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BRASIL

Ativistas de Direitos Humanos criticam acordo com a Volkswagen sobre cumplicidade com a ditadura

Segundo a nota, empresa não fará reparação e quer apresentar a relação com a ditadura como desvio de alguns funcionários, e não uma cooperação sistemática e orgânica durante mais de três décadas. Leia abaixo a íntegra da nota:

Divulgação / autodata

Acordo do Ministério Público com a Volkswagen não prevê reparação da empresa por sua cumplicidade com a ditadura

Antecedentes

A Volkswagen é a primeira empresa a fechar um acordo institucional por cumplicidade com graves violações de direitos humanos perpetradas na ditadura brasileira, graças à pressão enorme de muita gente e o trabalho contínuo de anos, além do acolhimento do Ministério Público, na sua função institucional.
O Caso Volkswagen tem origem nas audiências da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo – Rubens Paiva, presidida pelo Deputado Adriano Diogo, realizadas em conjunto com o GT Ditadura e repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical, coordenado pela então presidenta da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Dra. Rosa Cardoso da Cunha. O GT apresentou 43 recomendações à CNV, visando à busca por reparações coletivas pelas violações de direitos humanos cometidas contra a classe trabalhadora. Em 2015, o Fórum de trabalhadores por verdade, justiça e reparação, apresentou denúncia ao Ministério Público Federal, apoiado por todas as 10 Centrais Sindicais brasileiras e personalidades de Direitos Humanos em setembro de 2015. O trabalho de pesquisa e sistematização da legislação internacional sobre o tema foi realizado pelo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas).

Recursos para memorial dos trabalhadores serão destinados a outros fins

O acordo firmado está aquém do que foi negociado nos últimos cinco anos e corre o risco de rebaixar o parâmetro das reparações que serão exigidas em novas iniciativas de responsabilização de  empresas que cometeram graves violações de direitos humanos na ditadura.
Em abril deste ano, foi apresentada aos autores da representação que resultou na abertura do inquérito um acordo semelhante ao divulgado pela imprensa alemã e repercutido acriticamente no Brasil. Já naquele momento, a recusa foi unânime.
A empresa negou recursos para o projeto de Lugar de Memória das Lutas dos Trabalhadores, em local público de ao menos 500 metros quadrados, já em negociação avançada com a Prefeitura de São Paulo. Além disso, como confirmado por nota publicada hoje pelo Ministério Público Federal hoje (23/09), após as 18h, o acordo final prevê o repasse de R$9 milhões ao Fundo de Defesa Direitos Difusos (FDD) do Estado de São Paulo e ao FDD Federal, que pertence ao Ministério da Justiça. Os termos eram inaceitáveis para as organizações envolvidas no processo e contrariavam toda a negociação ao longo destes cinco anos.
Também serão repassados 6 milhões para o Memorial da Lula pela Justiça, encampados pela OAB-SP, que tem com escopo central a atuação dos advogados de presos e perseguidos políticos na Justiça Militar. O valor é “suficiente para a conclusão de sua implantação na sede da antiga auditoria militar em São Paulo” (nota publicada no site do MPF). Ou seja, os recursos são para a conclusão do Memorial, não para a memória das lutas dos trabalhadores, que terá apenas um pequeno espaço, de aproximadamente 50 m², inviabilizando, evidentemente, qualquer concepção acumulada entre os lutadores por verdade, memória, justiça e reparação, a exemplo de iniciativas em outros países onde houve de fato passos dados em torno da justiça de transição.
Muito embora os autores da representação tenham manifestado formalmente o desacordo com a proposta, durante as últimas quatro semanas, não houve qualquer comunicação por parte do Ministério Público. Apenas nesta última segunda feira, dia 21, foi enviado despacho comunicando que seria assinado o acordo porque era uma prerrogativa do Ministério Público definir os termos do TAC, citando a legislação pertinente.
Aqueles que acompanharam o Inquérito, apresentaram a documentação, reuniram testemunhas e lutaram pelo desenvolvimento do caso não foram ouvidos. Além de tudo, foi imposto um sigilo sobre as cláusulas do acordo. Sequer foram informados da data em que o TAC seria firmado. Surpreendentemente, a imprensa alemã noticiou a assinatura do acordo com os valores e cláusulas combinadas.
Somos favoráveis aos repasses de recursos para trabalhos de Direitos Humanos, como a Vala de Perus, e um fundo para investigar outras empresas cúmplices do regime ditatorial, de acordo com o que sempre propusemos, desde o início. Mas a principal proposta dos signatários – um Espaço de Memória dos Trabalhadores – foi absolutamente diluído.
Também foi divulgado que serão repassados 16,5 milhões para a Associação de Vitimados pela Volkswagen – Heinrich Plagge. A demanda desses trabalhadores vitimados foi aceita em março de 2018 como uma das cláusulas de negociação, o que consideramos justo. Contudo, esse dinheiro será transferido em caráter de “doação” pela empresa, como uma benevolência da Volkswagen.
Outra questão é a obrigação de retratação e pedido de desculpas da empresa à sociedade. A empresa quer fazer uma retratação rasa e distorcida, em que trabalhará a cumplicidade com a ditadura como um desvio de conduta de alguns funcionários, e não uma cooperação sistemática e orgânica com a repressão durante mais de três décadas.
O que incomoda a Volkswagen é a imagem e o marketing. As doações feitas serão tratadas pela empresa como uma benevolência e não como uma reparação por sua cumplicidade com a ditadura. Nesse sentido, ela sairá limpa dessa história.
Nesses 5 anos o Ministério Público falava com a Volks e consultava eventualmente os signatários da representação. A empresa fez todas manobras e protelações possíveis. Importante frisar que não é o único caso de impunidade da Volkswagen na sua história brasileira, tendo em vista, por exemplo, o caso de trabalho escravo na Fazenda Rio Cristalino e os incêndios nas florestas do Pará. Não por acaso, Andreas Renschler, membro da diretoria da Volkswagen AG, saudou entusiasmado a eleição de Bolsonaro, ainda em dezembro de 2018. Seguiu a tradição da corporação: em 1971, Werner Shmidt, então presidente da empresa no Brasil, declarou à imprensa alemã que “a polícia e os militares torturam prisioneiros. Dissidentes políticos (…) são assassinados. Mas uma análise objetiva deveria sempre ter em conta que as coisas simplesmente não avançam sem firmeza. E as coisas estão avançando”.
A Lei da Anistia protege os torturadores e sua reinterpretação dorme há oito anos nas gavetas do ministro Fux. Os generais da ditadura e torturadores seguem impunes. As empresas e empresários cúmplices da ditadura têm sono tranquilo. Dormem mal os perseguidos e presos políticos e suas famílias.

Adriana Gomes Santos, Coautora da representação que denunciou a Cia. Docas de Santos por cooperação com a ditadura

Adriano Diogo, presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo – Rubens Paiva (2012-2015)

Antonio Fernandes Neto, Coautor da representação que denunciou a Cia. Docas de Santos por cooperação com a ditadura

José Luiz Del Roio, ex-Senador da República Italiana e diretor do Instituto Astrojildo Pereira

Rosa Cardoso, Comissionária da Comissão Nacional da Verdade (2012-2014) e coordenadora do Grupo de Trabalho Ditadura e repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical (GT-13)

Sebastião Neto, Secretário-executivo do Grupo de Trabalho Ditadura e repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical (GT-13) da Comissão Nacional da Verdade (2013-2014) e coordenador do IIEP