Trabalhadores da Índia vem realizando massivas mobilizações. No último 26 de novembro uma greve geral envolveu 250 milhões de pessoas, possivelmente a maior da história humana. Agora estão se unindo aos agricultores para protestar contra a agenda neoliberal de Narendra Modi.
Abaixo reproduzimos o artigo de Hassan Jan publicado originalmente no site da Asian Marxist Review.
Tradução Rogério Freitas
Os agricultores indianos continuam com uma grande marcha em direção a capital do país, Nova Delhi, para uma greve nacional Bharat-Band contra um conjunto de projetos de lei recentemente aprovados que desregulamenta os mercados agrícolas e, muito provavelmente, num futuro próximo, aboliria o “sistema mandi” que garante aos agricultores uma política de Preço Mínimo de Apoio aos seus produtos agrícolas. Os agricultores temem que, por esta lei, ficariam à mercê das forças do mercado, ou seja, do agronegócio existente no país. Antes, eles costumavam vender seus produtos a intermediários designados pelo governo a um Preço Mínimo de Apoio fixo. Embora a lei não seja explícita sobre a abolição do “sistema mandi”, é bastante óbvio que o processo acabaria por levar ao seu desmantelamento. Eles estão exigindo que o governo revogue as leis ou lhes garanta o Preço Mínimo de Apoio para suas safras, formulando uma nova lei em consulta com todas as partes interessadas.
A principal lei que desencadeou o recente movimento de protesto é a de 2020 (promoção e facilitação), a qual permite aos agricultores vender seus produtos fora do Comitê de Mercado de Produtos Agrícolas (APMC, administrado pelo governo). Desta forma, os agricultores podem agora vender os seus produtos a qualquer pessoa, sejam fábricas de processamento, câmaras frigoríficas ou clientes individuais. Diante disso, este projeto de lei não deve ser um pomo de discórdia entre o governo e os agricultores, pois diversifica as opções de venda de produtos agrícolas e os agricultores devem se beneficiar dele.
Como é evidente, os agricultores que estão mobilizados são principalmente de Punjab, Haryana e Western Uttar Pradesh. Agricultores de outros estados não protestam. Por quê? Porque a infraestrutura de compras governamentais de produtos agrícolas é muito forte nesses estados (Punjab e Haryana) devido ao fato de que a Revolução Verde da década de 1960 começou em Punjab e uma série de subsídios governamentais foram anunciados para os agricultores aumentarem a produção agrícola. Com o passar do tempo, isso se tornou um sistema eficaz. O governo estabelece um Preço Mínimo de Apoio (MSP) antes da semeadura de 23 produtos agrícolas, principalmente arroz e trigo. As compras governamentais de produtos agrícolas em outros estados são muito baixas ou inexistentes. O Estado de Bihar revogou a lei APMC em 2006. A pesquisa de NITI Aayog, um grupo de estudos do governo da Índia, afirma que “mais de 95% dos produtores de arroz em Punjab e cerca de 70% dos agricultores em Haryana estão cobertos por operações de aquisição, enquanto em outros grandes Estados produtores de arroz como Uttar Pradesh (3,6%), Bengala Ocidental (7,3%) Odisha (20,6%) e Bihar (1,7%), um número muito pequeno de produtores de arroz se beneficia de operações de aquisição”.
Com a aprovação desse projeto de lei, os agricultores temem que, em um estágio posterior, o governo venha abolir o Preço Mínimo de Apoio e os deixe à mercê da flutuação do mercado e de grandes interesses corporativos. Geralmente, o MSP para essas safras é muito mais alto do que os preços de mercado aberto. É por isso que os agricultores têm lucro garantido para seus produtos. Mas as novas leis de desregulamentação colocariam em risco seus lucros garantidos porque, uma vez que as compras governamentais sejam abolidas ou mesmo reduzidas e os mercados privados sejam estabelecidos, isso levará imediatamente a uma queda nos preços das safras.
Os médios e grandes agricultores em Punjab e Haryana são os que mais se beneficiam das compras governamentais e do MSP, e a maior parte de suas safras, principalmente arroz e trigo, é adquirida pelo governo. Um relatório do Ministério da Agricultura da Índia aponta: “Conforme indicado pelos dados recebidos de alguns estados, os médios e grandes agricultores ocupam uma parte importante nas compras totais no estado e na parcela dos pequenos e micros agricultores, embora tenham melhorado nos últimos anos, permanece baixo.” (Política de preços para a temporada de Rabi – A temporada de mercado de 2020-21).
Portanto, os agricultores que protestam são em sua maioria bem de vida que, com razão, se sentem ameaçados pelos abutres corporativos maiores. O contrato de cultivo é a segunda espada de Dâmocles contra a qual os agricultores protestam. Mais uma vez, são as forças do mercado, ou simplesmente, as grandes corporações e outras empresas, que firmam contratos com os agricultores, que determinam os preços das safras. Certamente, os agricultores não podem antecipar um preço, mesmo perto do MSP do governo. Os empreiteiros privados definitivamente reduziriam os preços de acordo com seus interesses.
Desde o advento do governo BJP liderado por Narendra Modi, os bilionários e os magnatas dos negócios se sentem cada vez mais encorajados e suas fortunas aumentaram astronomicamente. O novo conjunto de leis agrícolas também pretende enriquecer ainda mais os aliados de Modi às custas dos agricultores de classe média. Um vídeo está circulando nas redes sociais em que um repórter da Loktantra TV (um canal do YouTube)1 furtivamente visita um armazém do grupo Adani (um dos maiores grupos agrícolas do país). Conforme o vídeo, o canteiro de obras está situado em algum lugar em Haryana, com sua própria ferrovia privada. O depósito é destinado às safras agrícolas. Isso mostra claramente a conivência das grandes empresas com o governo Modi. As grandes empresas já estão esperando para colher os frutos das novas leis agrícolas assim que elas entrarem em vigor. A abolição das compras governamentais de safras fará com que as grandes empresas ocupem seus lugares por meio de seus depósitos e compras a preços muito mais baixos do que o MSP.
No ano passado, durante as eleições gerais na Índia, o comediante Kunal Kamra, brincando, disse em um vídeo viral: “Por que Modi está entre mim e Ambani? Por que não posso votar diretamente em Ambani?” A piada simplesmente revela o fato de que as grandes empresas são as que realmente mandam na Índia. Bilhões de rúpias de doações corporativas já estavam fluindo para os cofres do BJP antes das eleições de 2014, pois as grandes empresas já haviam se decidido a trazer Modi ao comando dos negócios. Mukesh Ambani é o homem mais rico da Ásia e um dos principais defensores de um governo liderado por Modi em Delhi. Sua fortuna disparou de $18 bilhões de dólares em 2014 (quando Modi se tornou primeiro-ministro da Índia) para $75 bilhões em setembro de 2020, o que significa que este homem acumulou quatro vezes mais riqueza em seis anos do governo Modi do que em 58 anos de sua vida anterior.
Por um lado, as grandes empresas e os aliados de Modi estão aumentando sua riqueza por meio da privatização, desregulamentação e políticas econômicas neoliberais do governo do BJP; por outro lado, esse processo está afetando muito a população pobre do país. Em um nível macroeconômico, a economia indiana está em um estado de declínio secular. De acordo com uma pesquisa oficial conduzida pelo National Sample Survey Office (Ministério de Estatísticas e Implementação de Programas), o desemprego atingiu a alta de 6,1% em 45 anos. Ironicamente, o governo Modi rejeitou este relatório de seu próprio ministério. Mesmo antes da pandemia de Covid-19 atingir a Índia, o PIB do país já havia desacelerado para 3,1% no último trimestre de 2019-20, ou seja, janeiro-março. Também foi revelado que o governo Modi usou métodos errôneos de medição do PIB para mostrar taxas de crescimento mais altas, enquanto na verdade a economia estava em declínio.
Também é uma ironia do destino que a abertura da economia indiana tenha sido liderada pelo governo do Congresso Nacional Indiano na década de 90, que criou uma classe média afluente considerável de cerca de 300 milhões; no entanto, a mesma classe média provou a plataforma de lançamento do BJP, que acabou votando contra o Congresso e agora o governo do BJP está “espremendo” a mesma classe média para os cofres de grandes negócios e corporações.
No entanto, esse ataque neoliberal aos indianos também produziu resistências. A poderosa classe trabalhadora indiana tem mostrado repetidamente sua vontade de lutar contra as receitas econômicas de Modi. Nos últimos anos, os trabalhadores indianos vêm organizando protestos e greves gerais em todo o país. Os jovens e especialmente os movimentos estudantis estão em permanente cabo de guerra com o BJP e outros fundamentalistas hindus. Apesar de todas as tentativas de provocações religiosas fundamentalistas do BJP através da CAA/NRC ou pogroms contra os muçulmanos, as massas resistiram. No entanto, deve-se ter em mente que, nesta fase do desenvolvimento histórico, essas receitas neoliberais, catástrofes econômicas e governo fundamentalista hindu de Modi não podem ser combatidos dentro dos limites da democracia parlamentar burguesa. Os partidos comunistas na Índia desempenham um papel significativo nos protestos e greves dos trabalhadores, mas devem apresentar um programa claro de derrubada do capitalismo e confisco dos altos comandos da economia. Uma derrota do capitalismo na Índia abrirá as comportas das revoluções na Ásia. Só então toda a Ásia será verdadeiramente vermelha.
*Publicado originalmente em http://www.marxistreview.asia/india-bharatbandh-against-modis-neo-liberal-onslaught/
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