1. Precisamos refletir sobre a militância e nossa atuação nas redes sociais. As redes sociais tiveram uma expansão meteórica, colossal, assombrosa. É impossível desconsiderar a importância da militância no Twitter, Facebook, Instagram, e Whatsapp. É tão grande que assistimos ao deslocamento do papel que tinham as mídias comerciais, em especial as TV’s. Esta transformação teve impacto na esquerda. Até dez anos atrás as organizações políticas eram as principais protagonistas do debate publico, e eram representadas pelas suas figuras públicas: parlamentares, dirigentes sindicais, porta-vozes. Ainda é, parcialmente, assim, mas algo mudou com a explosão das redes sociais. A militância em voo solo decolou.
2. Surgiu a figura da liderança midiática. Individualidades que têm uma audiência monumental. A crise da esquerda brasileira, em função da acumulação de derrotas, desautorizou, também, as organizações, umas mais, outras menos. Algumas personalidades cumprem um papel admirável: divulgam as lutas dos trabalhadores, dialogam com a juventude e se dedicam à educação feminista, antirracista, anti-homofóbica e socialista; têm compromissos, e entregam imensa energia; se expõem a grandes riscos; e, tão importante quanto, se apresentam ao serviço de campanhas e organizações revolucionárias. O exemplo é a pedagogia mais eficaz, quando uma maioria o ativismo da nova geração resiste a qualquer forma de organização. Mas outros exploram as vantagens de visibilidade em voo solo. Estas vantagens existem. Nossos inimigos de classe não são distraídos. Estar na condição de independente pode alimentar a ilusão de estar mais livre, mas só significa estar sozinho. Sozinhos não avançamos.
3. A militância individual nas redes ou nas lutas nunca poderá substituir o papel dos coletivos militantes. Organizações políticas não são uma burocracia, mas uma ferramenta de luta. Sem instrumentos coletivos de auto-organização na luta pelo poder os trabalhadores, a juventude e os oprimidos estarão sempre em condições de inferioridade diante da classe dominante. Não há como sequer imaginar a transformação do mundo sem a derrota do capitalismo. E se alguma lição foi escrita com sangue ao longo dos últimos cento e cinquenta anos é que a luta socialista exige uma estratégia revolucionária. Uma corrente política é um organizador coletivo que considera as flutuações das conjunturas, pensa as táticas, toma a iniciativa das lutas, fixa objetivos, lança palavras de ordem, alimenta campanhas, reflete sobre se é hora de recuar, manter posições ou avançar e, sobretudo, defende um programa. Uma organização política é um coletivo que recolhe as lições dos combates que ficaram para trás, em balanços que devem ser pacientes, calmos e rigorosos.
4. Um dos pilares dessa estratégia é a construção de organizações marxista-revolucionária. A experiência histórica confirma que existe sempre o perigo real de burocratização de qualquer organização. Mas as críticas à forma-partido esquecem que os movimentos sociais, as ONG’s ou os sindicatos não estão imunes, tampouco, ao funcionamento autoritário, abuso de poder, degeneração burocrática, ou corrupção de lideranças. A força do dinheiro não pode ser nunca subestimada. Mas há outros perigos, além da cobiça material. A manipulação da vaidade humana é um perigo, igualmente, destrutivo. Nesta etapa aberta pela força avassaladora das redes sociais, a busca de popularidade rápida, notoriedade instantânea, prestígio, fama, renome ou celebridade se transformou numa armadilha de cooptação na esquerda. O infantilismo não absolve ninguém. A força da imagem é poderosa. A tentação é grande. E não é difícil esquecer que a relação entre meios e fins é indivisível, quando se atua sozinho por conta própria.
5. As correntes políticas de esquerda não estão blindadas para o perigo burocrático. Estão sempre expostas. Mas não é verdade que lideranças individuais são mais confiáveis que coletivos ou tendências. Organizações são imperfeitas, por variados fatores. A principal é que dentro delas as condições são desiguais. Mas não é a forma-partido de organização, ou o regime interno de centralismo-democrático que cria uma burocracia. As desigualdades dentro de nossos coletivos repousam nas desigualdades que se perpetuam na sociedade, a começar pela origem de classe. Mas mesmo entre os que nasceram em famílias de trabalhadores alguns militantes têm jornadas de trabalho mais longas, mais estafantes e mais brutalizadoras do que outros. Alguns puderam contar com um apoio familiar maior do que outros, ganharam alguma herança, recebem salários mais altos, têm mais dias de férias. Alguns tiveram a oportunidade de uma instrução maior e melhor, puderam fazer viagens, ou têm melhor saúde. As mulheres, negros, ou indígenas, ou LGBT’s sofrem a opressão machista, racista e homofóbica. Além disso, os militantes são pessoas diferentes. Têm capacidades e limitações variadas. Essas diversidades não são anuladas e um dia para outro em um coletivo de revolucionários que se unem em torno de um programa. O que define se uma organização é saudável é se, apesar de todas estas dessemelhanças, disparidades e heterogeneidades todos têm direitos e deveres iguais.
6. As pessoas com capacidades formidáveis devem merecer o nosso respeito. Mas não podem substituir o lugar das organizações coletivas. O movimento socialista é inspirado pela lealdade de classe. Queremos controlar nosso movimento. Viemos de longe. Queremos que todos se sintam, igualmente, responsáveis diante do coletivo, e isso impõe humildade, em especial, dos porta-vozes. Quem se organiza, voluntariamente, e assume um lugar público, seja um mandato sindical ou parlamentar, o papel de influenciador ou divulgador, se tem uma relação séria com a esquerda, deve saber que não deve falar o que quer, qualquer capricho. Isso não é sério. Tem responsabilidades, e sabe que será cobrado pelo que diz e pelo que faz em todos os lugares, nos meios de comunicação, e nas redes sociais. Trata-se de um acordo ou compromisso democrático com a organização como coletivo. Porque o que diz compromete a todos.
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