; CARLO, 2010). A pobreza e a desigualdade social são as principais destas variáveis, assim como a genocida e racista “violência urbana”, a exploratória dupla jornada de trabalho que se abate sobre a nossa juventude / tripla jornada para mulheres. o genocídio e epistemicídio dos povos originários e tradicionais, e a destruição da natureza. Aqui mora o “coração” da luta educacional no século 21: é uma luta anticapitalista.

Os neoliberais costumam jogar nas costas da escola e dos educadores a tarefa milagrosa de fazer educação em contexto de desigualdade social. É uma injustiça perversa com a escola pública. É preciso eliminar as desigualdades sociais. Exigimos políticas públicas universais, transversais e integradas que se conectem ao esforço humanista e ecológico da escola pública. E tais políticas só se sustentam enfrentando os interesses dos capitalistas. Para desespero da burguesia brasileira e da classe média fascistizada, será dos lucros da burguesia que se deve tirar os recursos para enfrentar as desigualdades sociais e apoiar a escola pública. Muito por isso a luta educacional não se sustenta com conciliação inconciliável de classes.

É nossa tarefa de luta colocar a escola pública nas potencialidades do século 21, criticando o capitalismo. A juventude atual é cada vez mais digitalizada e frequenta escolas que, fardo do capitalismo brasileiro, permanecem “pesadas” e burocráticas, apesar do trabalho contra-hegemônico dos educadores. Nossa luta é por uma nova escola, que é reconstrução da velha escola que persiste, sim, como nosso direito e conquista. Como diz o ditado popular: nada de jogar a água fora junto com o bebê. Nossa luta passar por conquistar uma nova escola conectada (ampliar a conectividade é uma bandeira de luta), imersa nas potencialidades que a internet nos oferece. Porém, sigamos distantes e críticos das ingenuidades (?) maliciosas do neoliberalismo atual: internet não é panaceia, segue em vigor e, na verdade, se atualiza e se amplifica, a centralidade do papel dos educadores como construtores de conhecimento e formação junto com os estudantes. Não somos apenas mediadores, somos produtores coletivos de conhecimento.

Repito: as novas tecnologias de informação e comunicação não são panaceia. A escola pública, PRESENCIAL, densa de educadores, segue na sua centralidade. E na nova escola pública que devemos defender, nós, educadores, como nossos estudantes, nossos parceiros, podemos e devemos formar grupos de aprendizado – comunidades vivas e mutantes de aprendizado. É direito das classes populares, de cada aluno, direito humano, uma educação personalizada e autônoma, onde o estudante é sujeito ativo. O currículo da “nova escola” não é novidade para nós, educadores, que sempre lutamos: se relaciona com a vida. A “nova escola”, do século 21, é a atualização do vivo pensamento de Paulo Freire e outros educadores militantes, quase todos socialistas de alguma forma.

Diogo de Oliveira. Professor de Geografia da Rede Pública, Coletivo Ocupação Educadora e Campo SEPE na Luta Educadora.

*Estas reflexões, que se iniciam aqui, são fruto de minha participação no Seminário Internacional “Educação, Cultura, Tecnologia, A escola do século 21”, realizado em Niterói em 2019, com a participação do sociólogo Manuel Castells.

**A fotografias: (1) Escola Municipal André Urani.

Referências:

CARLO, Matthew Di. Teachers Matter, But So Do Words. 14 de Julho de 2010. Disponível em.

CASTELLS, Manuel; BANET-WEISES, Sarah; HLEBIK, Sviatlana. Another economy is possible: Culture and economy in a time of crisis. Cambridge: Polity Press, 2017.

CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: Movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

FREITAS, Luiz Carlos de. Os reformadores empresariais da educação e a disputa pelo controle do processo pedagógico na escola. In. Educação e Sociedade, v.35, n.129. Campinas: 2014, p.1085-1114. Disponível em.

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