Pular para o conteúdo
BRASIL

Sobre eleições, organizações e sementes plantadas

Jefferson Santana*, de São Paulo, SP
Reprodução
Como disse Carlos Marighella: “A única luta que se perde é a que se abandona”. Essas palavras estão ecoando na minha cabeça desde ontem e não acredito que seja por acaso. Como morador da periferia junto a tantas e tantos guerreiros sobreviventes de um estado genocida, sabemos que nossos processos não são definidos somente em épocas eleitorais. Que a nossa luta não começou nos últimos meses e nem se encerrará por uma derrota eleitoral. As mudanças que queremos ultrapassam e muito esses ritos institucionais.
Pensando numa perspectiva geográfica e também histórica temos um panorama olhando para os resultados do extremo da zona sul, que também retrata o do extremo da zona leste. São áreas em que se convive com precariedades estruturais desde sempre, talvez por isso, o modo como nos manifestamos nas urnas seja diferente. Nessas eleições, tivemos os territórios do Campo Limpo, Capão Redondo, Jardim Ângela, Grajaú, Parelheiros, São Mateus e Cidade Tiradentes como os que colocaram Guilherme Boulos à frente de Bruno Covas nos resultados. Como atuante de Núcleo Popular do M’Boi Mirim, tenho plena convicção da importância do nosso papel como grupo de militantes organizados em dialogar com nossas quebradas. Cada pessoa teve um papel fundamental numa série de ações do olho no olho, na simpatia das palavras e olhares, na comunicação das redes, nas ideias e ritmos ecoados em megafones e caixas de som, no tremular das nossas bandeiras, pelos panfletaços e por tantos e tantos outros corres que fizemos. O resultado foi o sintoma disso, mas como disse acima, nossas quebradas já sentem as feridas há muito tempo, só precisavam de outros irmãos e irmãs que sentissem as mesmas dores e partilhassem as ideias. Além disso, não posso esquecer do papel de outros coletivos e iniciativas independentes que sempre acolheram as necessidades e manifestações da quebrada.
Um revolucionário pensa no passado quando avalia erros e acertos cometidos, no que vivemos no presente fazendo constantes avaliações, mas principalmente constrói caminhos e alternativas pro futuro. O que teremos daqui pra frente será o resultado do que nós plantamos e vamos cultivar. É importante lembrar que dentro do próprio processo eleitoral, a candidatura de Boulos em 2018 não teve grande votação, mas as ideias já estavam sendo disseminadas pra que hoje em 2020 ele tenha alcançado 40% dos votos da cidade mais populosa do país, numa campanha em que milhares de pessoas se engajaram voluntariamente. Também teremos daqui pra frente que fortificar as ideias de Luiza Erundina, fundamental na campanha de Boulos, que trouxe à tona novamente a importância do legado de seu governo de 30 anos atrás, que entre erros e acertos colocou a Periferia no centro das políticas públicas como nunca antes. Isso se viu, inclusive, no sentimento de gratidão de nossas quebradas ao citarmos o seu nome. Ainda podemos destacar o papel fundamental do MTST nesse processo todo, que dentro do PSOL pode colocar as pautas da moradia em constante discussão, mesmo sofrendo preconceitos e uma enxurrada de ataques do Gabinete do Ódio. O MTST é o povo, fala sua linguagem e fala de um dos direitos constitucionais mais desrespeitados neste país.
Tratando-se de partido, o PSOL cresceu e triplicou sua bancada na Câmara Municipal, e ainda teve mais de 2 milhões de votos no Executivo. Mesmo assim, talvez o mais importante é que abraçou muitos militantes revolucionários (inclusive eu) que andavam entristecidos e feridos com todos os golpes levados nos últimos anos.
Por último e por falar em golpe, poucos imaginavam que após 2016, após a eleição de Bolsonaro em 2018 e o tanto de ataques que sofremos nesse conjunto de anos, ainda pudéssemos fazer uma campanha tão bonita nas ruas e nas redes, mesmo tendo uma pandemia e o pouco tempo de mídia e de dias jogando contra. Isso na verdade é a manifestação da nossa raiz revolucionária, que é intocável e resiste. A nossa resistência permanecerá, pois ela não se define por derrotas ou vitórias eleitorais, ela está muito além. O sol aqueceu o nosso solo e seguiremos sendo as sementes que se aproveitarão dessa energia também das tempestades que acontecem pra sermos regadas e mostrarmos para as outras que somos muito mais que caroços nos sapatos dos Golias deste mundo. Nós somos uma floresta reerguida que em breve estará ainda mais junta de outras florestas. Seguimos!
*Poeta e professor na Zona Sul de São Paulo.