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Especiais

Leia o programa da Bancada Feminista de SP sobre a vida das LGBTQIA+ e a cidade

Reprodução / Facebook

No Brasil, uma pessoa LGBTQIA+ é agredida a cada uma hora; a cada vinte horas uma é assassinada. Mais da metade são pessoas negras, de acordo com pesquisa baseada em dados do SUS. É o país que mais mata mulheres trans e travestis em todo o mundo – e é justamente em São Paulo onde mais casos de violência acontecem, segundo dados de 2019.

Para traçar um caminho de defesa das vidas ceifadas pelo ódio cisheteronormativo que existe por trás da noção moderna e colonial de “espaço público”, para apresentar um programa socialista como um projeto de liberdade na diversidade, precisamos levantar a vida vivida na cidade pelas mulheres de todas as lutas: lésbicas, trans, pessoas intersexo e não binárias.

Acreditamos que é a afirmação e a valorização das diferenças que pode fazer a força e a esperança contra a extrema-direita que governa o Brasil. Apenas a solidariedade e a organização dos diversos setores da classe trabalhadora transformarão efetivamente os rumos do país. Gritar que vidas negras e LGBTQIA+ importam significa levantar a bandeira de todas as vidas, universalmente.

E são muitos os nomes que ecoamos para lutar pela memória das LGBTQIA+ vítimas de uma sociedade de ódio, repressão e miséria sexual: Gisberta Salce Junior, Verônica Bolina, Dandara, Luana Barbosa, Laura Vermont, Anderson Herzer, são nomes que precisam ser lembrados como vítimas da violência do cissexismo e do racismo.

Quem é LGBTQIA+ tem menos direito à cidade porque somos a população mais violentada nos espaços públicos e não podemos recorrer ao policiamento como saída, já que o aparelho policial reforça e repete a violência física, a humilhação social e o estupro corretivo.

Com o crescimento das organizações de extrema-direita, testemunhamos nos últimos anos em São Paulo ataques graves aos Centros de Cidadania LGBT, com ações de grupos fascistas, em combinação com uma política consciente de Estado de desmonte desses equipamentos. No Plano de Metas do Município, a população LGBTQIA+ só aparece em um indicador, sobre encaminhar denúncias de violências. Mas nós só temos condição de existir na hora da violência?

O contexto político agrava as violências que as LGBTQIA+ sofrem no espaço doméstico familiar, com frequente ciclo de expulsão de casa, abrigamentos provisórios em casas de passagem e situação de rua. A moradia é o primeiro dos direitos de que as LGBTQIA+ são expulsas. Mesmo quando pode pagar aluguel, passamos por dificuldades frequentes e recusas dos locadores. Precisamos de programas públicos que incluam a perspectiva LGBTQIA+ na política habitacional.

Junto com o problema da moradia, outra demanda central para garantir dignidade às LGBTQIA+ se trata da formação profissional, emprego e renda. As expressões de gênero são excluídas dos padrões de aparência exigidos para vender a força de trabalho no mercado e se combinam com o racismo. As mulheres negras lésbicas, por exemplo, estão situadas na base da pirâmide salarial. Às mulheres trans e travestis é imposto o trabalho sexual compulsório nas ruas, processo de risco de vida permanente e também de exigência de embranquecimento, como nos lembra Simmy Larrat.

Por isso, formular programas de formação profissional associada à emprego e a renda, melhorando a empregabilidade da nossa comunidade, e combinar com isso ainda o Projeto de Renda Básica Paulistana com prioridade às pessoas trans e travestis, é uma emergência.

Defendemos também que a política de combate à especulação imobiliária e ao processo de gentrificação na cidade é uma luta contra a expulsão da população LGBTQIA+ das áreas centrais, contra a violência lgbtqifobica. Nesse aspecto, é imprescindível que a Guarda Civil seja devidamente formada e treinada, que haja controle social e externo das forças da segurança pública, além de um trabalho de prevenção e desarticulação dos grupos de ódio organizados.

A assistência social à nossa comunidade só pode ser efetiva se houver ampliação e qualificação humanizada e interdisciplinar dos centros de atendimento e suas vagas. Mas, não começamos do zero: olhar para a experiência de formulação e aplicação do Projeto Transcidadania (Decreto n. 55.874 de 2015) é fundamental para entender o processo construído pelo movimento. A experiência demonstrou que políticas de qualificação e formação profissional combinadas com a educação básica são fundamentais.

Importa a crítica à tendência geral de privatizações, terceirizações e concessões dos serviços públicos de referência para ONGs e Organizações Sociais que, por um lado, frequentemente não guardam qualquer interesse em fazer uma defesa integral e efetiva do público atendido e, por outro, precarizam os contratos de trabalho dos profissionais da ponta dos serviços.

Outra questão enfrentada como consequência da anulação dos corpos que não são cisheteronormativos é a completa incapacidade do nosso sistema público de saúde atual em adotar políticas preventivas a doenças dirigidas ao público LGBTQIA+. Não há qualquer programa ou protocolo de formação profissional nos equipamentos públicos para os agentes de saúde.

O mesmo apagamento também ocorre na instituição de políticas públicas de cultura, sendo dever nosso levantar a valorização da voz e do lugar de produção das LGBTQIA+. Uma mandata LGBTQIA+ terá como prioridade investir nas Casas de Cultura e em programas de geração de emprego e renda para a nossa comunidade a partir da produção cultural.

Também devemos pensar nas existências LGBTQIA+ nos diversos momentos da vida: infâncias, juventudes, maturidades, envelheceres. Refletir como na infância e na juventude a educação pode acolher as LGBTQIA+ que sofreram abandono parental e estatal; superar a omissão educacional que leva à prostituição forçada de muitas e ao escandaloso percentual de suicídios na adolescência.

Por isso, elaborar mecanismos pedagógicos e institucionais de apoio à população LGBTI+ nas escolas é outra necessidade latente, com a exigência de implementação de um currículo de educação sexual nas escolas, que oriente a formação continuada dos trabalhadores da educação, que consiga aproximar pais e mães desse debate e que, finalmente, combate a violência nas escolas e nas famílias.

Do mesmo modo, pretendemos incorporar a bandeira dos direitos das pessoas intersexo em São Paulo, que não tem direitos desde o seu pré-natal, já que o reconhecimento de uma criança que nasce intersexo é comprometido pelo impedimento de registro do nascimento. Mesmo que a Lei n. 12662 de 2012 preveja o registro de bebês intersexo sem definir o sexo, isso não é cumprido no Brasil. É a lógica binária sendo exercida violentamente sobre os corpos, reproduzindo a ideia falsa de que, na natureza humana, só existem meninas e meninos. Adultas intersexo convivem com marcas e dores pela mutilação genital das cirurgias de intervenção em seus corpos. Sermos uma candidatura de defesa das pessoas intersexuais é mostrar que elas existem e são um em cada 100 nascimentos; tornando essa realidade visível, combatemos a normatização dos nossos corpos e vidas.

Por fim, queremos dizer que nossa atuação na Câmara de Vereadores também terá no horizonte a necessidade de construir as nossas autonomias: não queremos ser institucionalizadas, depender das estruturas institucionalizadas, de acolhimentos provisórios. Queremos parar a roda da violência contra nós.

Temos como objetivo sermos livres e felizes nesta cidade, de transitarmos em todos os espaços da maneira como nós somos. Afinal, o corpo é o primeiro território a ser ocupado. Para essa estratégia de liberdade, queremos lembrar que é a mobilização popular e a organização permanente dos movimentos sociais que gera efetivamente mudanças. Também sabemos que nenhum desenho de política pública vai ser capaz de enfrentar, sozinho, a violência histórica que se aprofunda hoje, por isso, não abrimos mão da força insubstituível das ruas.

Se somos o ingrediente fundamental com que Bolsonaro mobiliza sua base social, em resposta, fortaleceremos a organização coletiva, a unidade dos diversos setores da classe trabalhadora em defesa das vidas e da nossa dignidade.

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