As eleições anteriores, em 2019
Lembremos que as eleições de outubro de 2019 foram ganhas no primeiro turno pelo Movimento ao Socialismo, MAS, partido de Evo Morales, o que detonou um forte movimento de protestos acusando o MAS de fraude, por parte da oposição conformada pelo movimento cidadão da classe média (21F)i, movimentos cívicos regionais de Santa Cruz e de Potosí junto à oposição política CC (Comunidade Cidadã, agrupação do candidato perdedor Carlos Mesa). Estes protestos, reforçados pelo amotinamento da polícia, desembocaram, em 12 de novembro de 2019, num golpe de Estado civil-militar pela extrema direita boliviana liderada por setores regionais de Santa Cruz da Serra, o qual recebeu forte apoio da OEAii e do imperialismo, forçando a renúncia de Evo Morales, depois de 14 anos no poder (2006-2019). A forte repressão desatada contra os movimentos sociais afins ao MAS, particularmente em 2 lugares –Senkata, um bairro da cidade de El Alto e a pequena cidade de Sacaba na região de Cochabamba – deixaram o saldo de mais de 35 mortos, 800 feridos e centenas de detidos, nas semanas seguintes ao golpe.
Qual é a situação eleitoral atual?
Chegaram a haver 9 candidatos a postular a Presidência nestas eleições, a maioria deles sem organização partidária consolidada – salvo o Movimento Ao Socialismo (MAS) – o que prova a grave crise de alternativas políticas no país. Vários se retiraram.
A Presidenta interina da Bolívia desde o golpe, Jeanine Añez, duramente criticada pelo conjunto da população pela sua desastrosa gestão governamental e da crise sanitária, decidiu no mês de setembro retirar a sua candidatura sem futuro (não chegava aos 10% segundo prognósticos mais favoráveis), a fim de diminuir a vantagem do candidato do MAS. Outro candidato, Felix Patsy, governador de La Paz, tinha desistido anteriormente no início da campanha. Neste 11 de outubro, o candidato Jorge “Tuto” Quiroga, ex Presidente de Bolívia (2001-2002), com apenas 1,2 % de intensão de votos, acaba de desistir também de sua candidatura, “Tenho diferenças com outros candidatos, mas espero que atuem para derrotar o MAS” afirmou.iii
Na competição para a Presidência, apenas três candidatos têm chance de passar ao segundo turno. Segundo os prognósticos eleitorais publicados pela agência Ciesmori em 30/09/2020iv está em primeiro lugar o candidato do MAS, o ex-ministro da economia de Evo durante toda sua gestão, Luis Arce, com 30,6%. No segundo lugar, Carlos Mesa, ex-Presidente de 2003 a 2005v, com uma intenção de voto de 24,7%. Em terceira posição, Fernando Camacho, figura regional, candidato do comité cívico de Santa Cruz, representando a extrema direita, com 12,7%. Sem chance, Chi Hyung Chung, candidato da ultra direita e evangélico, está com 2,7%. Logo, com 0,5% o candidato Feliciano Mamani, um mineiro do setor cooperativista e no final da lista, a única mulher, Maria Bayá, por ADN –partido do ex-ditador Banzer- com 0,3 %. Votos nulos, brancos e indecisos somam 19,4 %, cifra muito elevada para Bolívia que prova que os resultados ainda são bastante incertos. Neste caso, procederia a realização de um segundo turno, no 29 de novembro.
Mas na Bolívia, as pesquisas eleitorais (sondagens privadas) não costumam ser confiáveis, abrindo amplo campo para a especulação. Na rede de pesquisas CELAGvi (Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica), as porcentagens anunciam 44,4% de votos para Luís Arce, seguido de Carlos Mesa que obteve 34%. Em terceiro lugar está Fernando Camacho com 15,2%. Essas cifras significam que o MAS poderia ganhar no primeiro turno.
A legislação eleitoral boliviana prevê que um candidato é declarado vencedor se receber mais de 50% dos votos, ou mais de 40% dos votos e estiver 10 pontos percentuais à frente de seu rival mais próximo. Se nenhuma das condições for atendida, será realizada uma eleição de segundo turno entre os dois principais candidatos. Ter um segundo turno na eleição presidencial seria uma novidade na Bolívia, já que este sistema eleitoral está vigente desde a Constituição Política do Estado de 2009, mas desde aquela vez, Evo Morales sempre ganhou no primeiro turno. Para estas eleições 2020, com uma população de 11 milhões de habitantes, foram habilitados para votar 7.332.925 bolivianos, dos quais uns 300.000 desde o estrangeiro.
O MAS continua sendo a maior força política da Bolívia, seus candidatos Luís Arce Catacora e David Choquehuanca (vice Presidente) contam com apoio da maioria dos movimentos sociais, apesar das divisões internas. “Arce é o país de pé”, afirmou Leonardo Loza, coordenador das Seis Federações Cocaleiras do Trópico de Cochabamba.vii A oposição, liderada por Carlos Mesa, aposta no segundo turno e ter o apoio da extrema direita que, pela primeira vez, fará sua entrada de maneira organizada no Parlamento.
Um pais à deriva
Como outros países do continente, mas reforçado pelo golpe do ano passado, a Bolívia se debate hoje numa grave crise múltipla, sanitária, económica, educativa e política. Se fala da pior crise econômica dos últimos 40 anos, com milhões de desempregados, num país onde a maioria vive na precariedade do trabalho informal. Sem possibilidade de garantir a educação a distância pela ausência de redes de internet no conjunto do território nacional e particularmente nas áreas rurais remotas, o ano escolar foi cancelado. O sistema de saúde pública entrou em colapso nos primeiros meses da pandemia. Os hospitais carecem de respiradores, medicamentos, suprimentos, equipamentos de biossegurança, além de médicos. O anúncio da aquisição de 400 mil testes também ficou só no discurso, pois os kits nunca apareceram. Um informe recente fala de 139.000 casos e 8.100 mortes por COVID. A crise colocou o país na beira do colapso, como foi descrito num artigo anterior publicado no EOLviii.
Ao falar da crise atual, vale lembrar de alguns dados publicados na Revista Carta Maior: “Durante o governo de Evo Morales, a Bolívia deixou de ser o segundo país mais pobre da América Latina e ocupou o primeiro lugar de crescimento econômico da região, com uma média anual de 4,9%, segundo as Nações Unidas e o Banco Mundial. O Produto Interno Bruto do país se quadruplicou, passando de 9,5 bilhões para 45,5 bilhões de dólares. Seus indicadores macroeconômicos foram os maiores da América do Sul, dignos do país que mais reduziu a pobreza extrema: de 38% para 15%.“ix. O crescimento do PIB registrou pico em 2013, com 6,8%. A bonança reduziu a pobreza de 60 a 37,2% e a pobreza extrema de 38,2 a 12,9%, segundo dados oficiais.
Porém, desde 2014, o crescimento boliviano conhece uma desaceleração importante, com o PIB de 2,2% para o ano de 2019. As previsões para 2020, é de uma queda de 6,2% segundo Banco Central e FMI. A grave crise econômica atual, visibilizada pela pandemia, mostra as debilidades estruturais da economia boliviana dependente, baseada no aumento das exportações de mateiras primas, o crescimento do endividamento público, a perda das reservas internacionais e aumento do déficit fiscal. x
Neste último ano, a presidenta interina J. Añez se aproveitou da pandemia para ficar no poder o maior tempo possível, aumentar o roubo sistemático do Fundo Público, deixando sem esclarecer o destino de empréstimos do Fundo Monetário Internacional e do Banco Interamericano de Desenvolvimento de 700 milhões de dólares e outros apoios solidários de vários países em relação à pandemia. Além disso, há inúmeras denúncias de corrupção nas estatais como ENTEL, na petroleira YPFB, também se acelerou o desmantelamento de empresas estratégicas, sem atender as necessidades do povo e da crise da pandemia, particularmente com colapso do sistema de saúde, frágil e ineficiente.
O Decreto Supremo 4272 de 24/06/2020 promulga receitas tradicionais do FMI, como a privatização das empresas estatais e serviços públicos: eletricidade, telecomunicações, saúde e educação. O governo de Añez está totalmente desprestigiado, o que foi confirmado nos bloqueios de agosto passado quando o povo exigiu garantir uma data fixa para a realização das eleições. Como diz a Folha de São Paulo, “O povo clama por eleições para obter um governo legítimo que possa enfrentar a pandemia e a crise econômica.”
O que está em jogo
Como há um ano, o país segue partido em dois, os PRO- e ANTI- MAS. A calma temporal parece se manter até as eleições mas a polarização é palpável, até com as sondagens. A polarização e a explosão da ira de certos grupos sociais podem estalar faíscas incontroláveis. Se o MAS não volta ao poder com as eleições, o conflito aberto pode voltar as ruas. A situação segue delicada mas esses meses não passam em vão e, à crise múltipla, se junta agora a fome e as mortes que fazem avançar a situação reacionária. Qual será a força e vontade dos movimentos sociais – hoje divididos- e do povo pobre para fazer respeitar seu voto? Isso é o cerne da questão em debate.
A hipótese a mais provável é uma vitória do MAS, mas não está assegurado para seu candidato Luís Arce, os 10 pontos de diferença com seu rival, que lhe permitiria vencer no primeiro turno. Um segundo turno está colocado na mesa das possibilidades. Todos os levantamentos apontam que Mesa ganharia em um segundo turno, unificando o conjunto da oposição ao MAS.
Qual será o papel dos órgãos de repressão como a polícia e o exército, caso o MAS ganhe as eleições? Lembremos que nesses 10 meses, foram trocadas as direções de duas instituições importantes como o Superior Tribunal Eleitoral, atualmente liderado por Salvador Romero, com longo passado ao serviço do imperialismo americano, por uma parte e a cúpula das Forças Armadas, por outra, já que a promoção de Generais e altos cargos militares de 2020 não foi aprovada pelo Parlamento e as promoções foram realizadas por Decreto Supremo imanente da Presidência da República.
Estas eleições são cruciais para Bolívia: ou ganha o MAS e recupera o processo interrompido ou se consolida a opção reacionária com Carlos Mesa. De certa forma, será um “Remix” de opções já conhecidas… De um lado, a continuação de um governo que diz representar os movimentos sociais mas que demostrou em 14 anos os limites dos regimes de conciliação de classe ou uma opção que se apresenta como de centro-direita com apoio dos movimentos da classe média e da burguesia, que já dirigiu no passado com uma visão neoliberal e entreguista do país aos interesses do imperialismo.
Mais que nunca, Bolívia é um país dependente dos jogos do capitalismo financeiro internacional, como prova a declaração do presidente da empresa americana Tesla, Elon Musk, de que “para tomar de assalto o lítio, faria golpes na Bolívia ou onde bem entendesse”. É a expressão cabal do imperialismo. Durante a década anterior, o MAS no poder tendeu a favorecer os investimentos estrangeiros da China e países asiáticos, particularmente na mineração; ao invés de Carlos Mesa que fomentou a presença de investimentos norte-americanos. Além disso, neste último ano, aumentou dramaticamente a intromissão do FMI e outras instituições financeiras internacionais influenciadas pelos Estados Unidos, com novos empréstimos e o conseguinte endividamento externo.
Quaisquer que sejam os resultados nas urnas deste domingo, o próximo período será muito instável porque, num caso ou outro, o Poder Executivo terá que lidar com uma forte oposição, que não lhe permitirá ter maioria no parlamento. A mais provável composição do Senado é a seguinte: 16 MAS, 15 CC (Mesa), 5 Creemos (Camacho). Será uma situação totalmente nova para o partido MAS que durante 14 anos, teve maioria absoluta no Parlamento. A extrema direita, um novo jogador neste tabuleiro já complicado, vai assegurar vários parlamentares (provavelmente da região de Santa Cruz). O voto regional de Santa Cruz vai definir o curso destas eleições. Caso o MAS fiquei em segundo lugar na região de Santa Cruz onde houve 60 % dos casos de COVID, onde se concentra a extrema direita, ele poderá ganhar as eleições no primeiro turno. Se não, ocorrerá o segundo turno. Neste caso, a polarização vai aumentar, à imagem das tensões atuais, refletindo a profunda fratura existente na população boliviana.
Contra as opções golpistas !
Todos mobilizados para fazer respeitar o voto popular!
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Série sobre os golpes na Bolívia, desde 1952
NOTAS
i 21F: Movimento cidadã surgido logo do referendum nacional do 21 de fevereiro de 2016 (sobre a possibilidade de novo mandato para Evo Morales), referendum perdido pelo MAS que não quis acatar. O movimento 21F se fortificou em oposição ao novo mandato de Evo. Ficou também liderando os protestos de outubro de 2019, agitando a justificativa de FRAUDE eleitoral.
ii https://cnnespanol.cnn.com/2020/10/09/el-doble-desafio-de-las-elecciones-en-bolivia-entre-el-covid-19-y-el-retorno-a-la-normalidad-institucional/ : La Organización de los Estados Americanos publicó el 23 de octubre y el 10 de noviembre versiones preliminares del informe de una misión técnica que detectó irregularidades. Luego, el 4 de diciembre el reporte concluiría que hubo «manipulación y parcialidad» en el cómputo de los votos.
iii https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/10/candidato-de-direita-desiste-na-bolivia-e-fortalece-frente-contra-nome-de-evo.shtml
ivhttps://www.paginasiete.bo/nacional/2020/9/30/encuesta-de-ciesmori-perfila-segunda-vuelta-entre-arce-mesa-269921.html La encuesta de CiesMori se realizó entre el 20 y el 29 de septiembre en un estudio urbano-rural en 469 localidades de los nueve departamentos con un total de 2.401 casos y un margen de error del 1,99%.
v Carlos Mesa foi vice Presidente de Gonzalo Sanchez de Lozada e acedeu ao poder logo da “guerra do gás” que desembocou na expulsão do poder de Goni, em outubro de 2003.
vi https://www.celag.org/encuesta-bolivia-octubre-2020/
vii Leonardo Loza, de 37 anos, é apontado ao lado de Andrónico Rodriguez como seguidor de Evo Morales. https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/-Arce-e-a-Bolivia-de-pe-contra-a-submissao-ao-imperialismo-afirma-lider-cocaleiro-/6/48968.
viii https://esquerdaonline.com.br/2020/08/17/adiamento-das-eleicoes-provocou-tensao-na-bolivia/
ix https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Seis-meses-depois-do-golpe-a-Bolivia-continua-sangrando/6/47456
x http://www.cabildeodigital.com/2020/10/con-la-peor-crisis-economica-en-casi-40.html Cuando este “superciclo” de exportaciones desaceleró, el gobierno del MAS para mantener el modelo, el gobierno de Morales siguió inyectando recursos a la economía utilizando las reservas internacionales y aumentando el endeudamiento. Además congeló el tipo de cambio para anclar las expectativas de inflación. Y los bolivianos pasaron a vender, comprar y ahorrar en moneda local. “El congelamiento del dólar mantuvo un tipo de cambio apreciado, que disminuye la posibilidad de los exportadores de poder competir, afectando a la balanza comercial y con un costo en las reservas internacionales” para sostener la paridad, explica Aliaga.
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