Notas sobre as eleições 2020 em Sergipe: a hegemonia da direita, os erros e acertos da esquerda e o crescimento do PSOL
Publicado em: 23 de dezembro de 2020
Encerradas as eleições, é importante avaliar e pensar os próximos passos. Desta vez, uma eleição atípica por conta da pandemia de coronavírus, do desgoverno genocida de Bolsonaro e dos altos índices de abstenção. Esse breve texto é uma contribuição da Resistência Sergipe para refletir o processo eleitoral e o crescimento do PSOL no estado.
Diante do quadro geral da política brasileira tínhamos de dar conta de uma dupla tarefa no processo eleitoral: Enfrentar o ‘bolsonarismo’ e disputar as cidades para a maioria trabalhadora. Aproveitar as eleições para intensificar a resistência ao governo Bolsonaro e seu projeto de autoritarismo, retirada de direitos, extermínio e destruição ambiental, pois não é possível isolar o rumo das cidades do debate nacional. Ao mesmo tempo, essa denúncia precisava se combinar com a apresentação de propostas concretas, dentro de um modelo de cidade democrático, inclusivo, garantidor dos direitos sociais, do respeito ao meio ambiente e comprometido com o fim de toda opressão. Um projeto de cidade verdadeiramente construído com a maioria para a maioria.
Sergipe: PSD e Governo Belivaldo saem fortalecidos
Seguindo a tendência nacional, o quadro em Sergipe mostra um índice alto de reeleição. Foram 30 prefeitos reeleitos em todo o Estado. Politicamente, a vitória ficou sob o comando do PSD – o partido do governador Belivaldo, liderado pela família Mitidieri. O PSD venceu 20 prefeituras e 22 vice-prefeituras. Em segundo lugar vem o MDB com 9 prefeituras. Em terceiro, empatados, o PSC de André Moura e o PP de Laércio com 8 prefeituras cada. Esses quatro partidos juntos formam o bloco que venceu Aracaju, Barra dos Coqueiros, Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão, cidades que concentram praticamente metade do eleitorado sergipano.
A vitória desse bloco representa o agronegócio, destruição ambiental e das comunidades no litoral norte com a implantação da termoelétrica. Representa o desmonte e a desvalorização dos direitos sociais e dos servidores públicos. Um governo que defende a privatização e submisso aos grandes empresários do setor de serviços. De acordo com dados do Anuário Socioeconômico de Sergipe, o estaddo está com altos índices de desemprego, miserabilidade, crescimento de mortes de homens e mulheres jovens e estagnação do IDH – índice de desenvolvimento humano. Infelizmente a vitória do bloco de Belivaldo/Mitidieri/Laércio representa a continuidade da falta de uma política estratégica de desenvolvimento para o estado.
Uma das causas que podem explicar essa hegemonia, além do forte poder econômico, é a ampla composição do bloco, que vai desde setores bolsonaristas como Láercio Oliveira, passando por quadros da velha direita sergipana do DEM e PSC, por exemplo, até setores de esquerda, movimentos e partidos como PT e PCdoB.
Reeleição de Edvaldo, dificuldades da esquerda e a importância da campanha “Alexis e Carol”
Por se tratar da capital, a eleição em Aracaju tem uma maior visibilidade. É uma vitrine importante da disputa política no estado. Mesmo com as candidaturas diretamente identificadas com Bolsonaro como a delegada Danielle e Rodrigo Valadares alcançando um desempenho razoável, a reeleição de Edvaldo ocorreu com certa folga. Por que foi dessa forma? Ele afirma que a cidade tem avançado e está em boas mãos, que foi um bom prefeito durante a pandemia e vai fazer “muito mais”. Mas essa é apenas uma aparência. Uma capa que esconde os verdadeiros motivos. Em nossa opinião alguns fatores ajudam a explicar essa reeleição.
Primeiro, garantiu obras de asfaltamento em alguns bairros que garantem ao mesmo tempo empregos e melhorias pontuais. Isso foi pouco, mas no conjunto da média dos políticos em uma situação de pandemia, o sentimento que prevaleceu foi o “melhor pouco que nada”. Segundo, Edvaldo buscou não entrar no debate do governo Bolsonaro, tentando passar uma ideia de gestão técnica, sem ideologia. Isso é enganoso e deseducativo, mas pragmaticamente fisga eleitores independente do espectro político se mostrando como “gestor” e não como “político”. Terceiro, pelos limites impostos com a pandemia, cresceu a visibilidade do prefeito, pois a população teve dificuldade para se mobilizar. Em quarto lugar, foi uma campanha milionária, totalizando gastos de mais de 4 milhões. Por último, a divisão da esquerda impediu uma chapa forte de oposição.
Faria diferença sim uma chapa unitária da esquerda na escolha dos rumos de Aracaju. Uma chapa conjunta entre PSOL, PT e PSTU, por exemplo, disputaria com chances reais o segundo turno na capital. Mas, diferente de outras cidades do país não foi possível avançar na composição. Apesar dos diversos apelos, o PT optou por permanecer como parte estratégica de sustentação do governo Belivaldo. Avaliamos que é um erro político o PT se manter aliado a esse governo de direita, pois na prática, essa tática coloca uma barreira permanente para fortalecer a unidade da esquerda sergipana.
Mesmo com essas dificuldades, o PSOL teve uma campanha militante, equilibrada e propositiva. Apesar do pequeno espaço na imprensa, foi possível afirmar a defesa de um projeto de Aracaju para a maioria, com foco na participação popular. Alexis e Carol representaram uma candidatura negra e feminista que posicionou um perfil político conectado com as lutas e simbolizou a renovação de quadros políticos da esquerda sergipana. Foi, sem dúvidas, a principal campanha “Fora Bolsonaro” na cidade. A campanha majoritária do PSOL contribuiu ainda para o fortalecimento da chapa de vereadoras e vereadores, que culminou com uma grande vitória.
As votações históricas de Linda Brasil, Sonia Meire e o salto do PSOL
Para a câmara de vereadores o PSOL entrou para a história. Não apenas elegeu a primeira vereadora trans de Aracaju como também Linda Brasil foi a mais votada da cidade. Uma vitória que é resultado não apenas da trajetória militante de Linda, mas também expressa a força do movimento LGBT+ e do PSOL como um partido da diversidade. A professora Sonia Meire que também fez uma belíssima campanha foi a oitava mais votada da cidade, mas infelizmente não entrou devido a legenda, ficando como primeira suplente.
Nesse sentido, o PSOL que antes falava apenas para a militância de esquerda, hoje ocupa um espaço de visibilidade que fala para toda a sociedade. É importante registrar que não aceitaremos ataques, como já estão ocorrendo desde o fim das eleições, com mensagens transfóbicas e discriminatórias. Da mesma forma, defenderemos uma atuação exemplar no parlamento, contribuindo para que a “mandata” seja uma ferramenta coletiva da militância e um ponto de apoio para as lutas populares. Com a ocupação dos primeiros espaços na institucionalidade, o partido deve dar um salto político e organizativo no próximo período.
Uma crítica à política de alianças do PSOL em Estância e a necessidade de reconstruir o partido
Em Estância, o PSOL disputou a eleição para a prefeitura pela quarta vez com o companheiro Márcio Souza que vinha em crescimento a cada ano, com chances reais de vitória. Caso fosse eleito, teríamos a primeira prefeitura do PSOL em Sergipe. Contudo, diferentemente das outras eleições, Márcio ampliou as alianças para partidos conservadores como o PSB da família Valadares, indicando o candidato a vice, e alianças com grupos de direita como Valdevan 90 e até mesmo ‘bolsonaristas’ como Ivan Leite. Essas alianças desmoralizaram o PSOL, afastaram quadros importantes que se desfiliaram e, finalmente, o partido foi derrotado nas eleições.
Por outro lado, o PSOL elegeu dois vereadores, os companheiros Evandro da Praia e Isaias Nego Bia. Há uma grande expectativa em torno dos primeiros mandatos do partido na cidade. Por isso, devemos tirar as lições de todo o processo eleitoral e ocupar a câmara de vereadores com uma política independente das oligarquias e grupos políticos de direita. É urgente a reconstrução do partido no município sob as bases políticas estratégicas de compromisso com o socialismo.
Lutar pelo Fora Bolsonaro, unificar a esquerda e fortalecer o trabalho de base
Boa parte da imprensa e dos comentários políticos já falam em 2022. De forma ideológica, querem nos passar uma ideia que a única forma de mudança é por meio do voto e, portanto, devemos esperar até as próximas eleições. Contudo, nosso povo tem urgência! A fome, a falta de um teto, crianças sem escola, genocídio da juventude negra, redução e incerteza do auxílio emergencial, ausência de um plano nacional de vacinação, entre tantos problemas precisam ser resolvidos.
Por isso, precisamos nos organizar para a luta imediata em 2021. As eleições estão longe e cada dia que Bolsonaro passa na presidência é mais um dia de exploração e morte para o nosso povo. É momento de intensificar a campanha pelo “Fora Bolsonaro”, por meio do seu impeachment. A necessidade da luta unitária contra a extrema direita continua na ordem do dia. O movimento ‘bolsonarista’ não será derrotado apenas pela via eleitoral e precisamos da máxima unidade da esquerda e todas as forças populares numa frente única.
A luta pela derrubada de Bolsonaro se complementa com a luta contra o governo Belivaldo Chagas que também não atende os anseios do povo sergipano. Temos que intensificar o trabalho de base. Organizar o povo sergipano em cada cidade, em cada povoado, quilombo e assentamento. Com o maior protagonismo que o PSOL assume a partir dessas eleições, um dos desafios para o próximo período é enraizar o partido, construir uma alternativa política de esquerda do litoral ao sertão.
Top 5 da semana

brasil
Prisão de Bolsonaro expõe feridas abertas: choramos os nossos, não os deles
brasil
Injustamente demitido pelo Governo Bolsonaro, pude comemorar minha reintegração na semana do julgamento do Golpe
psol
Sonia Meire assume procuradoria da mulher da Câmara Municipal de Aracaju
mundo
11 de setembro de 1973: a tragédia chilena
mundo