A pandemia escancarou a precariedade da vida em todo o país e obrigou, entre outras coisas, o elogio ao SUS, inclusive, pelos próprios inimigos da saúde pública. Da mesma forma, o elogio à escola pública e a todas e todos que a constroem também precisa ser feito. Não existe a menor possibilidade de se combater a imensa desigualdade social brasileira sem a escola pública e sem a valorização, em especial, das professoras e professores.
E não há como falar do trabalho desses educadores sem um destaque todo especial para o papel das mulheres no processo educacional e também no ambiente escolar. Somos maioria na educação, seja ensinando, ou cuidando da infraestrutura escolar no papel de diretoras, coordenadoras, secretárias, merendeiras, serviços gerais, entre outros. E, neles, somos cobradas o tempo todo para nos mantermos sensíveis e para nos doarmos cada vez mais e mais. Mesmo agora, quando quase tudo parou por conta do combate do vírus, a roda da educação seguiu girando e produzindo mais e mais, levando, inclusive, muitas pessoas ao adoecimento. O que já era difícil antes da Covid-19 tornou-se ainda mais perverso com a pandemia, fazendo com que trabalhos remotos se embaralhassem com a rotina dos trabalhos domésticos, via de regra, recaindo em costas femininas.
E, por falar em trabalhos remotos, não podemos deixar de destacar que os dias de pandemia demonstraram também que as tão “maravilhosas” aulas remotas não têm a mínima condição de substituir a escola pública nem mesmo quando o assunto é simplesmente o repasse de conteúdo. Muitas de nossas meninas e meninos não tiveram como acompanhar os estudos por internet. É verdade que nós, professoras e professores, trabalhamos exaustivamente nesses mais de cinco meses, mas o direito à educação pública a todas nossas crianças e jovens foi, sim, negado.
Não se pode ter dúvida de que é preciso restabelecer o direito à educação de nossas crianças e jovens, mas meros decretos de retorno de nada resolvem. Poderíamos dar o exemplo de várias tentativas de retorno à sala de aula planeta afora, mas nada se compara aos exemplos de nosso próprio país. O caso de Manaus, onde 1700 professoras e professores adoeceram após o retorno das aulas presenciais, já é bem conhecido. A ele podemos somar o recente caso de São Luís, onde 48 horas após a reabertura, três escolas particulares voltaram a suspender suas atividades, somando-se a outras quatro que tinham retomado suas atividades em agosto. No Ceará, o governador Camilo Santana decretou a retomada gradual das escolas no sábado, 19 de setembro, como se quisesse testar a sorte, mas não a dele e, sim, a de toda comunidade escolar.
A pergunta não é se a escola pública precisa, ou não, voltar a receber seus estudantes, e sim, quando e como. Nas atuais condições, faltando apenas três meses para o final de 2020, e sem a iminência de um processo de vacinação em massa, trata-se de uma irresponsabilidade com crianças e adolescentes, seus familiares e professores retomar aulas presenciais. Ainda mais quando escolas e creches apresentam graves deficiências de infraestrutura.
Para um retorno seguro das aulas presenciais em 2021, serão necessários equipamentos sanitários adequados, itens de higiene e limpeza em quantidade, estoques de máscaras e medidores de temperatura para monitoramento de alunos, professores e funcionários. O mínimo distanciamento social exigiria reduzir o número de alunos por sala em 20 e, a depender de algumas salas, menos de 20 alunos.
Tudo isso exigirá, além de mais professores, merendeiros e profissionais de limpeza, a presença de psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, na medida em que a escola que emergirá da pandemia precisa se converter em um espaço cada vez mais seguro de acolhimento, para que nossos estudantes sintam-se cercados de vida, afeto e cuidado. Nenhuma escola pode voltar em 2020. Ano letivo se recupera. Vidas valem mais.
*Anna Karina é professora, feminista e pré-candidata a vereadora em Fortaleza pelo PSOL.
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