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OPRESSÕES

Justiça sem feminismo é barbárie!

Resistência Feminista RJ

Em 1979 um júri marcou a história do movimento feminista no país. Doca Street era absolvido pelo assassinato de Ângela Diniz após os jurados serem convencidos de que ele teria agido “em legítima defesa da honra”, uma excludente de ilicitude inexistente no ordenamento jurídico. A defesa fundamentou sua narrativa na construção da imagem de Ângela como uma “vênus lasciva”, “dada a amores anormais”, em referência a um relacionamento homossexual que tivera.

Em 2020 André de Camargo Aranha foi absolvido do crime de estupro, cuja vítima foi a modelo Mariana Ferrer, sob a tese de que não foi possível, pelo conjunto probatório dos autos, comprovar que Mariana não estava em condições de consentir o ato sexual. Em seu depoimento, Marina relata os momentos de angústia ao ter ingerido involuntariamente uma substância que a dopou e a fez perder a memória por várias horas durante o ato criminoso. Por este motivo, ela não foi capaz de reconstruir com detalhes o episódio criminoso. É importante destacar que o ato sexual foi comprovado pelo reconhecimento de vestígios de material genético do réu nas roupas de Mariana.

Assim como em 1979, a defesa de André se destacou pela atuação na audiência com a presença da vítima: em meio ao depoimento de Mariana, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho esmerou-se em expor fotografias nas quais ela fotografava como modelo.

Confirmando a repetição da história como farsa, o advogado, naquele momento, personificou com certo gozo uma dada cultura do estupro ao afirmar que nas citadas fotos Mariana tinha “o dedinho na boquinha” e que posava em “posições ginecológicas”. Qualquer semelhança com a imagem de Ângela Diniz como uma “vênus lasciva” não é mera coincidência.

Nenhuma das fotos expostas continha qualquer relação com a noite em que Mariana denuncia ter perdido a consciência e ter sido estuprada. No entanto, aquela sala de audiências apresentou-se como o local ideal para que o advogado pudesse conduzir, com a tranquilidade complacente dos representantes do Estado presentes – juiz, promotor e defensor público – questionamentos sobre a sua moral e ilações sobre a vida sexual pregressa. Tal qual Ângela Diniz, Mariana Ferrer viu-se em um teatro com cadeiras já marcadas no qual o lugar reservado às mulheres é o da célebre personagem de Chico Buarque: “Geni”.

É fato que o campo jurídico, como espaço de interpretação de leis, normas, decretos e regulamentos para sua adequação aos casos concretos é um espaço que comporta alguma margem para a criatividade, sendo certo que o conjunto normativo estatal jamais será suficiente para regulamentar o cotidiano.

No entanto, questionemos: de 1979 a 2020, que lugar é este no qual uma mulher é tão facilmente humilhada sob a justifica do fazer-se da justiça? Como chegamos – ou nunca saímos – deste lugar de completa desumanização das mulheres, de seu corpo, de sua palavra?

Em memória de Ângela Diniz, o poeta Carlos Drummond de Andrade assim se manifestou: “Aquela moça continua sendo assassinada todos os dias e de diferentes maneiras”. Mariana Ferrer não está morta. Pelo contrário: está viva para viver o fim desta história. E o fim desta história não é fim de mais um processo judicial que reproduz, reitera, renova e reforça a cultura do estupro, mas sim a organização de todas as mulheres que irão reverberar em uma só voz a potência de Ângelas, Marianas, Marielles, Luísas.

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