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BRASIL

Educação Inclusiva? Discursos e realidades na rede municipal de educação de Florianópolis

Andreia Santos da Costa Ferrão e Marcos Cordeiro Bueno, de Florianópolis, SC
Professora acompanha aluna que utiliza brinquedos educativos, para estímulo da coordenação motora
Acervo pessoal

No dia 21 de setembro passado, a prefeitura municipal de Florianópolis na figura de seu secretário de educação, publicou uma nota em um jornal conservador de grande circulação da cidade. Numa clara iniciativa de se autopromover politicamente, o artigo publicado (com dinheiro público?) traz elementos positivos da educação municipal de Florianópolis na questão das pessoas com deficiência, mas deixa embaixo do tapete muita sujeira dessa e das demais gestões oligárquicas que tem explorado as e os “manezinhos da ilha da magia”.

De acordo com o último Censo realizado em 2010, 24% da população brasileira possui algum tipo de deficiência. Em Santa Catarina cerca de 21% dos habitantes declararam ter algum grau de impedimento de longo prazo nas áreas sensorial, motora, mental ou intelectual que restringe a participação plena e efetiva da pessoa na escola e na sociedade.

 Em julho de 2015, institui-se a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência que traz em seu cerne, assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais para as pessoas com deficiência, visando a sua inclusão e cidadania. Movimentos populares comemoram essas conquistas, mas o próximo passo é sempre o transformar em política pública o que foi para o papel na forma de lei.

Concordamos com o Secretário da Educação de Florianópolis, em uma coluna publicada no dia 21/09, em um jornal conservador de grande circulação em Florianópolis, que a legislação vigente é uma conquista para toda sociedade. Porém, quando o mesmo destaca que a atual gestão recebeu em 2017 a Secretaria da Educação com 23 “salas multimeios” e ampliou para 39 salas “EQUIPADAS”, subentendemos que sim, hoje possuímos 39 salas de recursos, prontas para o Atendimento Educacional Especializado (AEE) de todo e qualquer estudante que apresentar deficiência, Transtorno do Espectro Autista (TEA), Altas Habilidades e Superdotação. Legal né? Só que não.

Primeiro uma rápida explicação: As salas multimeios, em Florianópolis, têm como premissa o AEE para os e as estudantes com alguma deficiência. Não são locais de passatempo ou simples reforço escolar. São ambientes que necessitam de múltiplos recursos, humanos e pedagógicos, congregam em suma, o desafio de conhecer melhor cada estudante, para orientá-lo em seu processo escolar, bem como auxiliar os próprios profissionais da unidade educativa a como transpor didaticamente os conhecimentos de cada componente curricular. É um trabalho árduo, rico, que de fato busca respeitar a singularidade de cada indivíduo, ao mesmo tempo que o promove no sentido de sua construção escolar.

 Dito isso, faz-se necessário questionar a afirmação do secretário. Temos 39 salas multimeios prontas? Equipadas? O momento de pandemia nos impede de visitarmos a todas elas, mas seria um bom momento para você, eleitor, verificar a veracidade destas informações. 

Será que podemos chamar de sala equipada e adequada para atendimento, salas que funcionam em meio a obras inacabáveis? Você chamaria de sala adequada um espaço que mal circulam 2 ou 3 pessoas? Pois é, será que uma pessoa usuária de cadeiras de rodas consegue circular em ambientes apertados, tais como de algumas das salas multimeios de nossa rede municipal? Podemos chamar de sala equipada as salas multimeios que iniciaram o ano letivo vazias? Sim! Você não leu errado, vazias mesmo, sem recurso nenhum, apenas a presença de profissionais da educação especial. Sem qualquer equipamento!

E o que falar de escolas novas, construídas em meio a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva que não incluíram em seu projeto a construção de uma Sala de Recursos. Ah! Não vale dizer que isso é culpa da gestão passada, pois estamos a quase quatro anos na atual gestão e os ditos “consertos” pouco ou nada ocorreram, basta citar, por exemplo, a obra em um Núcleo de Educação Infantil (NEIM) que deveria ter finalizado antes de fevereiro e permanece do mesmo jeito, até o momento, de como estava antes do início da pandemia. Gean Loureiro (des)prefeito adora destacar em suas falas sobre a política de inclusão da sua gestão enaltecendo a fase em que passou por uma situação de deficiência. Mas é inadmissível usar sua situação temporária como bandeira da inclusão! O critério de verdade é a prática social, a realidade concreta para os moradores e moradoras que demandam o serviço público municipal com qualidade, mas recebem discursos forçados que não condizem com a situação das escolas e NEIMs. 

Para falar em inclusão, acessibilidade, dia da pessoa com deficiência, ou dia do surdo, vamos caminhar por bairros como o Saco Grande, Córrego Grande, Itacorubi, João Paulo, entre outros bairros da cidade. Muitas revitalizações aceleradas nesse momento pré-campanha, mas vamos caminhar vendados, segurando uma bengala na mão ou quem sabe numa cadeira de rodas para realizar uma vivência. Talvez você mulher, mãe, que precisa seguir pelas ruas destes bairros empurrando seu carrinho de bebê, consegue se deslocar sem qualquer problema? Pense nisso. 

Mas vamos voltar para o foco das escolas e salas de recurso equipadas. Daí se impõe alguns necessários questionamentos a “atual gestão”: se uma destas salas precisa ser fechada até o teto para qualificar o trabalho com os estudantes durante o atendimento, o senhor autoriza a adaptação? Não? Não é com o senhor? Parece que isso não faz parte do pedagógico né? Isso é com o setor de obras da Secretaria municipal de educação (SME). Ok! Recorremos a este setor, porém eles mandam aquela equipe terceirizada contratada por esta gestão. Cobram para ir até a escola, mas chegando lá descobrem que será preciso uma solda no portão, por exemplo. Mas essa equipe não tem contrato para esse serviço. Então quem fará? Outra brilhante equipe terceirizada? Pois é! Ninguém faz! Porque nenhuma das tais empresas terceirizadas pode realizar uma pequena solda! A lógica dessa gestão é a do trabalho voluntário, do incentivo para que a própria comunidade realize o conserto. Dessa forma o recurso destinado a educação não chega na ponta e certamente é endereçado para outros usos no mínimo questionáveis, uma vez que nossa cidade é uma das piores capitais do país em termos de transparência na gestão pública municipal, conforme afirma o próprio jornal conservador

Mas, e a bengala do estudante da escola que quebrou, quem conserta? E o corrimão com sinalização em braile que não existe mais? E a impressora braille da Sala que deu problema? Funções que tempos atrás eram delegadas a setores correspondentes, ainda que emperradas na burocracia, tinham mais solução e transparência que o atual estado de precarização e sucateamento do serviço público. O lugar de fala para inclusão é das trabalhadoras e trabalhadores do serviço municipal, não da “atual gestão” que tem privatizado o serviço municipal e cotidianamente atacado os direitos das servidoras e servidores, desde seus primeiros dias de governo.

Mas e a impressora que citamos acima?  E o computador que deu problema? Até vão para o conserto! Demora, mas vão! Contudo ao retornar, se não tivermos feito o backup, e às vezes até fazendo, ele volta zerado. Trabalho de anos perdidos! A gente perdeu uma vez, mas aprendemos ao longo desses anos a salvar em nossas casas, utilizando a tecnologia que possuímos, enviando por e-mail, salvando na nuvem…, mas isso é fruto do nosso trabalho e não deveria ser assim, com nossos próprios recursos! Afirmar que as salas estão equipadas quando sequer temos garantia de uma manutenção de qualidade é uma total hipocrisia. Ainda mais nesse momento, de aulas não presenciais, quando dependemos de próprios recursos pessoais para produção de material virtual, internet banda larga, webcam, microfone etc. Sabe o que ganhamos para qualificar esse trabalho? 3% a menos nos salários com o aumento do desconto do fundo de previdência, mais uma maldade desse (des)governo.

Dialogando um pouco mais com a nota do jornal, precisamos esclarecer ao Secretário, que está na pasta a quase quatro ano que talvez necessite de maiores informações acerca da necessidade de contratação de um professor auxiliar de educação especial para determinado estudante, pois não é função da equipe multidisciplinar (CEDRA). Como uma equipe que não conhece a escola, a realidade deste estudante pode determinar tal contratação? 

Mas vamos voltar ao espaço. Espaço acessível não é luta só das pessoas com deficiência. Espaço acessível é luta de todas, todos e todes nós que lutamos pela educação pública gratuita e de qualidade. E sim, Secretário, a luta é nossa que estamos na ponta, no dia a dia da sala de aula, no chão da escola. Estamos cansados de remediar o que nos falta, estamos cansados de servir de bandeira desta ou de qualquer uma das últimas gestões. Gritamos na rua, a plenos pulmões tudo aquilo que nos falta para qualificarmos ainda mais o processo de aprendizagem. Essa luta é, em suma, a defesa real por um serviço público de qualidade para toda população, não empréstimo para asfalto em plena pandemia, desconto na folha do servidor e campanha bonitinha nos grandes jornais! 

A pessoa com deficiência não precisa de olhar caridoso ou de uma “luta do bem”! Ela precisa de acessibilidade, de equidade, de justiça! Não são as pessoas que precisam se adaptar àquilo que lhes é apresentado e sim o espaço público que deve estar adequado para recebê-las. Elas não ficam satisfeitas com qualquer cantinho esvaziado para passar a existir. Aliás, ninguém mais se contenta com qualquer cantinho com nome de Sala de Recursos. Nossas escolas possuem Salas Multimeios, salas que necessitam de um olhar criterioso diante do tamanho do público que atendemos. Público esse, que precisa ser escutado para que o dinheiro público investido em obras não seja jogado fora em obras que dão errado, tão presente na “atual gestão”. 

Quantas rampas mais serão construídas inadequadamente? E o que dizer de uma escola sem rampas, com 2 pisos, mas sem rampa de acesso ao laboratório de ciências, funcionando plenamente até o ano passado quando desabou em meio a obras. O ano passado ainda fazia parte da atual gestão não é mesmo? Chega de desculpas esfarrapadas e discursos demagógicos! 

Pessoas com deficiência, nossos estudantes, não precisam só de salas de recursos equipadas, precisam de banheiros adaptados, adequação nos espaços da escola, estrutura digna que acolha a todos, todas e todes, independente de terem ou não uma deficiência. Vamos inverter a perspectiva e nos colocar num espaço onde a maioria dos estudantes seja surdo e se comunique pela LIBRAS, outra parte é cega e só faz uso do Braille e você enxerga e escuta muito bem, fala melhor ainda, mas não consegue se comunicar com os demais usuários deste espaço. Não consegue ler as informações porque você não aprendeu Braille e não há para você qualquer adaptação. 

A experiência de exclusão e de deficiência é única para cada sujeito! Sem romantizar o dia da pessoa com deficiência ou o dia do surdo, por exemplo, estes momentos são de luta, de reflexão, de fortalecimento das nossas práticas. É no chão da escola, nas discussões coletivas, no planejamento articulado, com condições de trabalho dignas que elucidamos as necessidades de todos, todas e todes, não substituindo ou compensando aquilo que o sujeito não tem, não consegue realizar por alguma limitação física, sensorial, mental ou intelectual. A ideia de compensação acaba por excluir a sua participação em alguns momentos do processo. 

A inclusão é muito maior do que tudo isso, emerge do pressuposto de que somos pessoas totalmente diferentes e é essa diferença que qualifica e amplia as possibilidades. Mas para que de fato a inclusão se materialize, é preciso seguirmos na luta juntos a todos, todas e todes que sofrem todo tipo de opressão. A exclusão da pessoa com deficiência é parte da política do capital e só será superada com a superação da sociedade que enriquece os de cima e desdenha dos debaixo. Por uma sociedade justa, humanizada, igualitária, para todos, todas e todes, seguimos em resistência!