Há algumas semanas o movimento negro tem se debruçado sobre como deve ser realizado o financiamento de campanhas negras antissistêmicas.
Dois debates a serem feitos: O primeiro é sobre o que são as fundações de direito privado que financiam candidaturas e formam bancadas através de cursos e lembrar o posicionamento daqueles que foram eleitos com dinheiro dessas fundações sobre a Reforma da Previdência e afins. Lembrando um ditado muito utilizado popularmente, quem paga a banda escolhe a música.
O segundo é o financiamento direto de pessoas reconhecidamente ligadas a grandes empresas, bancos e sistema financeiro a candidaturas orgânicas dos partidos políticos de esquerda.
Como avançar no debate de financiamento de campanhas negras avançando na disputa sobre racismo existente nos partidos, mas sem utilizar as mesmas ferramentas que os brancos utilizam para rifar direitos do nosso povo e classe é um desafio que com a proibição do financiamento empresarial de campanha nós precisamos enfrentar e resgatar as posições existentes e consolidadas sobre o tema.
Apesar de diferentes, estas são formas do capital econômico disputar politicamente os nossos e não existe um pensamento único no movimento negro sobre o que isso significa e esse debate não é apenas sobre racismo.
O financiamento empresarial de campanha foi algo amplamente combatido por nós, por que significava diretamente posições pró os mais ricos e não a favor da nossa classe e do nosso povo. Não é possível aceitar hoje as variações que o capital encontrou pra continuar exercendo poder econômico e disputando a nós e esquecendo todo nosso percurso sobre esse debate até hoje.
Quero lembrar que a nossa luta não é só pela cor da pele esta intrinsicamente ligada a luta de classe. Importante lembrarmos o que Angela Davis apresenta em seu pensamento: “Raça é a maneira como a classe é vivida. Precisamos refletir bastante para perceber as intersecções entre raça, classe e gênero, de forma a perceber entre essas categorias existem relação que são mútuas e outras que são cruzadas”.
Não é um debate apenas do PSOL, mas como os partidos de esquerda lidarão com essa nova faceta do capital tentando cooptar jovens lideranças de esquerda e progressistas.
Não é um debate tático, mas estratégico de como iremos lidar com o enfrentamento junto ao estado racista e capitalista.
Não é possível jogar fora o acúmulo de negras e negros do conjunto da esquerda sobre o que significa o financiamento privado de campanha de quem é ligado intimamente ao poder econômico.
O que significou Armínio Fraga presidindo o Bacen durante o governo FHC para nós? O que significa os Moreira Salles serem ligados ao maior banco privado do Brasil e que não são meros homens brancos ricos, mas que fazem parte da estrutura do racismo brasileiro há décadas/séculos? Não estamos falando de quaisquer pessoas, mas de quem se beneficia da nossa exploração e opressão.
O lugar do enfrentamento político para os negros de esquerda socialista ameaça as nossas vidas e é preciso estar na conta quando fazemos esse debate, Talíria Petrone, deputada federal do PSOL, acabou de denunciar à ONU as ameaças que continua recebendo por conta do que representa politicamente e não é possível esquecer o enfrentamento que a bancada negra do PSOL-RJ faz frente Witzel, Crivella e as milícias. Sim, a esquerda precisa enfrentar cada vez com mais centralidade o que significa a luta antirracista dentro de suas estruturas e, principalmente, fora delas para que consigamos revolucionar a nossa realidade.
Entendo que as decisões existentes sobre o tema são fruto da formulação organizada dos negros organizados nos partidos e que disputam dia após dia a política antirracista com a branquitude para além dos momentos eleitorais. Não levar em conta isso, é colocar essa negritude num lugar de subserviência aos brancos que não existe.
Precisamos avançar o debate sobre participação política da nossa população nos espaços de decisão política do país. E isso se fará também com as cotas nos partidos, mas com cobrança junto ao Estado de garantia de espaço nas casas legislativas que decidem sobre as nossas vidas.
Lembrar que em 11 anos apenas com política de cotas para mulheres o número absoluto de parlamentares femininas nas casas legislativas do país não teve aumento substancial e que ainda se impera uma lógica do financiamento privado de campanha que aposta em homens, brancos e proprietários. É isso que precisamos romper.
Além disso, é preciso ser assegurado que nos espaços de decisão partidária existam pessoas negras para que realmente se pense um projeto de vida do povo negro que consiga pensar o conjunto da nossa população, já há partidos que tem isso instituído após muita luta, mas é preciso se aperfeiçoar cada vez mais. Não somos apenas figuras públicas, mas também formulamos e organizamos a política de mudança que acreditamos para disputar a sociedade.
Precisamos seguir o debate, mas com a compreensão que não é possível combater o racismo estrutural e o capitalismo se utilizando das ferramentas do capital e de quem opera a manutenção desse sistema e entendendo o que precisa realmente avançar pra combater o racismo existente no cotidiano da política.
*Militante do Movimento Negro e do Partido Socialismo e Liberdade em São Paulo (SP) e fundadora do Núcleo de Consciência Negra da USP.
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