“Quando a gente lê os planos de governo, o que a gente vê são 50 tons de bolsonarismo. São partidos que estão dentro do centrão ou, diretamente, ligados à base de apoio do governo, que votaram contra a aprovação do Fundeb ou que defendem nos seus planos parcerias público-privadas”.
Foi assim que a candidata à prefeitura de Juiz de Fora pelo PSOL, Lorene Figueiredo, iniciou sua participação no primeiro debate ao vivo das eleições de 2020. A frase retrata bem os projetos que estavam postos para a cidade na qual, ainda em 2018, a campanha de Jair Bolsonaro, quando do controverso evento da facada, teve um influxo marcante, impulsionando o fortalecimento da extrema direita no município. No atual pleito, o bolsonarismo e suas manifestações não se materializaram apenas na candidata do PSL (Delegada Sheila Oliveira). O PSB, com suas alianças junto à base do governo, traz como legítimo representante dessa onda um grande empresário do ramo da construção civil (Wilson Rezato), já garantido no 2º turno e que carrega o projeto de uma cidade pensada para o grande capital. Como se não bastasse, lamentavelmente, tivemos, ainda, a participação de um candidato, General Marco Felício (PRTB), que se valeu dos espaços democráticos para exaltar sua efetiva participação e seu imoral saudosismo em relação à sanguinária ditadura militar brasileira.
A despeito da brutal desigualdade social e do aprofundamento da pobreza, da informalidade e do desemprego que levaram, aproximadamente, 18% da população a recorrer ao auxilio emergencial no município, os programas em disputa, em sua maioria, se concentravam em reproduzir, no âmbito local, o que vêm sendo implementado na esfera federal. O velho mantra liberal do Estado mínimo reinou absoluto através de propostas de cortes, redução de pessoal e privatizações. Tudo isso, como sempre, vêm sendo apresentado aos eleitores sob o véu da pós-política, travestido de soluções tecnocráticas e que demonstram uma grande capacidade de abstração ao não tratarem de qualquer ponto relacionado à estrutura social.
Emerge, então, desde o início da campanha, para a esquerda socialista, o grande desafio de derrotar e desconstruir os projetos políticos apresentados pela direita e fortalecer a luta antifascista através da denúncia e do enfrentamento dos representantes do bolsonarismo. Sabemos, dentro da atual conjuntura, os limites que se colocam a qualquer projeto alternativo em escala municipal e, além disso, as pesquisas de intenção de votos em Juiz de Fora, como na maioria das cidades do país, apontam chances bastante reduzidas para a esquerda. Dessa forma, concentramos fortemente as ações de toda a militância no sentido de dialogar com os setores explorados e oprimidos da cidade, a fim de descortinar o projeto autoritário, elitista, negacionista e subserviente aos interesses externos que vêm sendo implementado pelo governo Bolsonaro e que muitos dos candidatos pretendem aqui reproduzir.
Dentro desse contexto, visando a um projeto coletivo, solidário, democrático e que se direcione da periferia para o centro, é que nosso plano de governo foi coletivamente construído. A despeito das alegações de que tais planos apresentam caráter apenas formal e demagógico, não devendo, portanto, suscitar grandes esforços e atenção, defendemos sua fundamental importância enquanto ferramenta de diálogo e informação, tornando-o um elemento capaz de transmitir às trabalhadoras e aos trabalhadores o tipo de sociedade que preconizamos. E vamos além!
Entendemos a construção do plano de governo enquanto um processo de elevado potencial na formação e capacitação de nossos quadros para uma atuação coerente, estratégica e solidária. Não por acaso, a elaboração de nosso documento envolveu, diretamente, centenas de pessoas. Pesquisadores (as) / professores (as), trabalhadores (as), juventude, lideranças comunitárias, homens e mulheres aceitaram nosso convite e, junto conosco, durante meses, se debruçaram sobre os dados e a realidade concreta da cidade. Na sequência, foram realizadas, ainda, plenárias abertas, nas quais outras pessoas tiveram a possibilidade de contribuir, aprofundando a experiência democrática e plantando a semente de uma outra cidade possível: uma cidade solidária e de resistência.
Desse modo, nosso Gabinete do Afeto, formado por pessoas e não por robôs, se adiantou na elaboração e na divulgação de nossas propostas, denúncias e análises através de vídeos, quadrinhos, memes, lives e outras ferramentas que, junto à intensa campanha nas ruas se espalharam pela cidade. Assim, foi possível mostrar que também queremos “botar ordem na casa”, porém, ao contrário da candidata do PSL, não faremos isso através de mais cortes e demissões, mas por meio de uma auditoria nas contas do munícipio. Foi possível fazer a defesa de uma cidade que, diferentemente do que propõe o empresário ligado ao ramo da construção civil e representante do PSB, não esteja a serviço das grandes empreiteiras, mas garanta moradia e o protagonismo dos conselhos populares. Foi, ainda assim, possível demonstrar que o General Marco Felício (PRTB), enfatuado da ditadura militar, nada entende de educação, ao passo que defendemos uma educação integral, garantindo esporte, cultura e lazer para o jovem da periferia.
Não podemos deixar de lembrar a participação feminina nas eleições municipais. A esse respeito, no que tange a situação da disputa eleitoral em Juiz de Fora, vem logo à mente aquela velha máxima: “Tenho duas notícias: uma boa e uma ruim, qual você quer ouvir primeiro?”. O senso comum nos diz para escutar primeiro a ruim, porém, comecemos pela boa notícia. Pela primeira vez na história política da cidade, tivemos cinco mulheres disputando o cargo majoritário, o que corresponde a quase 50% do total de candidaturas (ressaltamos ainda a presença de duas mulheres na posição de candidatas a vice-prefeita). Comparado ao contexto nacional, no qual, segundo levantamento feito pelo G1 por meio dos dados presentes no repositório do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apenas 13% dos postulantes ao cargo do executivo municipal eram mulheres, Juiz de Fora se encontra, portanto, significativamente acima da média. Apesar disso, acreditamos que a presença feminina na disputa eleitoral não garante, por si só, que os interesses e as demandas das mulheres serão atendidos. E é aí que entra a notícia ruim. Das cinco candidatas que participaram do 1º turno, somente duas podem ser enquadradas como representantes da esquerda socialista, ou seja, entendem que a emancipação feminina dentro do capitalismo encontra sérias limitações. Em oposição a esta perspectiva, as duas delegadas que concorreram ao pleito (Ione Barbosa do Republicanos e a já citada Sheila Oliveira do PSL) traziam programas que, por intermédio de desmonte e da austeridade, atacavam diretamente as condições de vida das mulheres e, de maneira ainda mais agressiva, das mulheres negras e periféricas. Acreditamos, portanto, que é preciso mais do que representatividade feminina. Não basta ser mulher, é necessário ser feminista e socialista!
PSOL terá primeira vereadora na cidade
Nesse contexto, há, para além de uma boa notícia, uma vitória, uma vez que, no momento em que finalizamos esse texto, Tallia Sobral, da Resistência/PSOL, torna-se a primeira mulher da legenda eleita em nossa cidade. Tallia é mulher, LGBT, ativista, capoeirista, professora de educação física da rede estadual de MG e musicista. Dá aulas de capoeira há 15 anos em projetos e espaços culturais da cidade. É, ainda, integrante do coletivo “de Dandara às Marias”, construído por mulheres capoeiristas e, também, do coletivo Salto!, construído por artistas de Juiz de Fora. Tallia foi eleita com 2.948 votos (1,14%), na 15ª posição, e fará o primeiro mandato do PSOL em Juiz de Fora.
Durante a campanha, desenvolvida coletivamente e com poucos recursos, pautamos no diálogo franco nossa estratégia, expondo com clareza nossa luta por uma sociedade mais justa e livre, traçando a construção de nossa candidatura junto aos movimentos sociais e defendendo a agenda da cultura, da educação e contra todas as formas de opressão.
Durante essa caminhada, ficou claro que Tallia não andaria só, uma vez que ela já experimenta coletivamente, há mais de uma década, o pensar a cidade de forma plural. Na luta contra as opressões, acentuamos nossa posição ao lado da maioria da sociedade composta por mulheres, negras e negros, indígenas e LGBTQIAP+.
Diante disso, independentemente do número de votos conquistados, objetivo que nunca foi prioritário em nossa coligação junto aos camaradas do PCB e da UP, ficou a certeza que muitas mentes e corações foram ganhos através de nossa bonita campanha por uma cidade solidária e de resistência. A recepção relativa à participação nos debates com os outros candidatos e candidatas e, também, nossas redes sociais não nos deixam mentir. Foi incrivelmente positiva e carinhosa nossa acolhida, dando-nos a certeza de estarmos no caminho certo.
*Alex Perim e Gabriel Barbosa Mendes são professores e militantes da Resistência/PSOL.
Comentários