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EDITORIAL

Bolsonaro se enfraquece, a direita avança e a esquerda levanta a cabeça

Editorial de 02 de dezembro

As eleições municipais de 2020 foram atípicas. Primeiro, porque ocorreram em meio a uma pandemia que já matou mais de 173 mil brasileiros e provocou uma grave crise econômica e social. Segundo, porque se deram sob o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, que meses atrás ameaçava dar um golpe.

Nesse contexto, os eleitores foram às urnas em eleições condicionadas pelas particularidades locais, como o índice de aprovação, negativo ou positivo, dos atuais prefeitos. O considerável aumento da taxa de abstenção se explica por vários motivos, como o desinteresse pela política em parcela do eleitorado, mas a principal razão foi o medo da contaminação pelo vírus.

A fim de facilitar o balanço geral, avaliamos o desempenho dos cinco grandes blocos políticos nacionais: o da direita tradicional que não está na base de sustentação do governo, liderado pelo PSDB, DEM e MDB; o da extrema direita, cuja principal ala é o bolsonarismo; o da direita que é base de apoio ao governo (PP, Republicanos, PTB, entre outros); o da esquerda (PSOL, PT e PCdoB); e o do centro-esquerda (PDT e PSB). Ao final, apresentamos, resumidamente, apontamentos sobre as tarefas da esquerda para o próximo período.

Direita tradicional (não-bolsonarista) venceu

O campo da direita que não está base governista — comandado pelo PSDB, DEM e MDB — venceu em 15 capitais, ganhando a maioria das principais: São Paulo (PSDB), Rio de Janeiro (DEM), Belo Horizonte (PSD), Salvador (DEM), Curitiba (DEM) e Porto Alegre (MDB).

Importa destacar o resultado do DEM, que venceu em quatro capitais e disputa ainda Macapá. Além disso, o partido de Rodrigo Maia ampliou de modo significativo a parcela do eleitorado governado (de 7,9 para 17,7 milhões) e da receita orçamentária administrada nos municípios sob sua gestão (de 32,5 bilhões para 91 bilhões) e ganhou dez dos cem municípios mais populosos.

PSDB, por seu turno, caiu em número de prefeituras (de 785 para 520), em termos de eleitorado governado (de 34,6 milhões para 24,8 milhões) e em receita orçamentária administrada (de 183,2 bilhões para 155,1 bilhões), mas segue sendo o maior partido nesses dois últimos quesitos. Além disso, o partido de João Dória obteve um resultado expressivo no estado de SP, vencendo na capital e em quase 200 municípios, e ganhou 16 dos cem maiores municípios do país.

Já o MDB conquistou cinco capitais, sendo Porto Alegre a mais importante, e ganhou em 18 das 100 cidades mais populosas. Por outro lado, caiu em número de prefeituras (1035 para 784) e de eleitorado governado (de 21 milhões para 18,9 milhões).

No marco de uma maior dispersão dos votos entre os inúmeros partidos, pode-se afirmar que a direita tradicional (não-bolsonarista) ganha força para a disputa nacional de 2022, recuperando parte considerável da base social (especialmente na classe média) perdida para o bolsonarismo em 2018.

Bolsonaro perdeu

Das 63 candidaturas que Bolsonaro declarou apoio público (18 prefeitos e 44 vereadores), apenas 05 prefeitos e 11 vereadores foram eleitos. Além disso, dos bolsonaristas “raiz” apenas um venceu em capitais, o Delegado Pazolini, em Vitória (ES).

Ficou evidente, em quase todo país, o refluxo da onda de extrema direita, que obteve enorme vitória dois anos atrás nas eleições presidenciais, para os governos estaduais e na eleição de deputados estaduais, federais e senadores. O fato de Bolsonaro não ter conseguido formar seu próprio partido, o que implicou a dispersão das candidaturas de extrema direita em várias siglas, teve uma influência considerável nesse revés.

Vale destacar, também, que Crivella, apoiado por Bolsonaro, sofreu um dura derrota no Rio de Janeiro, fazendo apenas 35% no 2o turno. Outro candidato patrocinado pelo presidente, Celso Russomano, terminou com apenas 10% na cidade de São Paulo. Os demais candidatos bolsonaristas em Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis e Belo Horizonte também não tiveram desempenho expressivo.

Outro dado importante é que o PSL, partido que Bolsonaro alavancou em 2018 e que abrigou muitas candidaturas de extrema direita, controlando a segunda maior fatia do Fundo Eleitoral, não ganhou nenhuma das cem cidades mais populosas. Já o Republicanos, outra sigla com forte peso bolsonarista e controlada pela Igreja Universal, perdeu peso no eleitorado governado (caindo de 7,1 milhões para 5,3 milhões) e venceu em apenas 03 das 100 maiores cidades.

Atenua a derrota política e eleitoral de Bolsonaro o resultado dos partidos de direita que estão na base de apoio ao governo federal (o chamado “centrão” governista). Esse bloco governista ganhou seis capitais: Cuiabá, Campo Grande, Manaus, Rio Branco, João Pessoa e São Luis.

Além disso, alguns candidatos bolsonaristas, apesar de derrotados, tiveram resultados expressivos, como o Delegado Eguchi, em Belém, e o Capitão Wagner, em Fortaleza. Vale notar que candidatos de extrema direita ganharam algumas cidades grandes, como São Gonçalo (RJ) e Anápolis (GO).

Outro aspecto que deve ser ressaltado é o aumento da rejeição de Bolsonaro no país no último mês, revertendo a tendência de alta em sua popularidade que se verificava desde julho. Essa subida da rejeição ocorreu com maior intensidade nas capitais, com destaque para o elevado grau de desgaste em Salvador, São Paulo, Porto Alegre e Recife.

Como principal conclusão política sobre esse ponto, pode-se afirmar que, apesar do avanço do “centrão” governista, o governo Bolsonaro e o bolsonarismo, enquanto força político-ideológica neofascista, se enfraqueceram politicamente.

Centrão governista tem saldo positivo

Os partidos da direita que estão na base de apoio ao governo Bolsonaro ampliaram o número de prefeituras conquistadas (sobretudo em pequenos municípios) e a parcela do eleitorado governado e do controle orçamentário nos municípios. Apesar disso, esse “centrão” segue atrás da direita tradicional (não-bolsonarista) em todos esses parâmetros de avaliação.

O bloco venceu em seis capitais, ainda que não sejam as principais capitais de cada região, com destaque para o crescimento do PP, de Ciro Nogueira, e o PSD, de Gilberto Kassab. Por sua vez, o Republicanos e o Podemos perderam espaço em termos de eleitorado governado e de controle orçamentário. Com o avanço nos municípios, o poder de barganha do “centrão” aumenta dentro do governo e no Congresso.

Esquerda tem recuperação relativa. O PSOL é o destaque

Em primeiro lugar, importa avaliar o resultado contraditório do PT, o maior partido da esquerda brasileira. Pela primeira vez em sua história, o partido de Lula não elegeu prefeito em nenhuma capital. O PT ganhou quatro grandes cidades, contra duas em 2016, mas diminuiu o número de prefeituras em relação a 2016, caindo de 254 para 183 prefeituras (o menor número em 16 anos). Já em termos do total de habitantes que será governado pelo PT em cidades ocorreu um leve aumento: em 2016 eram 6,033 milhões, agora serão 6,045 milhões.

Pode-se concluir que o PT teve um resultado eleitoral geral ligeiramente superior a 2016, apesar da queda do números de prefeituras conquistas. O partido conteve a sangria de 2016, mas a derrota em São Paulo e em todas capitais pesa qualitativamente. Ou seja, o partido de Lula colheu uma derrota política nessas eleições, ainda que tenha melhorado um pouco seu desempenho eleitoral nas cidades médias e grandes. O PT saí, portanto, relativamente enfraquecido no bloco da esquerda. Ainda é o maior partido de esquerda, mas tem bem menos força que antes.

O PSOL teve o melhor resultado da esquerda: ganhou em Belém, com Edmilson, e teve mais de 2 milhões de votos (40%) em São Paulo, a maior cidade do país, projetando uma nova figura nacional de peso, Guilherme Boulos.

Além disso, o PSOL fortaleceu sua presença nas Câmaras Municipais em capitais importantes, como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, entre outras, e ampliou em 50% o número total de vereadores eleitos no país. Importa sublinhar o fato de que o partido elegeu muitas lideranças negras, de mulheres, LGBTs e jovens, demonstrando sintonia com as vanguardas das lutas mais dinâmicas.

Assim, o PSOL salta de patamar dentro da esquerda e no cenário político nacional, assumindo novas responsabilidades e desafios. Convém lembrar que o resultado do partido teria sido melhor caso Marcelo Freixo tivesse sido candidato no Rio de Janeiro.

O PCdoB, por sua vez, perdeu votos, prefeituras e vereadores, mas foi compensado com a ida ao 2o turno em Porto Alegre, com Manuela. Apreciando o conjunto dos aspectos, observa-se o enfraquecimento do partido, que tem a legenda seriamente ameaçada pela cláusula de barreira em 2022. Vale observar, também, a derrota política do grupo de Flávio Dino em São Luis (MA).

Pode-se afirmar que o bloco da esquerda, tomado de conjunto, apesar das derrotas eleitorais no 2o turno em treze cidades, teve um fortalecimento político ao ter ido ao segundo turno em cinco capitais e projetar Boulos, Manuela e Marília no cenário nacional. Além disso, obteve uma vitória em Belém e venceu em quatro cidades importantes — Contagem, Diadema, Juiz de Fora e Mauá. Em 2016, a esquerda tinha ido ao 2o turno em apenas três capitais, vencido em uma capital (Rio Branco) e conquistado apenas duas das cem cidades mais populosas.

Centro-esquerda (PDT e PSB) avança em capitais no Nordeste

O bloco formado pelo PDT e PSB venceu em quatro capitais, mantendo as prefeituras de Recife e Fortaleza e conquistando Aracajú e Maceió. Porém, não teve bom desempenho nas regiões Sudeste, Sul e Norte. No Rio Janeiro, Marta Rocha (PDT) não foi ao segundo turno, assim como Márcio França (PSB), em São Paulo.

O bloco de Ciro Gomes teve oito vitórias entre os cem maiores municípios, contra doze em 2016. O PSB perdeu prefeituras e caiu de 11,7 para 6,9 milhões de governados em cidades. O PDT manteve patamar de prefeituras conquistadas, mas caiu de 8,4 para 7,8 milhões de governados nos municípios. Com isso, pode-se afirmar que o centro-esquerda não avançou em termos nacionais como desejava Ciro Gomes, mas conquistou posições importantes no Nordeste.

Desafios da esquerda no próximo período

O país segue em uma situação política reacionária marcada pela ofensiva burguesa contra os diretos sociais e democráticos. Mas há sinais de uma inflexão positiva na correlação política e social de forças, com o enfraquecimento do Governo Bolsonaro e do bolsonarismo, como força político-ideológica.

Nesse primeiro momento, a velha direita (PSDB, DEM e MDB) é o principal beneficiário do desgaste de Bolsonaro, sobretudo pela retomada do apoio da classe média nos grandes centros urbanos. A esquerda, por seu turno, começa a se recuperar das seguidas derrotas nos últimos anos. O fenômeno Boulos na cidade de São Paulo (que teve forte repercussão nacional), a eleição de Edmilson, em Belém, e a ida de Manuela e Marília ao segundo turno, em Porto Alegre e Recife, são evidências disso.

O enfraquecimento do bolsonarismo e o recente desgaste do governo federal são indícios alentadores para a luta política e social. Porém, é preciso ter cuidado: Bolsonaro ainda conserva uma base de apoio considerável. Está enfraquecido, mas ainda não foi derrotado. Essa é uma tarefa política pendente.

2021: lutar por direitos e pelo Fora Bolsonaro

Finalizadas as eleições municipais, é preciso, antes de falar sobre a distante eleição presidencial de 2022, pensar na luta de classes em 2021. A pandemia ainda não foi superada, o desemprego é recorde, a inflação dos alimentos não dá trégua e o auxílio emergencial termina agora em dezembro.

Tendo em conta isso, a primeira tarefa é organizar a luta do povo trabalhador e oprimido pelas suas demandas mais sentidas: emprego, renda, salário, educação, saúde, moradia e direitos, dando peso à batalha contra o racismo, o machismo, a LGTBfobia e à defesa do meio ambiente e dos povos indígenas.

Temos que lutar pela prorrogação e extensão do auxílio emergencial, sendo fundamental para isso o fim do Teto dos gastos públicos, bem como pela valorização dos serviços e dos servidores públicos, dizendo não à Reforma Administrativa.

Do ponto de vista da pandemia, é necessário garantir um plano de vacinação segura o quanto antes para o conjunto da população, começando pelo profissionais da saúde e pessoas do grupo de risco, assim como a ampliação dos testes e medidas sanitárias nos locais de trabalho e transporte público. Com o aumento do contágio e internações em todo país, é um crime a volta às aulas presenciais nas escolas e universidades.

Para fortalecer a luta social, é fundamental a construção da Frente Única das organizações políticas, sindicais e sociais da esquerda brasileira, para enfrentar os ataques e as reformas de Bolsonaro e da direita neoliberal. Nesse sentido, a unidade para lutar das Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, do movimento feminista, negro, LGBT, sindical, indígena, dos partidos de esquerda, do movimento ambientalista, entre outros, é essencial.

O objetivo estratégico para o próximo ano deve ser derrotar Bolsonaro nas ruas, antes de 2022. Convém recordar que Trump só perdeu as eleições norte-americanas em novembro porque meses antes ocorreu um poderoso levante antirracista que mobilizou dezenas de milhões nas ruas. A classe trabalhadora, o povo negro, o movimento feminista e LGBT, a juventude, entre outros setores sociais, podem, se se colocarem em movimento, derrubar o neofascista do poder. Com a força das ruas, a esquerda pode assumir a liderança da oposição a Bolsonaro.

Por fim, vale ressaltar a importância de fortalecer o PSOL enquanto uma nova alternativa à esquerda. A campanha de Guilherme Boulos demonstrou que é possível tocar o coração e a consciência de milhões, mobilizando milhares de ativistas, com uma política e um programa voltados para os interesses do povo trabalhador e oprimido e conectados com as lutas sociais, sem alianças com a direita.