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BRASIL

O herói latino-americano!

Diogo Xavier, de Recife, PE

O mundo se despediu nesta quarta, 25, de Diego Armando Maradona. Muito mais que um jogador de futebol, este jovem pobre da Vila Fiorito, na Grande Buenos Aires, tornou-se um símbolo para milhões de jovens em todo o mundo. Um baixinho meio gordinho conseguindo vencer todas as dificuldades para tornar-se o melhor do mundo e levar seu país ao título mundial − Maradona mostrou que era possível sonhar.

Para os latino-americanos, o futebol, sem dúvidas, é a maior paixão. Países param para ver uma Copa do Mundo, uma guerra já começou por conta do jogo e muitas disputas geopolíticas acabam sendo passadas para dentro das quatro linhas. Nesse local tão doente por bola Diego foi o mais torcedor dos jogadores, jogava como um de nós e sentia que o que fazia em campo valia muito mais que as vitórias em si.

A Copa do Mundo do México foi a sua consagração. Quatro anos antes os ingleses tinham vencido a Guerra das Malvinas e os argentinos sofrido uma enorme humilhação. Coube a Diego vingar todo o seu povo. Naquele 22 de Julho de 1986, no Estádio Azteca, Maradona primeiro fez um gol com a mão de Deus e poucos minutos depois driblou até a rainha da Inglaterra para marcar o gol mais bonito da história das Copas. “De que planeta você veio?” declamou em sua emocionante narração o locutor Victor Hugo Morales. O título naquela Copa foi a coroação.

Em Nápoles um caso de amor ultrapassou um oceano. Um jovem pobre da América Latina chega no sul da Itália, região que era chamada de “a África da Itália”. Maradona usou de sua projeção e, no programa de maior audiência da TV nacional, disse que existia racismo contra os napolitanos. Isso chocou o país e gerou uma repercussão que trouxe a tona um debate fundamental que perpassa até hoje. Ele transformou um time menor, o Napoli, em campeão nacional e continental. Os times do norte, com todo o dinheiro, tiveram que se curvar ao baixinho argentino.

Na Copa de 1990 nem o melhor dos roteiristas poderia preparar algo tão espetacular. Argentina e Itália se enfrentaram na semifinal e o jogo foi justamente em Nápoles. Sua idolatria na cidade conseguiu dividir o estádio. Em uma entrevista antes do jogo, Maradona disse: “Durante 364 dias do ano vocês são considerados pelo resto do país como estrangeiros em seu próprio país e, hoje, têm de fazer o que eles querem, torcer pela seleção italiana. Eu, por outro lado, sou napolitano os 365 dias do ano”. A Argentina passou da Itália nos pênaltis com Maradona marcando um gol decisivo.

Diego foi sempre uma pedra no sapato da FIFA, os cartolas o odiavam por sempre falar coisas que tentam calar os jogadores, chegou a chamar João Havelange, presidente na época, de ladrão, abertamente. As perseguições a sua carreira vieram de forma muito pesada por conta disso. O caso mais emblemático é o seu dopping na Copa de 1994. Na Copa onde fez um esforço sobre humano para estar presente foi tirado por supostamente ter ingerido uma substância para emagrecimento, isto meses após ter tido uma rixa com Havelange. “Cortaram minhas pernas”, disse Maradona.

Maradona e Hugo Chávez se cumprimentam, sob o olhar de Fidel. Os dois sorriem e encostam os punhos. Ao fundo, na sala, um quadro com o retrato de Simon Bolivar

Na política, Diego sempre deixou bem nítida suas posições. Era defensor de uma América Latina soberana, sempre contra os interesses do imperialismo norte-americano. Em uma crise por uso de cocaína, foi se tratar em Cuba, lá tornou-se amigo de Fidel Castro, de quem tinha uma tatuagem, assim como a de Che. Sempre defendeu os governos de frente popular do continente como Lula, Evo Morales, Hugo Chávez e Rafael Correa. Na Argentina foi amigo de primeira hora dos Kichner e opositor do governo neoliberal de Mauricio Macri. Comemorou efusivamente a eleição de Alberto Fernandez, chegando a fazer uma visita formal a Casa Rosada em 2019.

Maradona usa uma camisa branca, escrito Stop Bush

Em 2005, Maradona fez parte junto com lideranças latino-americanas de mobilizações contra a ALCA, que seria um dos mais duros ataques do imperialismo. Diego nunca se furtou a dizer o que pensa e se posicionar ao lado dos mais pobres. Seu último grande projeto em vida era a requalificação da área de Villa Fiorito, onde cresceu.

A morte de Maradona gerou uma comoção enorme mundo afora, luto de três dias na Argentina, jogo do Boca na Libertadores adiado, troca de nome do estádio de Nápoles, que levará o seu nome, e capa em quase todos os jornais no mundo. Esse é o tamanho do que simbolizou um homem que foi muito mais que um jogador, foi um exemplo, um bastião do seu povo.

Diego de la gente. Assim gostava de ser chamado, pois sabia que ele era um homem do seu povo.


Desenho de Maradona em um muro de Buenos Aires.

“Dicen que escapó de un sueño
En casi su mejor gambeta
Que ni los sueños respeta
Tan lleno va de coraje
Sin demasiado ropaje
Y sin ninguna careta
Dicen que escapó este mozo
Del sueño de los sin jeta
Que a los poderosos reta
Y ataca a los más villanos
Sin más armas en la mano
Que un “diez” en la camiseta.”

(Maradó – Los Piojos)

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