Pular para o conteúdo
EDITORIAL

Derrotar Trump e seguir nas lutas por direitos, contra as opressões e em defesa do meio ambiente

Editorial de 02 de novembro de 2020

English version: US Elections: Defeat Trump and carry on fighting for rights, against oppression and defending the environment

 

Desde que começou a campanha eleitoral americana há um grande interesse no mundo sobre seus resultados. Na reta final da eleição, a pandemia do Coronavirus volta a crescer, a economia deu sinais de recuperação no 3º trimestre e a polarização e divisão do País se acentuou, podendo levar o resultado da eleição para a Suprema Corte americana.

A geopolítica nacionalista de Trump abala o prestígio americano

Em 2016 Donald Trump se elegeu com uma clara definição geopolítica: “Estados Unidos primeiro”. Isto significava uma clara opção pelo nacional-populismo e um desprezo pelo multilateralismo neoliberal de seus antecessores. Sob o governo Trump os Estados Unidos se retiraram do Acordo de Paris pelo clima, boicotaram o Órgão de Apelações da Organização Mundial do Comércio, questionaram o papel da OTAN, exigindo contribuições maiores dos países membros, e também se retiraram da Organização Mundial da Saúde em plena pandemia.

Como resultado da política externa de Trump, o prestígio do governo americano entre seus aliados caiu a níveis baixíssimos. Segundo o Centro de Pesquisas Pew, a média de desconfiança em Donald Trump em 13 países aliados, entre eles Alemanha, França, Reino Unido, Espanha, Canadá, Japão, Coreia do Sul e outros, está em 83%. Esta situação não satisfaz a maioria da burguesia americana, porque atrapalha a sua disputa pelo mercado mundial com a China, particularmente neste momento de agravamento da crise econômica.

A política externa americana com Trump se afastou da estratégia de segurança nacional (NSS) de 2017, que tinha o enfrentamento ao terrorismo como prioridade, passando a enfrentar Estados, particularmente grandes potencias como a Rússia e, principalmente, a China, consideradas as maiores ameaças a hegemonia dos EUA. Pode-se dizer que esta estratégia, principalmente em relação à China, iniciada por Obama embora não elevada ao nível de (NSS), deu resultado no terreno nacional: 73% dos americanos veem o país asiático de forma desfavorável. Em 2017 este índice era de 47%. Outro braço da política externa americana foi que a NSS enquadrou o Irã, a Coréia do Norte e, também, a Venezuela como países do “eixo do mal”.

A promessa de Trump de “acabar com as guerras sem fim” não foi cumprida. Há menos conflitos militares no Iraque, Afeganistão e na Síria, mas as tropas americanas continuam nesses países. No Mar do Sul da China, rota responsável por 30% do comércio marítimo mundial, a presença dos EUA se intensificou ainda mais, provocando fortes escaramuças regionais. No enfrentamento com a Coreia do Norte, Trump não conseguiu acabar com os testes nucleares e ainda aumentou o prestígio de Kim Jong-un. Na América Latina a política de Trump de tentar derrubar o governo de Nicolás Maduro foi um verdadeiro fracasso, mesmo contando com o apoio das principais potências imperialistas e da maioria dos governos latino-americanos, como o governo Bolsonaro. No Oriente Médio aumentou ainda mais o apoio incondicional a Israel e buscou formar um eixo anti-Irã entre os países da região.

Sob Trump, a defesa do emprego dos norte-americanos, além de uma suposta política de defesa da industrial nacional, que colocou abaixo acordos comerciais anteriores, foi marcada por uma perseguição xenófoba aos imigrantes, promovendo a construção do muro na fronteira mexicana, separando pais e filhos que entram ilegalmente nos EUA, impedindo a comunicação entre as famílias, enviando centenas de crianças para o México desacompanhadas de seus pais ou responsáveis, além de dificultar a entrada de cidadãos mulçumanos nos EUA.

A dupla crise de saúde e econômica e o levante antirracista colocam Biden como favorito

Por todos os ângulos em que se avaliam as possibilidades eleitorais dos dois principais candidatos, Biden aparece como favorito. É assim nas pesquisas de intenção de voto, onde Biden tem 52% da preferência dos eleitores, contra 43% de Trump. Biden também é o favorito no colégio eleitoral, já que as análises projetam 290 delegados para Biden (o vencedor precisa de 270 votos para se eleger) e 125 para Trump. Há ainda 123 delegados em disputa, nos chamados “swing states” (estados pêndulos), onde o voto dos eleitores oscila entre o Partido Democrata e Republicano a cada eleição presidencial. Nestes estados a vantagem entre Biden e Trump é bem menor, havendo um empate técnico entre os dois na maioria deles.

Antes da pandemia o cenário eleitoral americano era bem diferente. Trump gozava de apoio popular baseado no crescimento sustentável da economia por 10 anos seguidos, que garantiu um índice baixíssimo de desemprego de 3,5%, o menor em 70 anos. Tudo indicava que Trump era o favorito a reeleição.

No entanto, tudo mudou com a chegada do Coronavírus ao País. Hoje, os EUA amargam o primeiro lugar no mundo em número de contaminados e mortos. Já são mais de 9 milhões de pessoas infectadas, sendo que o País já está vivendo uma segunda onde de contágio, com 100 mil casos notificados no dia 30 de outubro, um recorde de novos casos em um único dia. As mortes já somam 229.672 pessoas, em sua maioria de mulheres e homens negros e latinos. Essa tragédia no maior país imperialista do mundo, que conta com recursos ilimitados é de total responsabilidade de Donald Trump, que não enfrentou a pandemia, preferindo disseminar desconfiança na ciência e produzindo uma avalanche de fake news, já que sua opção foi pelo lucro acima das vidas. O tiro saiu pela culatra. Apenas 21% avaliam o desempenho de Trump como positivo no enfrentamento a pandemia. Não podemos esquecer que a saúde nos EUA é privada o que faz com que milhões de americanos pobres não possam pagar por um tratamento adequado sem contrair enormes dívidas para o resto da vida.

A economia deu sinais de recuperação nesta semana, com o anúncio do crescimento relativo do PIB de 7,4% no terceiro trimestre, ante a queda de 9% no segundo trimestre deste ano. Este crescimento foi impulsionado pelo forte crescimento do consumo (40,7% na taxa anualizada), graças aos programas de auxílio, que hoje beneficiam 23 milhões de americanos.

Mesmo com esse resultado econômico conjuntural positivo, muitos analistas dizem que é cedo para qualquer comemoração. Primeiro porque a avaliação dos economistas é de que a economia vai desacelerar até 2021, porque os problemas estruturais persistem: aumento dos casos e mortes pelo Covid 19, que provocaram queda nas bolsas de todo o mundo, e uma taxa de desemprego de 7,9% ou 12,6 milhões de pessoas, além de outros 6,3 milhões que estão em jornada parcial pela crise econômica. O desemprego entre a população negra é de 12,1%. Segundo os analistas de mercado, a recuperação dos empregos nos EUA levará pelo menos 16 meses para voltar ao patamar de antes da pandemia.

Black Lives Matter

O levante antirracista é o terceiro elemento, e o mais importante, que dificulta a reeleição de Trump. Os protestos antirracistas começaram em maio, em reação ao assassinato de George Floyd. Liderados pelo movimento Black Lives Matter, as manifestações se alastraram pelos Estados Unidos com o apoio e a participação da população não negra, atingindo mais de 2.000 cidades em 60 países, e até julho calcula-se que entre 15 e 26 milhões de pessoas tenham participado das mobilizações nos EUA.

A lição aprendida nas ruas e nas lutas como a greve de professores, a passeata de mulheres contra Trump, a luta contra a Amazon está longe de se esgotar. A cada novo ato de violência policial contra a população negra americana, as mobilizações são retomadas. Essas mobilizações conquistaram vitórias parciais importantes como a revisão das condutas policiais e o fim da imunidade policial, gerando inúmeras propostas de Lei em nível municipal, estadual e federal, que se aprovadas farão uma profunda reestruturação das forças policiais americanas.

A pandemia crescente, a economia em lenta recuperação e a classe trabalhadora mobilizada contra o racismo, fazem de Biden o mais provável vencedor das eleições em 3 de novembro. No entanto, ninguém arrisca afirmar categoricamente que Trump já esteja derrotado. Em primeiro lugar, porque as eleições nos EUA são indiretas, e as pesquisas apontam uma indefinição entre os dois candidatos nos estados chaves (com leve vantagem para Biden), com maior número de delegados no Colégio Eleitoral.

Em segundo lugar, porque o bom desempenho da economia no terceiro trimestre pode influenciar grande parcela dos americanos que veem este como o principal problema do País. Não se podem descartar também os efeitos dos auxílios recebidos pelos americanos desempregados. Lembremos o efeito do Auxílio Emergencial no aumento da popularidade de Bolsonaro.

Em terceiro lugar, porque embora já tenham votado antecipadamente 85 milhões de pessoas, de um total de cerca de 233 milhões de eleitores, fazer com que o eleitor compareça às urnas é uma luta de todos os candidatos a cada eleição, na medida em que o voto não é obrigatório. Neste aspecto Trump leva vantagem sobre Biden, já que os eleitores republicanos, em geral, têm maior comparecimento às urnas, embora nas eleições de 2020, a maioria dos que votou antecipadamente é de eleitores democratas. Tradicionalmente, os estados de maioria republicana dificultam o registro eleitoral da população negra, porque esta vota majoritariamente no Partido Democrata. Não por acaso os democratas colocaram Kamala Harry, uma mulher negra e imigrante, como vice de Biden, e elegeram o chamado ao voto dos negros como um dos centros de sua campanha.

Por fim, a hipótese mais provável é que dada a grande polarização nas eleições deste ano o processo seja judicializado em vários estados, o que poderá adiar a proclamação do vencedor, se chegar à Suprema Corte, onde Trump tem maioria folgada de 9 x 3. Não esqueçamos que Trump coloca condicionantes para acatar o resultado eleitoral e tem feito severos ataques a votação, como no caso dos votos pelo Correio, em que afirma a possibilidade de fraudes por parte dos democratas.

Nenhuma confiança em Biden ou no seu governo

A derrota de Trump é uma enorme vitória. Todos aqueles que lutam querem se ver livre dele o mais rápido possível. Afinal, a derrota de Trump, se não vai destruir o avanço do neofascismo no mundo, vai enfraquecer muito as organizações e governos da extrema-direita. É compreensível que a vitória de Biden traga alegria e alívio para vários setores de massas pelo mundo. Entendemos a simpatia que um futuro governo Biden-Harris representa, frente à ameaça fascista que Trump representa. No entanto, não devemos depositar ilusões numa possível administração Biden.

Biden e Trump são diferentes na forma de governar, porque presentam setores e interesses de distintos setores da burguesia imperialista. Mas, do ponto de vista estratégico, para resolver as crises capitalistas, fazem e farão o que todo governo burguês faz: ataca os direitos da classe trabalhadora. Não se pode esquecer que Biden conta com o apoio dos maiores grupos econômicos do país e, por exemplo, já se declarou contrário à gratuidade da saúde ou a dissolução da polícia como reivindicado pelos movimentos sociais americanos. Um futuro governo Biden é a chance da burguesia americana se reunificar para disputar a hegemonia mundial pós-pandemia, e para melhor atacar a classe trabalhadora nos EUA e no mundo. Biden fará um governo imperialista e racista e, portanto contra a classe trabalhadora.

Podemos esperar uma mudança geopolítica com Biden que voltaria ao multilateralismo, buscando a reaproximação com a União Europeia, reconduziria os Estados Unidos aos acordos e organizações internacionais abandonados por Trump, como a OMS ou o Acordo de Paris. Analistas afirmam que a relação com a China teria pouca diferença em relação à Trump, na medida em que a essência das hostilidades se dá pelo fato de que a China é um forte competidor ao papel de liderança mundial dos EUA. É isto que está na base dos conflitos. Não por acaso o enfretamento com a China começou com Obama. Com relação a Israel Biden afirmou categoricamente que seguirá com o apoio incondicional ao estado sionista.

Em relação à Venezuela a política seria essencialmente a mesma: derrotar o governo Maduro, para poder concretizar os planos imperialistas de se apossar das riquezas venezuelanas como o petróleo e minérios, intensificando as políticas de bloqueio ao País, mas afastando, por enquanto, as ameaças de invasão militar ao território venezuelano. A relação com o Brasil, apesar de possíveis diferenças com Bolsonaro no terreno político, devem ser amigáveis no terreno econômico, já que o Brasil é uma das maiores economias do mundo, e os EUA precisam recuperar as posições comerciais perdidas para a China, que hoje é o principal parceiro do Brasil.

Assim, do ponto de vista da classe trabalhadora, um governo democrata ou republicano não será diferente na hora de atacar nossos direitos, salários, empregos, e provocar guerras quando se trata de defender os negócios diante da crise capitalista. Da mesma maneira não colocará um fim à opressão e a destruição do planeta, que são produtos diretos do capitalismo. Na opressão e exploração da maioria da população mundial e de nosso planeta, prima a unidade dos governos burgueses imperialistas para garantir seus interesses globais e de suas empresas.

Nossa confiança e esperança estão depositadas nas lutas anticapitalistas dos milhões de trabalhadores, mulheres, na juventude negra, branca e latina que levaram às ruas a luta contra o racismo, o fascismo, o machismo, a lgbtfobia, que quer garantir direito à saúde, ao emprego e a renda, e em defesa do clima. Esperamos que essas lutas se desenvolvam e construam uma opção política independente dos explorados e oprimidos dos EUA, superando o bipartidarismo, na mais poderosa nação do mundo.

 

LIVE | Com Robert Cliffy, dos EUA