O cenário eleitoral e os desafios da esquerda

Editorial de 15 de outubro de 2020
Guilherme Boulos discursa em cima de uma kombi, em atividade de campanha. Ele usa máscaras. Em torno dele, cinco ou seis pirulitos de campanhas para vereador(a).
Divulgação/BouloseErundina

A um mês da votação do primeiro turno das eleições municipais, a disputa eleitoral se acirra em todo o país. Três forças políticas principais se apresentam neste pleito.

A direita tradicional (DEM, PSDB e MDB) e os partidos do Centrão compõem o primeiro campo, que representa a opção preferencial da burguesia brasileira na maioria das cidades. O segundo é formado pelas candidaturas bolsonaristas e outras variantes de extrema direita, distribuídas em diversas siglas de aluguel. O terceiro campo é constituído pelas candidaturas da esquerda (PSOL, PT, PCdoB, UP, PSTU e PCB), representando as alternativas ligadas à classe trabalhadora. Há ainda as candidaturas da centro-esquerda (PDT, PSB e REDE).

A disputa política nas cidades ocorre em um contexto em que a pandemia, apesar da redução do número de casos e mortes nas últimas semanas, segue descontrolada, infectando dezenas de milhares e ceifando centenas de vidas todos os dias. Importa destacar também o quadro de crise social marcado pelo alto índice de desemprego, aumento da inflação dos alimentos e corte pela metade no auxílio emergencial pago a cerca de 60 milhões de brasileiros.

Em um momento em que Bolsonaro abraça a “velha” política, costurando acordos com o Centrão no Congresso e com ministros do STF, ganha ainda mais importância o combate da esquerda contra o bolsonarismo e a direita tradicional nas eleições municipais.

Bolsonaro rejeitado em capitais importantes

O resultado das eleições municipais certamente será influenciado pelo embate entre o bolsonarismo e o anti-bolsonarismo.

Pesquisas de opinião revelam que, em que pese o recente ganho de popularidade, a rejeição a Bolsonaro é elevada em diversas capitais. De acordo com o Ibope, em São Paulo, a maior cidade do país, a gestão de Bolsonaro é considerada ruim ou péssima por 48%, enquanto 27% consideram ser ótima ou boa. Em Salvador,  o índice de ruim e péssimo chega a 62%. Em Porto Alegre, 50% rejeitam o governo. Em Florianópolis, 47%; e, em Recife, 43%.

Mas há capitais onde a aprovação de Bolsonaro é alta. Em Curitiba, 40% dos eleitores consideram o governo ótimo ou bom. Em Goiânia, 44% avaliam positivamente Bolsonaro. Em João Pessoa, 43%. Em Maceió o governo também tem resultado expressivo.

E há também capitais divididas na avaliação de Bolsonaro. Em Belo Horizonte, 41% avaliam o governo como ruim ou péssimo, enquanto 39% o consideram ótimo ou bom. No Rio de Janeiro, 38% o rejeitam, contra 34% que o aprovam. Em Natal, verifica-se 39% de rejeição e 37% de aprovação.

Nas cidades em que Bolsonaro é majoritariamente rejeitado, abre-se espaço para vitória de candidaturas que se colocam como oposição ao governo. Por outro lado, nos municípios em que Bolsonaro é bem avaliado, é maior a possibilidade de que candidatos da extrema direita ou aliados do governo sejam eleitos. Vale notar que muitos candidatos do Centrão, e mesmo do DEM, PSDB e MDB, fazem discursos de apoio a Bolsonaro, expressando maior proximidade destas forças com o governo federal.

O cenário inicial indica força da direita tradicional

Segundo as pesquisas disponíveis neste momento, antes do início da campanha eleitoral no horário das TVs e rádios, a situação atual é que a esquerda lidera em três capitais: em Belém, com Edmilson Rodrigues (PSOL); em Porto Alegre, com Manuela D’Ávila (PCdoB); e em Vitória, com João Coser (PT). A esquerda está em segundo em duas capitais, em Fortaleza, com Luizianne Lins, e em Recife, com Marília Arraes, ambas do PT.  Vale destacar que, em São Paulo, a intensa dinâmica da campanha de Boulos (PSOL) pode surpreender e disputar a ida ao segundo turno.

A centro-esquerda, organizada em torno do projeto de Ciro Gomes lidera em Recife, com João Campos, e em Macapá, com Capi, ambos do PSB. A direita tradicional capitaneada pelo DEM, PSDB e MDB, partidos que concentram a representação tradicional da burguesia, e se articularam em torno de Rodrigo Maia no Congresso Nacional, lidera em pelo menos sete capitais.

O DEM está na frente com Gean Loreiro em Florianópolis (44%); Rafael Greca, também prefeito (47%) em Curitiba; Bruno Reis em Salvador (43%), com o apoio do atual prefeito ACM Neto, e Eduardo Paes, ex-prefeito no Rio de Janeiro (27%). Em Belo Horizonte, o atual prefeito Kalil, do PSD de Kassab, lidera com 58%.

Bolsonaristas declarados, por sua vez, lideram em três capitais com pesquisas publicadas: em São Paulo, com Russomano (Republicanos); em Fortaleza, com Capitão Wagner (PROS); e com Eduardo Braide (Podemos) em São Luis.

O papel do PSOL e a importância de Boulos em SP

Na maioria das capitais, não foi possível a concretização de uma Frente de Esquerda, o que seria importante para a luta política contra o bolsonarismo e a velha direita. Prevaleceu os interesses específicos dos partidos. O PT luta para manter sua hegemonia na esquerda, que está em declínio. O PCdoB batalha para sobreviver à clausula de barreira. O PSOL, por sua vez, busca manter a dinâmica de crescimento.

Do ponto de vista do PSOL, o partido se coloca, corretamente, como instrumento útil na luta contra o governo neofascista, ao mesmo tempo em que se apresenta como alternativa mais combativa à esquerda. Em Belém, com Edmilson Rodrigues, tem sua principal chance de vitória nas capitais. No Rio de Janeiro, por outro lado, como resultado da desistência de Marcelo Freixo (que certamente iria ao segundo turno se fosse candidato), o PSOL enfrenta dificuldades. A luta é para que a candidatura de Renata Souza ocupe o significativo espaço que o partido tem na capital fluminense.

O desempenho positivo do PSOL na cidade de São Paulo merece especial atenção. É uma cidade de 11 milhões de habitantes, onde as contradições entre capital e trabalho no espaço urbano se expressam de forma brutal. A trajetória de Guilherme Boulos ligada à luta por moradia e ao histórico de resistências e conquistas do MTST, e o fato de que, programaticamente, a campanha estar se posicionando de modo racial em defesa de uma cidade para a classe trabalhadora e o povo pobre tem enorme importância.

A candidatura do PSOL aparece em primeiro lugar na intenção de voto espontânea, empatado com o atual prefeito. Está ganhando em parcelas expressivas da classe trabalhadora e da juventude e engajando milhares de ativistas e lideranças populares. Além disso, cumpre um papel mais estratégico de fortalecer uma nova alternativa, à esquerda do PT, conectada à luta dos movimentos sociais (MTST). A dinâmica da campanha nas redes e a repercussão na grande imprensa nacional fazem com que o êxito da candidatura de Bolos e Erundina na capital paulista tenha impacto nacional.

A tarefa mais importante: combater o governo Bolsonaro e o neofascismo e defender a classe trabalhadora  

O retrato inicial da disputa sugere tendência de vitória da direita tradicional e do Centrão — tendo-se em conta o cenário geral. A esquerda e o bolsonarismo, porém, disputam cidades chaves. Nesses trinta dias restantes até a votação do primeiro turno, a batalha central é a luta contra o bolsonarismo e a velha direita, que estão unidos na aplicação do programa neoliberal de massacre dos trabalhadores.

Cada candidatura do PSOL deve ser uma trincheira na guerra contra o neofascismo e em defesa dos interesses dos trabalhadores, dos negros, mulheres, LGBTs e indígenas. A batalha eleitoral serve, principalmente, para acumular forças para a luta principal: derrubar Bolsonaro nas ruas e construir uma nova alternativa de esquerda, sem conciliação com a direita e a burguesia, para construir um Brasil para  a maioria explorada e oprimida, um Brasil socialista.