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BRASIL

Ser professor(a) hoje: Um desafio contra a barbárie

Euclides Braga Neto, professor da Secretaria de Educação do Ceará
Banksy

As forças destrutivas avançam na velocidade galopante dos cavaleiros do apocalipse. A grande questão que se coloca para os próximos anos é se conseguiremos superar a barbárie capitalista, antes que ela destrua as condições ambientais e sanitárias que permitem a existência da humanidade. O aprisionamento do atual salto tecnológico das ciências computacionais e das telecomunicações na camisa de força do monopólio privado dos meios de produção faz com que as ferramentas que poderiam servir para melhorar a vida humana e preservar o planeta sejam colocadas a serviço da sua destruição.

Com o objetivo de elevar em níveis estratosféricos as taxas de lucro de suas megacorporações, um punhado de multibilionários montou uma gigantesca máquina que une elevada tecnologia da informação ao militarismo bárbaro e à religiosidade tacanha, tudo isso para garantir um amplo e, ao mesmo tempo, cirúrgico controle social. A chamada Inteligência Artificial e seus algoritmos não passam de instrumentos para perpetuar a exploração e opressão capitalistas. Esta tecnologia excepcional é utilizada hoje em larga escala como alavanca de um retrocesso civilizacional que nega a razão, a ciência, o humanismo e promove a irracionalidade, a superstição, o ódio e a guerra de todos contra todos.

A negação das crises ambiental, sanitária, econômica e social que afetam a maioria absoluta das populações do planeta não é fruto simplesmente da estupidez humana, mas uma campanha orquestrada e financiada com bilhões de dólares. A promoção de políticos de extrema-direita e suas pautas reacionárias em todo mundo não se deve meramente a uma guinada das massas movidas por instintos primitivos, mas à manipulação desses mesmos instintos para promover o medo e o desespero, conduzindo à busca de líderes carismáticos e soluções de força que só acabam fomentando o massacre dos setores sociais mais vulneráveis da classe trabalhadora.

Ser professor neste contexto é um desafio hercúleo, que vai muito além de ensinar determinados conteúdos históricos, culturais e científicos acumulados pela humanidade durante séculos. Trata-se de lutar para defender a história, a cultura e a ciência. Trata-se de preservar as grandes conquistas dos métodos de estudo e pesquisa científica, em todas as áreas do conhecimento humano, contra o obscurantismo e a fraude negacionista. Trata-se de favorecer o direito ao contraditório, o debate e a polêmica como parte do processo de ensino-aprendizagem. Trata-se, enfim, de defender a humanidade e o planeta contra a insanidade da barbárie capitalista.

O capital financeiro tem plena consciência do perigo que os professores representam atualmente à sua nova máquina de propaganda. Não é à toa que governos como os de Trump e Bolsonaro os elegeram inimigos públicos. Não é por menos que pastores obscurantistas os desqualifiquem e policiais fascistas os ameacem com armas em punho. Não é gratuito que os professores sejam cada vez mais desvalorizados e responsabilizados pela crise da educação escolar. Por isso, o achatamento brutal dos salários, a precarização sem igual das condições de trabalho, o aumento vertiginoso das horas trabalhadas online e o desemprego em massa são as recompensas pagas pelo capital financeiro aos professores do século XXI, por seus serviços prestados na formação educacional e profissional de milhões de seres humanos.

Reduzido à condição de um trabalhador precarizado, com salários baixíssimos, sem direitos elementares e submetido a uma jornada extenuante e repetitiva, não há saída coorporativa ou específica para a profissão de professor. Seu destino se confunde com o mesmo infortúnio das demais profissões assalariadas. A tendência é que ele se limitará a um reprodutor de conteúdos numa linha de produção em série. Este é o objetivo do capital financeiro: reduzir o professor a um apêndice da Big Data, da Inteligência Artificial, das plataformas de ensino remoto.

Neste marco, suas reivindicações econômicas e sociais se confundirão numa perspectiva mais estreita com as do conjunto da classe trabalhadora. Para lutar contra a destruição das suas condições de vida e trabalho, o professor terá que enfrentar também sua alienação. Ele precisará se enxergar cada vez mais como parte do exército dos explorados e oprimidos: semelhante a um apertador de parafusos, parecido a um atendente de telemarketing, está se convertendo num digitador de teclados.

Mas esta perspectiva sombria não está escrita nas estrelas. Ela dependerá da luta de classes, da capacidade de, mais cedo do que tarde, os explorados e oprimidos se levantarem contra a Matrix do capital financeiro. Nesta jornada, o professor poderá se colocar na condição de Morfeu que ajudará à formação política e teórica de Neo, o novo e diverso proletariado do século XXI, para que este conduza a humanidade à destruição da Matrix e à superação definitiva da barbárie capitalista. Só podemos compreender aquilo que é possível transformar. E, se podemos transformar, é possível compreender. Deste desafio hercúleo não se pode abrir mão, na medida em que é isso que nos faz humanos.