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BRASIL

Qual é o custo-Brasil com os militares no poder?

Gibran Jordão*, do Rio de Janeiro, RJ.
Marcelo Camargo / Agência Brasil

O presidente Jair Bolsonaro dá posse ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, no Palácio do Planalto.

Segundo levantamento do TCU, em 2020 foram identificados 6.157 militares da ativa e da reserva em cargos civis no governo de Bolsonaro. Esse numero é mais que o dobro do número de militares no governo Temer, que em 2018 tinha 2.765 militares da ativa ou quadros de formação militar.

A alta cúpula do governo está também completamente militarizada. Além do presidente da República ser capitão da reserva e o seu vice ser general da reserva, os quatro ministros com gabinete no Palácio do Planalto são militares: General do Exército Walter Souza Braga Neto (Casa Civil), General da Reserva Augusto Heleno (GSI), General da Reserva do Exército Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de governo), Major da reserva da PMDF Jorge Oliveira (Secretaria Geral). Além deles, também são militares ou têm formação militar os ministros da Defesa, Saúde, Ciência e Tecnologia e Minas e Energia. E ainda, os ministros Tarcísio Gomes (Infraestrutura) e Wagner Rosário ( CGU) concluíram o curso da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), porém logo passaram em concursos para carreiras civis e deixaram o Exército.

Como podemos notar, estamos diante de um governo no qual os postos de direção mais importantes estão sob comando militar. A elaboração de políticas públicas em âmbito federal, que envolve vários temas de interesse da sociedade brasileira estão majoritariamente sob a responsabilidade de generais, coronéis, capitães… O futuro de mais de 200 milhões de brasileiros está sendo pilotado pelas análises, planos e estratégias discutidas e formuladas por uma junta de militares. Em especial, o combate à pandemia, que é hoje o elemento mais determinante para o retorno do funcionamento da economia, para a proteção da saúde pública, para a continuidade da educação da juventude, para a retomada dos empregos, da renda e tantas outras demandas coletivas… E a pasta da saúde é comandada pelo general da ativa Eduardo Pazuello.

Qual é o Custo Brasil com Pazuello a frente do Ministério da Saúde?

O general da ativa Eduardo Pazuello foi indicado por Bolsonaro como ministro da Saúde, no lugar de dois ex-ministros médicos, mas por apresentarem diferenças com Bolsonaro na condução do combate a pandemia, foram exonerados e substituídos por um processo de militarização do Ministério da Saúde. Desde então, toda a responsabilidade do combate à pandemia está sob os ombros das forças armadas, em especial do exército. Num breve balanço da atuação desse ministério, já podemos dizer que estamos diante de um retumbante fracasso, aproximamo-nos de uma tragédia histórica e, sob a sombra das fardas verde oliva, milhões de brasileiros não vão sair desse pesadelo tão cedo.

Mais de 50 países já começaram o processo de vacinação, inclusive países cujo governos são aliados de Bolsonaro – nessa semana milhões de norte-americanos foram vacinados, inclusive brasileiros que moram nos EUA. Países latino-americanos já saíram na frente do Brasil, como a Argentina. Enquanto muitos países já preparavam seus estoques e negociavam doses de vacina em julho do ano passado, o governo brasileiro menosprezou a Ciência, se concentrou em fazer propaganda contra o distanciamento social, politizou o uso da máscara, jogou desconfiança nas vacinas e, sem comprovação científica, incentivou o uso de cloroquina e ivermectina. O resultado é que estamos chegando nessa semana a 8 milhões de infectados e 200 mil mortes. Somado a isso, uma massa de 14 milhões de desempregados, e mais de 40 milhões vivendo na miserabilidade com o fim do auxílio emergencial. Hospitais lotados, profissionais da saúde exaustos e adoecimento mental se espalham pela tensão social provocada pelas consequências da pandemia e de um governo irresponsável e despreparado.

Foram os militares que, na década de 1970, criaram o Programa Nacional de Imunizações, assumido como política de estado pelos governos posteriores e que se transformou numa referência mundial. Sobre campanhas de vacinação, o Brasil e toda o seu sistema de saúde são respeitados internacionalmente, por décadas! Pazuello não entende bulhufas de saúde pública, admitiu em evento não saber o que era o SUS e, guiado pela coleira por Bolsonaro, destroçou toda a autoridade do Programa Nacional de Imunização. É absolutamente inacreditável, mas o general não conseguiu nem mesmo se organizar com antecedência para a compra de vacinas, seringas e agulhas. Não há certeza sobre prazos de início da vacinação organizada nacionalmente, estados começam a negociar e se organizar separadamente. Por esse vazio de perspectiva deixado pelo general, a classe média e setores da elite brasileira já fazem pressão para comprar vacina diretamente no mercado, passando na frente de setores prioritários e mais vulneráveis. Uma desorganização generalizada, que leva insegurança a toda população.

Muito provavelmente os vacilos de um Ministério da Saúde militarizado sob o comando de Pazuello vão atrasar a retomada econômica – segundo Bolsonaro o país já está quebrado e ele não consegue fazer nada. Veremos a média do numero de mortes crescer, uma tristeza para milhares de famílias. Vamos seguir tendo péssimas condições sanitárias para a volta às aulas, os conflitos para fechar ou abrir o comércio vão continuar, não teremos tranquilidade para fazer turismo, para ir a restaurantes, parques, teatros, cinemas. Os encontros de família serão envoltos em desconfiança e seguidos por culpa, quando se descobre um infectado entre os nossos.

Tudo isso porque estamos no final da fila para conseguir efetivar uma campanha de vacinação para toda a população. Segundo a Fiocruz, todos os laboratórios que estão certificando suas vacinas em vários países, poderão juntos produzir e distribuir aproximadamente 2 bilhões de doses esse ano. O mundo tem uma população de quase 8 bilhões, isso significa que a cobertura de pelo menos 70% da população no Brasil, com muita sorte só será possível ao final de 2021.

O que as escolas militares e os centros de formação das forças armadas estão ensinando?

Além do crescimento de escolas militares pelo país, nesta semana, o governo anunciou a criação da Escola Superior de Defesa (ESD), que funcionará em Brasília para aproximar o governo dos militares ainda mais e atuar sobre servidores de outros órgãos e civis. Sem o fechamento da Escola Superior de Guerra (ESG), no Rio de Janeiro. Há ainda a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), uma escola de ensino superior do Exército, onde quase todos os quadros de maior importância que estão hoje no governo foram formados. Inclusive o presidente da República. Só por esse motivo, já seria curioso saber o que se ensina nessas instituições, estão formando quadros gestores com qualidade? Discute-se projeto de país e concepção de mundo? É normal a relação com milícias? Tolera-se nessa instituição agressões a comunidade LGBT? Discute-se direitos humanos, movimentos por direitos civis, direitos democráticos? O que se aprende sobre a relação com as mulheres? O que há na grade curricular sobre o tema da violência urbana? Há estudos sobre a diversidade racial e cultural?

Pela situação que se encontra o país hoje, sob o comando militar, é curioso entender como se deu e como está sendo a formação militar atualmente, que pessoas estão sendo formadas, quem são os seus professores? Gente que tem Bolsonaro como referência? Por que boa parte dos quadros de formação militar expressam o tempo todo estupidez, fanatismo religioso, negacionismo científico, tolerância com as milícias, autoritarismo, cinismo machista, indiferença com os mais pobres e o desconhecimento do que é o nosso país? Por que o vice-presidente é capaz de dizer que não há racismo no Brasil?

Esse país já está bastante desfigurado, já há muito sofrimento para o povo trabalhador e estamos entrando uma zona sem controle da pandemia, cujas consequências são incalculáveis. A sociedade precisa começar a refletir sobre os fartos investimentos públicos aplicados na formação dos militares, questionar os imensos recursos ofertados para custear os altos salários da cúpula militar (que inclusive se deu bem na reforma da Previdência) e dar mais valor aos impostos consumidos com os jetons e gratificações que os ministros militares ganham. A formação dos militares e a estrutura militar geram um imenso Custo Brasil que não nos autoriza dizer que está havendo um retorno em benefícios para a sociedade. Pelo contrário, viver no Brasil hoje, para milhões de pessoas é um tormento, e esse descontentamento e percepção da responsabilidade do governo federal começa a se ampliar, consequentemente poderá se ampliar também a cobrança do papel das forças armadas no país. Além do fim do mito da incorruptibilidade dos militares, que desabou junto com o episódio dos quilos de cocaína transportados no avião presidencial.

Até quando o povão vai continuar pagando as mordomias dos militares incompetentes?

O crescimento de uma segunda onda da pandemia e o fim do auxilio emergencial num país onde a classe trabalhadora está bastante castigada pelos ataques da burguesia, pode gerar um cenário de tensão social propício para grandes lutas nesse ano. Caso isso se desenvolva no país e ganhe dimensões significativas, que papel vai cumprir esse governo recheado de militares? A violência muito provavelmente será o modus operandi, e não seria bom pagarmos pra ver, é bom organizar para nos defendermos.

Além de mobilizações exigindo vacinação que já acontecem nas redes e poderá ganhar as ruas em formatos diferenciados, o funcionalismo se prepara para defender os serviços públicos e seus poucos direitos e os trabalhadores das estatais estão em alerta, pois o governo quer vender o que resta do patrimônio público esse ano. Há mau humor entre os trabalhadores de aplicativos e operadores de telemarketing, que deram a vida trabalhando nessa pandemia; os caminhoneiros estão com um calendário marcado de mobilizações. E estamos chegando próximos ao mês de março, que promete grandes lutas do movimento feminista no Brasil impulsionadas pelas vitórias recentes na Argentina.

Seja como for, é preciso unidade e disposição para impulsionar todas essas lutas com o objetivo de interromper o governo Bolsonaro ainda esse ano. Quanto mais tempo ficarem no poder se envolvendo com mamatas e privilégios, mais vão querer subverter a ordem democrática para permanecerem no poder. O país está sob o desastrado comando de militares que foram formados com dinheiro publico para oferecer um pesadelo social para milhões de brasileiros, num país recordista em pagamentos de impostos, e isso é inaceitável!

*Integrante da Coordenação Nacional da Travessia Coletivo Sindical e Popular.