Algumas questões sobre a nova aceleração da pandemia na Europa

A estratégia dos socialistas diante do novo crescimento da Covid-19 e os limites impostos pelo recorde de novos casos e a preocupação com a subida de mortes

André Freire, de Lisboa, Portugal

Angela Merkel, chanceler da Alemanha

O crescimento de uma nova onda de contágio da Covid-19 já é uma realidade na maior parte do continente europeu. A situação demonstra de forma inequívoca que a pandemia está muito longe de ser um problema superado.

Os dados falam por si. Os novos casos cresceram de forma significativa nas últimas semanas, e em alguns países já se bateu o recorde de casos diários desde o início da pandemia, como em Portugal e na França. Segundo o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom, o número de casos na Europa chega a ser três vezes superior ao apresentado no pico anterior da doença, entre março e abril. 

Apenas na última quinta-feira, dia 15 de outubro, 150 mil novos casos foram contabilizados no continente. Segundo a OMS, na semana passada já tinha ocorrido um aumento de 34% dos casos na Europa. Nos últimos 10 dias, houve um crescimento de 1 milhão de novos infectados pela doença. 

Os novos casos crescem em ritmo acelerado em países que já tinham sido atingidos de forma contundente pela doença no primeiro semestre. Por exemplo, Reino Unido, França, Rússia e o Estado Espanhol foram responsáveis por mais da metade dos novos casos contabilizados na semana passada. Mas, a situação já preocupa novamente  também na Itália e na Alemanha. 

Este crescimento, entretanto, começa a chegar em países que tinham sofrido relativamente menos com a doença anteriormente, como Portugal e os da chamada Europa central, como a Polônia.

Começa a subir também o número de novas mortes pela Covid-19 na região, mesmo que ainda num ritmo menos acelerado do que o de novos contágios. Na última semana, o número de mortes cresceu pelo menos 16%, em comparação a semana anterior. 

Portanto, a situação já é muito preocupante, pois começa a crescer também o percentual de ocupação dos leitos disponíveis nos sistemas de saúde de vários países, demonstrando inclusive os efeitos nefastos dos planos de austeridade, com uma política de cortes sistemáticos nos investimentos na saúde pública.

Esta situação vem obrigando os governos a retomarem medidas que já tinham sido abandonadas ou flexibilizadas, provavelmente de forma precipitada na maioria dos países. Destacam-se medidas já conhecidas, como a orientação de uso obrigatório de máscaras mesmo em espaços públicos abertos, a proibição de aglomerações e de festas, fechamento de parques, cuidados com a higiene das mãos, entre outras.

Mas, não se pode descartar que a situação possa ser agravar ainda mais, chegando a impor a necessidade de medidas de mais impacto, como uma nova política de confinamento, com a suspensão de jornada de trabalho presencial e do funcionamento das escolas. De fato, em algumas cidades francesas, medidas de confinamento parcial já estão sendo tomadas.

Portanto, volta a estar também no centro do debate politico a consequência econômica da chamada “segunda onda” da pandemia na Europa. As análises mais otimistas que apontavam a possibilidade de uma recuperação rápida das economias da região, começam a se revelar de fato improváveis. 

E a combinação perversa entre a crise sanitária advinda da pandemia e a significativa queda do desempenho das economias da região já deve acender um “alerta vermelho” sobre as consequências sociais para a maioria explorada e oprimida das populações destes países, que já sofrem, por exemplo, com o crescimento do desemprego, da precarização do trabalho, da perseguição aos imigrantes e com os limites das políticas de proteção social atuais. 

Combater o “vírus da austeridade”

Os partidos de esquerda e os movimentos sociais devem reafirmar, novamente, que diante da grave situação imposta pela pandemia nós defendemos que a vida da maioria deve estar acima dos lucros das grandes empresas e bancos. Ou seja, as medidas sanitárias serão realmente eficazes se forem acompanhadas da ampliação da proteção social para os mais vulneráveis e pelo respeito aos direitos sociais do povo trabalhador. 

Não é possível combater seriamente o vírus da Covid-19 sem combater outro “vírus” terrível, os chamados planos de austeridade, impostos pela troika nos últimos anos. Como também é preciso se dizer, com “todas as letras”, que a pandemia é uma das consequências mais visíveis da terrível crise ambiental imposta pela produção desenfreada do capitalismo, que visa apenas o lucro, trazendo uma cada vez maior destruição da natureza.

A pandemia demonstrou as consequências mais nefastas da ganância capitalista e da crise deste sistema econômico, com seus brutais efeitos na vida da maioria dos povos e para a própria existência do planeta. Não há saída indolor. Mais do que nunca se revela necessário e urgente que o 1% de super-ricos, especialmente as grandes empresas e bancos, percam pelo menos parte de seus lucros exorbitantes para que se recomponha e se amplie uma política de efetiva proteção social da maioria, por exemplo, com um aumento significativo de investimentos sociais e na geração de empregos.

Se os grandes capitalistas seguirem ganhando com a crise, a vida da classe trabalhadora, principalmente dos imigrantes, dos negros e negras, das mulheres e da população LGBTQIA+, só vai piorar. A própria defesa do nosso planeta exige o combate permanente a ganância pelo lucro dos grandes capitalistas. 

A profundidade da crise desnudada pela pandemia vem demonstrando que mesmo experiências de governo que apenas criticam de forma tímida, pontual e limitada os planos de austeridade da União Europeia irão fracassar diante da gravidade da crise social que já existe hoje e deve se aprofundar nos próximos meses.

Inclusive, o combate prioritário aos projetos ultra-autoritários de extrema direita e neofascistas, exige dos socialistas a afirmação de uma saída programática oposta, anticapitalista. Nosso objetivo principal deve ser ampliar o diálogo, a organização e a mobilização dos explorados e oprimidos. E, para isso, devemos apresentar a todo o momento medidas de transição bem concretas que busquem proteger a vida e os direitos sociais e democráticos da maioria do povo.