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OPRESSÕES

Carta do Esporte Clube Bahia: “Agir estruturalmente e aprofundar o debate racial”

O Esporte Clube Bahia divulgou na véspera de Natal uma carta à sociedade intitulada “Agir estruturalmente e aprofundar o debate racial”. Em seu conteúdo, a carta aborda os acontecimentos do último jogo Flamengo e Bahia. Mas acima de tudo, a carta é um manifesto sobre o racismo estrutural no Brasil, a necessidade de combatê-lo, e o papel mobilizador que o futebol pode ter no enfrentamento dessa e de outras injustiças sociais. Abaixo, segue a transcrição na íntegra desse documento histórico.

Esporte Clube Bahia

PARTE 1 – O RACISMO E A SOCIEDADE

O racismo faz nosso país sangrar. Pela morte, pela dor, pelas portas fechadas, pela discriminação no mercado de trabalho, pela violência diária de todas as formas. O racismo entra pela fresta das casas, está nas ruas, nos supermercados, nas empresas e também no futebol. Segue impregnado por todos os lados. Combater o racismo é dever de todos: das organizações, dos governos e sobretudo das pessoas que historicamente se beneficiaram de uma estrutura social e econômica sustentada na branquitude e no racismo. O racismo é um fenômeno concreto e opera para além das estatísticas de expectativa de vida, acesso à saúde e garantias dos direitos fundamentais e dignidade humana. O racismo é persistente, gritante, barulhento e, por muitas vezes, silenciosamente cruel.

PARTE 2 – O BAHIA NO DEBATE RACIAL

Há três anos, através do Núcleo de Ações Afirmativas, o Bahia se tornou referência internacional na luta antirracista. As campanhas educativas do clube viraram tema de vestibular em universidades e de redação em escolas. Além das campanhas, o Bahia foi o primeiro time de futebol no mundo a lançar um programa de imersão para debater os aspectos estruturais do racismo. O “Dedo na Ferida” capacitou 484 pessoas em 15 organizações de 3 capitais brasileiras. Funcionários, diretores, conselheiros, torcidas organizadas, profissionais de imprensa, além de empresas de fora do esporte, participaram gratuitamente. Antes disso, homenageou personalidades negras do passado e do presente em suas camisas. Na divisão de base, o Bahia possui amplo programa de desenvolvimento humano tendo o combate ao racismo como tema principal. Há apenas 33 dias, abriu programa de trainee exclusivo para pessoas autodeclaradas pretas, ao todo com 305 candidatos, em outra inovação no futebol.

PARTE 3 – ACONTECEU COM O BAHIA? QUAL O SENTIDO DISSO?

O episódio do último domingo (20), com toda a sua repercussão e simbologia, nos revela que o combate ao racismo deve ser ainda mais aprofundado no nosso clube e no Brasil. O Bahia é um reflexo de uma sociedade que carrega o racismo em suas estruturas. A questão racial não pode servir de pano de fundo para uma disputa entre clubes e torcidas rivais. O racismo não veste uma só camisa. A postura antirracista deve ser constante e não apenas quando convém ao time que torcemos. No caso do Bahia, embora já venha perseguindo a luta antirracista, seria ingênuo acreditar que estaríamos imunizados a um fenômeno tão complexo e particularmente enraizado na sociedade brasileira. Ninguém está! Ser antirracista no Bahia não é apenas uma opção da presente gestão, mas uma obrigação institucional.

PARTE 4 – O QUE FAZER?

Os laudos das perícias em língua estrangeira contratadas pelo Bahia não comprovam a injúria racial e o clube entende que, mesmo dando relevância à narrativa da vítima, não deve manter o afastamento do atleta Indio Ramírez ante a inexistência de provas e possíveis diferenças de comunicação entre interlocutores de idiomas diferentes. O papel do Bahia é de formação e transformação, sempre preservando os direitos fundamentais e a ampla defesa. O atleta deverá ser reincorporado ao elenco tão logo os profissionais da comissão técnica e psicólogos entendam adequado.

O Futebol é reflexo de uma sociedade que, quando não nega o racismo, adere a um populismo punitivista que finge resolver o problema apenas punindo o agressor. Atos de discriminação racial não são “casos isolados”.

Portanto, por entender seu papel de entidade de interesse público, o Bahia se compromete publicamente a adotar um conjunto imediato de medidas estruturais:

  1. Inclusão de cláusula anti-racista, xenofóbica e homofóbica no contrato dos atletas.
  2. Proposta de criação de protocolo antidiscriminatório para jogos de futebol no Brasil.
  3. Implantação do projeto “Dedo na Ferida” para o elenco na pré-temporada. Não haverá jogador ou jogadora que vista a camisa do Bahia sem que tenha antes a oportunidade de obter acesso a uma imersão sobre racismo estrutural.
  4. Encaminhamento junto à mesa do Conselho Deliberativo do clube para incorporação de cotas raciais nas próximas eleições.
  5. Inclusão de espaço no Museu do Bahia dedicado ao combate e debate do racismo, xenofobia, sexismo e LGBTfobia e demais formas de intolerância.
  6. Apoio ao projeto de lei que Cria o Dia Nacional Da Luta Contra o Racismo no Futebol

Adicionalmente, o Bahia seguirá acompanhando os desdobramentos que ocorrerem fora das instâncias do clube, seja na Polícia Civil ou no Superior Tribunal de Justiça Desportiva.

Além de negros, somos nordestinos e conhecemos bem o poder do preconceito e da exclusão pela xenofobia. Diante disso e das provas constituídas, caberá ao atleta Ramírez decidir pela denúncia ou não quanto ao tema – e ao Bahia apoiar a decisão.

Desde o domingo à noite o Bahia procurou uma rede de apoio formada por lideranças ligadas a movimentos sociais de enfrentamento ao racismo como o Observatório de Discriminação Racial e instituições como a Defensoria Pública e o Ministério Público do Estado, com quem está construindo um Termo de compromisso antirracista. Entendemos que nesse momento é necessário incorporar o compromisso com a implantação real e perene da agenda antirracista. Desta forma, respaldo institucional e a experiência de tais atores deste processo consolida e qualifica as nossas decisões.

Muitas das ações propostas neste documento, dentre outras, estarão sendo instrumentalizadas, nos próximos dias em convênios, parcerias e termos de compromissos com a agenda de enfrentamento ao racismo. As decisões e propostas durante esse processo tiveram a colaboração dos voluntários do nosso Núcleo de Ações Afirmativas, professores e ativistas atuantes no debate racial nas universidades e nos movimentos sociais.

O Bahia segue como um clube atento ao seu papel de transformação e bem-estar social. O futebol não é um fim em si mesmo. É um agente que deve promover união, preservação do patrimônio cultural, lutas por igualdade e diversidade dentro e fora das quatro linhas.

Esporte Clube Bahia.