Na última segunda-feira (27) a candidata a vereadora Iza Lourença, do PSOL de Belo Horizonte, foi surpreendida com o bloqueio parcial de sua conta no Instagram por sete dias, o que em números absolutos representa 15% dos dias de campanha da eleição de 2020. No ato em questão a plataforma não apontou ou sinalizou de forma concreta o que motivou tal restrição. Iza é uma mulher de 27 anos, negra, moradora da periferia, sua campanha é feita por voluntários e as redes sociais são o centro de sua divulgação.
Porém o papel das redes sociais não é central apenas na campanha da referida candidata e em todo mundo esse tipo de plataforma vem ganhando papel de destaque no ambiente democrático. Mesmo sendo uma empresa de natureza privada, o papel do Instagram no período eleitoral ganha contornos de interesse público e precisa ser fiscalizado, vez que qualquer decisão unilateral da plataforma pode vulnerabilizar uma candidatura e consequentemente fragilizar todo o processo eleitoral. Esse contorno foi confirmado pelo Tribunal Superior Eleitoral que firmou, na última quarta-feira (30), uma parceria com Facebook Brasil e Whatsapp Inc. para o combate a desinformação e a qualquer tipo de abuso nas Eleições 2020, o documento prevê ações para a divulgação de informações oficiais sobre processo eleitoral. (1)
Após manifestação da parte, o juiz da 28ª Vara Eleitoral de Belo Horizonte deferiu liminar que determina a intimação do Instagram para que retome as atividades da conta imediatamente, evitando o cerceamento de propaganda eleitoral permitida. A decisão é categórica: “Pelo exposto, DEFIRO A LIMINAR, para determinar a intimação do Instagram (de propriedade de Facebook Serviços Online do Brasil Ltda) para que proceda a imediata reativação da conta da requerente da URL abaixo especificada”.
Não se pode perder de vista que por trás da aparente liberdade do ambiente virtual existe um poderoso monopólio midiático. Facebook, Instagram e Whatsapp pertencem a uma empresa internacional que não pode intervir no processo eleitoral brasileiro sob o risco de ameaça da soberania nacional. Mark Zuckerberg, o “dono” do Facebook, tem hoje um patrimônio estimado que ultrapassa 100 bilhões de dólares e que só em 2020 cresceu cerca de 22 bilhões de dólares. Sua empresa esteve envolvida em escândalos relacionados à eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, ao plebiscito do Brexit na Inglaterra e à eleição de Bolsonaro no Brasil.
A polêmica envolvendo a campanha eleitoral
No exemplo de Minas Gerais a única alegação formal da plataforma foi “restringimos certas atividades para proteger nossa comunidade”, é sabido que esse tipo de decisão é tomada com base em algoritmos, porém resta comprovado que erros do algoritmo são uma realidade possível e que não pode ser desprezada. Recentemente o ator Antônio Fagundes sofreu restrição semelhante por mandar repetidas vezes um emoji para seus seguidores (2), indenizações judiciais por bloqueios indevidos, que prejudicam as atividades do usuário também não são matéria inédita no judiciário de nosso país. (3)
Do ponto de vista eleitoral esse tipo de erro pode causar impacto ainda maior, uma vez que não se trata de prejuízo político ou material à candidata somente, mas a todo o processo democrático, visto que com as últimas alterações da lei eleitoral a propaganda na internet não ocorre apenas no site do candidato, mas também em suas redes sociais.
Um erro do algoritmo pode causar dano irreparável, colocando em condições de desigualdade candidatos à qualquer cargo eletivo, o contexto da pandemia e o curto período de campanha tornam o problema ainda mais grave, e podemos dizer que configura ameaça à democracia brasileira que uma multinacional tenha poder de retirar 15% do tempo de campanha de um candidato sem prévia explicação dos critérios que levaram a tal procedimento.
O advogado Lucas Nasser, um dos representantes da candidata de Belo Horizonte, sobre esse tema, corretamente ressalta: “o único poder capaz de restringir a publicidade de um candidato é o poder judiciário, a partir de regras estabelecidas e com amplo direito à defesa e ao contraditório (…). É necessário um controle social, impedindo o abuso de poder das plataformas, demonstramos que no o caso em tela existe fumus bonis iuris e também periculum in mora.”
O caso faz acender o alerta para a possibilidade da existência de um processo obscuro e seletivo na internet, que permite abusos flagrantes e pode bloquear movimentos reais de apoiadores e voluntários. Uma vez que seletividade e desigualdade não andam ao lado da democracia, é necessária total atenção ao papel das redes sociais no processo eleitoral em curso e sua fiscalização.
* Isabela Blanco é advogada formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pós-graduada em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes e Mestre em Direitos Humanos e Teoria do Direito pela UFRJ com enfoque em Direito Sindical e Memória. Atualmente é membro da Comissão de Direitos Humanos e acesso a Justiça e da Comissão Relações Institucionais da OAB/RJ. É colunista do Esquerda Online.
** Gloria Trogo é advogada, formada pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e especialista em Direito Público pela PUC – Minas. Atualmente é mestranda em Direito do Trabalho na Universidade de São Paulo (USP) e advogada do PFT-CBA Advogados Associados.
*** Colaborou Larissa Rabelo, de Belo Horizonte (MG).
NOTAS
1 http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Setembro/tse-assina-parceria-com-facebook brasil-e-whatsapp-inc-para-combate-a-desinformacao-nas-eleicoes-2020
2 https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2020/08/antonio-fagundes-e-bloqueado-no-instagram-por enviar-mais-de-4-mil-emojis-a-fas.shtml
3 https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2020/agosto/rede-social-tera-que indenizar-usuaria-por-bloqueio-indevido-de-conta
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