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Análise das Eleições no Ceará: a centro-esquerda vence as eleições e a direita tradicional encolhe no estado

José Pereira de Sousa Sobrinho, do Crato (CE)*
Divulgação

Tomaremos como modelo para refletir sobre as eleições no Ceará o mesmo critério adotado em outras análises produzidas pelo EoL a nível das eleições nacionais, examinando o resultado a partir de cinco grandes blocos políticos nacionais: o da direita tradicional que não está na base de sustentação do governo, liderado pelo PSDB, DEM e MDB; a extrema-direita, cuja principal ala é o bolsonarismo; o da direita que é base de apoio ao governo (PP, Republicanos, PTB, entre outros); o da esquerda (PSOL, PT e PCdoB); e o do centro-esquerda (PDT e PSB)1. Usaremos como critério de análise a quantidade de prefeituras que serão dirigidas por essas forças em 2021, como também o seu peso na economia estadual usando como referência a participação desses municípios na economia estadual. Assumindo como referência para analise do resultado os 14 maiores PIB entre os municípios do estado que equivalem a 68,7%2 da riqueza produzida na região.

CIDADES

PIB 2017

2017%

Partidos

Fortaleza

61.579.403

41,64

PDT

Maracaranaú

8.537.588

5,77

PSDB

Caucaia

5.860.370

3,96

PROS

Sobral

4.455.731

3,01

PDT

Juazeiro do Norte

4.185.792

2,99

PODEMOS

São Gonçalo do Amarante

3.081.374

2,08

PROS

Eusébio

2.955.751

2

PL

Aquiraz

2.205.364

1,49

PT

Horizonte

1.596.807

1,08

PDT

Itapipoca

1.560.065

1,05

PT

Crato

1.537.562

1,04

PT

Iguatu

1.501.966

1,02

PSD

Maranguape

1.367.885

0,92

SD

Pacajus

1.064.219

0,72

PDT

Soma os 14 maiores PIB

101.489.877

68,77

 

Ceará

147.890.392

100

 

Centro-esquerda (PDT e PSB)

A centro-esquerda consolida seu domínio no Nordeste com PDT e PSB vencendo em quatro capitais – Recife, Fortaleza, Aracaju e Maceió. No Ceará, em particular berço dos Ferrerias Gomes, seu peso é bastante significativo. O PSB ficou com 8 prefeituras, enquanto o PDT comandado saiu como o grande vencedor das eleições locais, passando de 49 prefeituras conquistadas em 2016 para 67. Mas, não só isso, o partido tem quatro dos 14 maiores PIB municipais no estado.

Fortaleza (Sarto-PDT), Sobral (Ivo Gomes -PDT), Horizonte (Nezinho Farias-PDT) e Pacajus (Bruno Figueiredo-PDT), o peso econômico desses quatro municípios representam 46,4% do PIB estadual, um número importante para as disputas locais. A capital Fortaleza concentra R$ 61.579.403 (2017) dos R$ 147.890.392 do PIB estadual, ou seja, sozinha corresponde a 41,64% do PIB estadual, que se soma aos PIBs de Sobral (R$ 4.455.731), Horizonte (R$ 1.596.807) e Pacajus (R$ 1.064.219), que ocupam o 4ª, 9ª e 14ª lugar na classificação por PIB entre os municípios cearenses. A centro-esquerda com PSB (8) e PDT (67), somando 75 prefeituras, sai como a maior força política no Ceará.

Direita Tradicional

A direita tradicional no estado, que tem certa força com nomes importante como Eunício Oliveira do MDB, além de ser o partido com mais prefeituras eleitas no estado, nacionalmente com 784 no total, acabou com um resultado pífio no Ceará em 2020. No estado, foi o partido entre os grandes nacionais que mais perdeu espaço na gestão de prefeituras, das 28 prefeituras em 2016, quando era a segunda maior força do estado, ficou somente com 17 em 2020.

PSDB, por seu turno, caiu em número de prefeituras (785 para 520) nacionalmente. Apesar de vitória importante em São Paulo, tem uma dinâmica de queda do seu peso social a nível nacional. Se nacionalmente perdeu 265 prefeituras, caindo do segundo posto para o quarto maior partido nacional, no Ceará sua dinâmica de queda parece ter sido mais acelerada. Bem distante do peso político dos anos 90 de quando governou o estado tendo a frente sua grande liderança local, o senador Tasso Jereissati, o partido saiu de 14 prefeituras eleitas em 2016 para somente 4 prefeituras em 2020. A dinâmica de declínio tem o contrapeso com a eleição do prefeito de Maracanaú (Roberto Pessoa/PSDB) que é o segundo maior PIB do estado, com 8.537.588 (5,77%) do valor total.

O DEM somente conseguiu eleger 2 prefeituras. Esse resultado contrasta com a linha de crescimento dos partidos de direita que estão na base aliada do governo federal, os quais tiveram crescimento importante no estado, mas sempre ocuparam um papel de protagonistas nos municípios pelo interior do estado. A direita tradicional somando o resultado de DEM (2), MDB (17) e PSDB (4) ficou com 23 prefeituras no Ceará.

A direita disfarçada de “centrão” no Ceará

Entre os partidos que estão na base aliada do governo Bolsonaro a nível nacional, entre os quais o PTB, PSD, PL, tem o PP o grande destaque das eleições nacionais, elegendo 685 prefeitos(as), ficando em segundo lugar nacionalmente entre os partidos com mais prefeituras conquistadas neste ano. No Ceará, o PTB ficou com 3 prefeituras, o PL com 13 e o PP não repetiu o sucesso nacional, ficou com apenas 10 prefeituras. Todas as cidades que serão geridas pela base de apoio de Bolsonaro são de pequeno ou médio porte, tomando com parâmetro a realidade do estado. A única exceção é Aquiraz, que elegeu prefeito Bruno Gonçalves do PL. A cidade está 8ª lugar entre os PIB cearenses, com 1,49% do valor total do estado e com uma riqueza produzida em seu território de R$ 2.205.364.

Contudo, o destaque desse grupo no estado é o PSD de Gilberto Kassab, o partido que é o segundo que mais cresceu nessas eleições, ocupa em número de prefeituras também o segundo lugar no estado. Nacionalmente é base de apoio do governo Bolsonaro e no Ceará comandado pelo grupo do ex-vice-governador Domingos Filho, que está na base de apoio do governo Camilo Santana (PT). Comparando o resultado de 2016, o partido perdeu três prefeituras e, a partir de 2021, administrará 27 municípios dos quais 2 municípios estão entre os 14 maiores PIBs do estado, Iguatu (Ednaldo Lavor-PSD) em 12ª posição na classificação dos PIB estaduais, com o valor de R$ 1.501.966 (1,02%). Ao todo, a base aliada de direita ao governo Bolsonaro composta por PTB (3), PSD (27), PL (13) e PP (10) administrarão 53 cidades cearenses em 2021 e 3 deles entre os 15 maiores PIBs. É um número expressivo dos partidos de direita que acaba deslocando os partidos tradicionais da direita – MDB, PSDB e DEM – no estado. A questão é examinar se essa dinâmica de crescimento do dito “centrão” permanece em conjunto com a dinâmica de refluxo da direita tradicional no estado.

Extrema-direita no Ceará:

A nível nacional é claro o refluxo da onda de extrema-direita, tomando como contraponto a enorme vitória dessa nova força social nas eleições de 2018. Ao usarmos esse mesmo critério de comparação para esse fenômeno no Ceará partiremos do resultado que foi uma derrota de Bolsonaro no estado e na capital, contudo, temos que refletir que na eleição municipal de 2016 o bolsonarismo ainda não existia como uma corrente política com o peso que assumiu dois anos atrás. Portanto, 2020, em certa medida, pode demarcar essa nova acomodação da extrema-direita, representando de fato seu peso social agora disputando as eleições municipais pela primeira vez.

O bolsonarismo se apresentou fragmentado em vários partidos no Ceará, a exemplo do aconteceu nacionalmente, mas o PSL, partido que se tornou a segunda maior bancada da câmara federal, a partir do avanço da extrema-direita nas eleições de 2018, não elegeu nenhum prefeito no Ceará. Entre os demais candidatos com vínculos mais claros com o bolsonarismo, o PROS ficou com 3 prefeituras, Cidadania com 1 prefeitura, Republicanos com 2 prefeituras e o Podemos com 1 prefeitura, somando um total de 6 prefeituras. Além disso, teve o maior nome do bolsonarismo no estado – capitão Wagner (PROS) –, policial militar ligado ao motim dos policiais no começo deste ano, tendo como base social os militares e as igrejas evangélicas, derrotado no segundo turno pelo nome do PDT. Não é menos importante a derrota de um dos principais nomes ligados ao Bolsonaro, com uma campanha coordenada pelo Senador Eduardo Girão (Podemos), ele tinha chances reais nas capitais.

A derrota do Capitão foi importante para impedir que a extrema-direita avançasse em suas forças, ocupando uma importante capital, inclusive esse resultado se soma a derrota do bolsonarismo a nível nacional. Mas, o resultado final do candidato apoiado pelo neofascista é expressivo, uma votação de 624.892 votos, 48,31% do total, significa que as ideias da extrema-direita ocuparam um espaço importante na consciência geral desta cidade. Contudo, esse já é mais ou menos o espaço eleitoral ocupado pela extrema-direita em 2018 na capital, quando no segundo turno a votação direta em Bolsonaro ficou em 590.033 votos (44,39%). Portanto, a votação final do Capitão Wagner representa uma ampliação de cerca de um pouco mais 34 mil votos. O resultado eleitoral, por um lado, indica que o espaço da extrema-direita não recuou e continua significativo, mas por outro demonstra que seu peso continua insuficiente, como em 2018, para garantir a vitória da extrema-direita na cidade.

Além disso, o resultado da extrema-direita é importante por conquistar vitórias em cidades como Caucaia (Vitor Valin-PROS), Juazeiro do Norte (Gleydson Bezerra-PODEMOS) e São Gonçalo (Professor Marcelão-PROS). São municípios com peso na economia do estado, estão entre os 14 maiores PIBs e, respectivamente, em terceiro, quinto e sexto lugar entre os municípios com maior riqueza produzida. Os valores de seus PIBs, eram em 2018 na ordem de R$ 5.860.370 (Caucaia, 3,96%), R$ 4.185.792 (Juazeiro do Norte, 2,99%) e R$ 3.081.374 (São Gonçalo do Amarante, 2,08%). Com a soma dos 3 PIBs, a extrema-direita administrará territórios que correspondem a R$ 13.127.536, equivalente a 9% do PIB estadual. Não é um resultado a ser menosprezado e indica que, especialmente nas maiores zonas urbanas, as ideias da extrema-direita têm encontrado espaço no estado.

Mas, o resultado, apesar desse avanço comparado as eleições de 2016, está bem aquém da votação obtida em 2018 nacionalmente e próximo a esse resultado para o Ceará, indicando uma linha de estagnação. O resultado de 2020 indica que a extrema-direita é uma força política nacional e estadual que vem se constituindo desde 2016 e ocupando um espaço no tabuleiro político. Com a eleição de 2020, ela ocupa esse lugar no Ceará que estava aquém do seu peso social real, especialmente na Região Metropolitana de Fortaleza. Portanto, esse avanço, com a conquista de 6 prefeituras, tem a ver com essa relocalização e com a consolidação da extrema-direita pós 2018, mais do que expressar um crescimento local da extrema-direita, um espaço importante e expressivo, ainda que menor dos que o ocupado pelas esquerdas, demonstra que a extrema-direita tem um peso no estado.

Esquerda (PSOL, PT e PCdoB)

PT passou de 15 prefeituras eleitas em 2016 para 18 em 2020, é a terceira maior força no estado. Mas, também administrará em sua grande maioria pequenos municípios, entre os quais Itapipoca (Felipe Pinheiro-PT) e Crato (Zé Aiton-PT), que estão entre os 14 maiores PIB do estado, respectivamente na 10º posição com um valor de R$ 1.560.065 (1,05%) e 11º com R$ 1.537.562 (1,04%). Já o PCdoB encolheu significativamente saindo de oito prefeituras eleitas em 2016 para somente duas em 2020.

O PSOL conquistou sua primeira prefeitura no estado em Potengi com Edson Veriato, agricultor, radialista e líder comunitário de 34 anos. Além do prefeito foram eleitos 3 vereadores do PSOL na cidade – Aline Sérgio, Zé de Júlio e Aílton Leite. Potengi é uma cidade de pequeno porte, tem uma população estimada em 11.106 pessoas para 2020 pelo IBGE e um PIB de R$ 75.9813. Além de Potengi o PSOL governará 5 cidades pelo Brasil, entre as quais Belém, a única capital. Além das(os) vereadoras (es) de Potengi, o PSOL no Ceará elegeu em Fortaleza um vereador – Gabriel Aguiar – e vereadoras da candidatura coletiva Nossa Cara, formado por mulheres negras da periferia da capital, Adriana Gerônimo, Louise Anne de Santana e Lila M. Salu. É um resultado importante diante do resultado de 2016, no qual o PSOL ficou sem mandato na câmara de vereadores da maioria das cidades do estado, onde passa administrar uma prefeitura e a ter cinco mandatos de vereadoras(es).

Contudo, a presença do PSOL ainda é bastante reduzida no estado, tomando as 15 maiores cidades, o partido somente apresentou candidaturas para o executivo em seis delas, com exceção de Fortaleza com Renato Roseno com um número importante de votantes na capital do estado, 34.346 votos (2,68%) e Professora Zuleide Queiroz, que no Crato, foi a única candidatura acima dos 10% com 6.956 votos, todas as demais candidaturas foram obtiveram votações com pouco peso em suas cidades4.

O PSOL no Ceará sai maior dessas eleições, especialmente pelo resultado da capital e em Potengi com cinco vereadores(as) eleitas, por eleger lutadores sociais vinculadas a luta pela terra, pautas ecológicas, movimento de mulheres e movimento negro, como também pelas campanhas construídas nessas cidades pautadas nas relações com os movimentos sociais nos diferentes territórios. O PSOL salta de patarmar comparado com o estágio anterior, um salto menor em relação ao avanço nacional, mas continua sendo um crescimento local. Com isso, toma fôlego para impulsionar a luta mais importante, derrotar Bolsonaro nas ruas e defender a vida dos trabalhadores negros e negras da periferia diante da pandemia.

O cenário da luta de classes no Ceará após as eleições de 2020:

A configuração das forças políticas apresentadas no gráfico acima – com os 10 partidos analisados que ficaram com 155 prefeituras entre os 184 municípios cearenses – indica um resultado bem diferente do resultado nacional. Essa análise não pode ser tomada isolada do resultado nacional, elas se retroalimentam perfazendo uma lógica de totalidade. Contudo, a realidade local guarda certa autonomia das movimentações nacionais. Nesse lastro de autonomia, prevalece o avanço da centro-esquerda, em particular com os Ferreiras Gomes, que fazem do Ceará o berço do seu projeto nacional.

Por sua vez, a segunda maior força do estado é direita de base apoio do bolsonarismo, especialmente com PSD e PP, que juntos somam 37 cidades administradas e ocupando o lugar da direita tradicional que vem perdendo espaço nas disputas regionais dentro do estado.

Por sua vez, a esquerda com o PT a frente do poder estadual cresce e continua sendo a maior força na esquerda com distância das demais organizações, o PCdoB em declínio claro e o PSOL com avanço lento, mas importante, juntos são a terceira força em número de cidades, 21 no total. A extrema-direita fica com a quinta força, contudo, ocupando um lugar político que anteriormente não exercia, demarcando sua força pontual no cenário local em coerência ao seu peso nacional, indica que no Ceará há espaço para ideias do bolsonarismo, especialmente nos maiores centros urbanos. Precisamos está atentos e fortes para o que pode vir a se desenvolver desse perigoso fenômeno a nível local, suas forças mesmo diante de uma derrota não podem ser menosprezadas, o neofascismo e a extrema-direita sofrem uma pancada nacionalmente, têm um resultado dúbio localmente, mas nem de longe foram completamente derrotados, demarcam a consolidação de sua base social no Ceará de maneira mais tardia do que no restante do país. Precisamos examinar com cuidado seu peso no Ceará e como se dará sua atuação no próximo período, apoiar os lutadores das cidades governadas pela extrema-direita e, por sua vez, entender como avanço da centro-esquerda pode influenciar e impedir novas ações da luta de classe contra as políticas de neoliberais no estado, medidas as quais fazem parte tanto das políticas do PT como do PDT no estado.

As eleições se encerraram, o principal cenário da luta voltará a se dá nas ruas com mediação das organizações da classe trabalhadora e seus movimentos. O PSOL deve colocar todo seu acumulo político conquistado com a eleição de um prefeito e cinco vereadores a serviço da luta contra Bolsonaro e na construção da Frente Única da Esquerda para resistir a ataques aos direitos do povo trabalhador. O PSOL deve está a serviço da unificação dos lutadores do movimento de mulheres, LGBTs, negro, sindical e popular para construir uma frente de esquerda contra a extrema-direita nas ruas.

*José Pereira de Sousa Sobrinho é militante do PSOL-Crato e Resistência-PSOL

1 Disponível em: <https://esquerdaonline.com.br/2020/12/02/bolsonaro-se-enfraquece-a-direita-avanca-e-a-esquerda-levanta-a-cabeca/>. Acesso em: dez. 2020.

2 IPECE. Produto Interno Bruto Municipal: análise do PIB municipais Cearenses – 2002, 2010, 2016,2017. Nº 3, dezembro de 2017. Disponível em: <https://www.ipece.ce.gov.br/wp-content/uploads/sites/45/2019/12/PIB_dos_Municipios_Cearenses_2002_2017.pdf>. Acesso em: dez. 2020.

4 Maracanaú – 5º lugar do Professor Carlos Eduardo (1,15% ; 1.365 votos); Caucaia 6º lugar com Rodrigo Santaella (1,31% – 2.224 votos); Juazeiro do Norte: 5º lugar com Demontieux Cinquentinha (2,87% – 3.816 votos); Iguatu o 3º lugar Mácio 1,03% – 554 votos.