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OPRESSÕES

São centenas de milhares de Marianas Ferrers a cada ano no Brasil

Travesti Socialista
Reprodução

Em 2019, foram registrados 66.123 boletins de ocorrência de estupros no Brasil, mas isso é apenas a ponta do iceberg: estudos mostram que apenas 10% dos casos, ou menos, são denunciados no país. Portanto, centenas de milhares de mulheres e de crianças são estupradas nos país a cada ano. O julgamento de André Aranha, acusado de ter estuprado Mariana Ferrer, causou a revolta de muitas mulheres devido à humilhação e criminalização da vítima pelo advogado de defesa, com anuência do juiz e promotor. Infelizmente, a maioria dos casos de estupro nem sequer é denunciado e, entre os que são, a maioria não termina na condenação do criminoso.

Quantos casos de estupro acontecem no Brasil por ano?

Um levantamento do Ipea de 2013 estimou que cerca de 10% dos casos de estupro são denunciados [1]. Já o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2018, estimou que 7,5% dos casos de ofensa sexual (o que inclui estupro e outros crimes de natureza sexual) são denunciados [2]. Entretanto, ambas estimativas têm uma limitação: elas consideram apenas vítimas que reconhecem que foram estupradas. Infelizmente, devido ao trauma da violência, muitas vezes a vítima nega que foi vítima desse crime.

Considerando a estimativa do Ipea, concluímos que ocorreram entre 600 e 700 mil estupros no Brasil em 2019. Isso são cerca de 1800 estupros por dia, um estupro a cada 50 segundos. Por outro lado, pelo estudo do FBSP, seriam entre 800 e 900 mil estupros em 2019, cerca de 2.300 por dia, um estupro a cada 40 segundos.

87% das vítimas de estupro são menores ou vulneráveis

Outro dado espantoso dos casos relatados é a enorme quantidade de crianças entre as vítimas: 58% delas tinham até 13 anos no momento do registro [3]. Os estupros de vulneráveis (quando a vítima tem até 13 anos ou é incapaz de resistir ao ato, seja por alguma condição mental ou por estar dopada) somam 70% dos casos. As vítimas são adolescentes (entre 14 e 17 anos) em 17% dos casos.

Entre as vítimas, 86% eram do gênero feminino e, entre estas, 24% eram adultas. Já entre vítimas do gênero masculino, 15% eram adultos. Não encontrei dados de 2019 sobre o gênero da pessoa criminosa (em 2018, 96% dos estupradores eram homens).

Em relação à raça, 45% das vítimas eram negras, 55%, brancas, e menos de 1% eram indígenas ou amarelas. Essa desigualdade se deve, sem dúvida, à maior subnotificação de vítimas negras.

Ao contrário do que muitas pessoas pensam, a maioria dos estupradores (85%) são conhecidos das vítimas.

Todos esses dados se referem apenas aos casos denunciados. É difícil estimar a proporção de vítimas por idade, gênero e raça do total de casos, pois a subnotificação dos casos é diferente para cada grupo de vítimas.

Quem é o criminoso: o estuprador ou a vítima de estupro?

“Esse é o único crime no qual a vítima precisa provar sua inocência”, afirmou Debbie Smith, em entrevista ao site Metrópoles [4]. Essa frase sintetiza o principal motivo pelo qual as vítimas de estupro têm medo de fazer a denúncia e também por que, entre as que denunciam, apenas uma minoria terminam na condenação do estuprador.

Porque a mulher que denuncia o estupro é tratada como criminosa em vez de vítima.

Como escrevi em outro texto, foi isso que aconteceu com a mulher que fez uma denúncia contra o jogador Neymar [5]. Por incrível que pareça, isso também aconteceu com a menina de 10 anos que foi estuprada continuamente pelo tio desde que tinha apenas seis anos [6].

Infelizmente, por mais bizarro que tenha sido o julgamento de André Aranha, que na prática se transformou em um julgamento contra a própria vítima, Mariana Ferrer, isso está longe de ser exceção. Isso acontece a rodo, não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro.

Por isso, para combater o estupro, que vitima centenas de milhares (ou talvez mais de um milhão) de pessoas, na vasta maioria crianças, é preciso ir muito além dos tribunais. Temos que combater a cultura do estupro, uma lógica nefasta que transforma a vítima em algoz e o algoz em vítima. Temos que acabar com a cultura de vitimização dos estupradores e fazer com que gênero, identidade de gênero e sexualidade seja debatido nas escolas, para que as crianças saibam, desde cedo, como se defender dos abusadores.

Nossos maiores inimigos na luta contra a cultura do estupro são Bolsonaro e seus apoiadores. Por isso, nessas eleições, devemos combater as candidaturas bolsonaristas e votar nas candidaturas que melhor representam a luta contra o bolsonarismo. Na minha opinião, essas candidaturas são as do PSOL, mas, acima de tudo, é fundamental que as eleições de 2020 expulse os bolsonaristas das prefeituras e câmaras municipais no Brasil.

 

Notas
[1] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-36401054

[2] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/09/10/pais-tem-recorde-nos-registros-de-estupros-casos-de-injuria-racial-aumentam-20percent.ghtml

[3] https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf

[4] https://www.metropoles.com/materias-especiais/estupro-no-brasil-99-dos-crimes-ficam-impunes-no-pais

[5] https://esquerdaonline.com.br/2019/06/09/500-mil-motivos-contra-a-difamacao-da-mulher-que-denunciou-neymar/

[6] https://esquerdaonline.com.br/2020/08/17/uma-crianca-nao-pode-ser-obrigada-a-ter-filho-de-estuprador/