O lucro dos quatro maiores bancos – Itaú, Bradesco, Santander e Banco do Brasil – no primeiro semestre de 2020 foi de R$ 27,2 bilhões. Uma queda de cerca de 40% em relação aos números bem mais gordos de 2019. Os bancos perderam receita ou já tiveram um aumento qualitativo na inadimplência? Não. De forma alguma: a diferença é devida à provisão de devedores duvidosos (PDD). Levantamento feito pelo site ValorInveste, demonstra que essa provisão foi de cerca de R$ 14 bilhões, ou seja, não fosse esse recurso contábil a queda na lucratividade poderia ter sido quase nenhuma, mesmo em plena pandemia de COVID-19.
Por outro lado, os bancários encerraram sua campanha salarial sem avançar em suas pautas. Havia muita expectativa em relação à regulamentação do home office. Há um acordo específico assinado junto ao Bradesco, cujo teor ainda não foi divulgado nesta data (21/09/2020). Pesquisa sobre o tema feita por CONTRAF (Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro) e DIEESE apontaram que 60% da categoria bancária passou a trabalhar nessa modalidade durante a pandemia, sem nenhum tipo de reembolso de gastos, sem regulamentação alguma. A mesma pesquisa ainda revelou que 26% des trabalhadores em home office não recebem pelas horas extras realizadas. E há estudos demonstrando que o ganho de produtividade do trabalho aumentou entre 10 e 15%.
Os banqueiros aproveitaram o cenário de pandemia para aterrorizar a categoria com propostas extremamente indignas, com corte do percentual de PLR até quase a metade, reajuste zero, entre outras barbaridades. Os bodes na sala foram tantos que boa parte da categoria sentiu-se aliviada com o resultado da negociação de 2020, mesmo com os pontos que elencaremos abaixo. E então a nascente disposição de greve foi sendo desconstruída.
Do ponto de vista econômico o reajuste de 1,5% nos salários, contra os 2,55% de IPCA acumulados de agosto de 2019 a agosto de 2020. Essa diferença não será absorvida pelo 0,5%+IPCA de 2021, pactuados no CCT assinado no dia 04/09 pela CONTRAF-CUT e FENABAN (Federação Nacional dos Bancos). Demais benefícios econômicos foram mantidos, com a correção pelo IPCA.
Havia expectativa que se assegurasse também alguma estabilidade contra demissões ao menos durante a pandemia, o que não ocorreu, vide as demissões de SANTANDER e ITAÚ.
A cada dia, mais bancários trabalham 40h semanais
No entanto, na opinião da Travessia Bancária, o pior elemento dos acordos celebrados pela CONTRAF entre 2016 e 2020 é a fragilização do direito à jornada de 6h da categoria bancária. É um ponto grave e por isso destinaremos um pouco mais de espaço sobre o tema. O artigo 224 da CLT, define que os diretores, fiscais, auditores, gerentes e supervisores que desempenhem cargos de confiança não estão submetidos à jornada de 6h. A grande manobra jurídica dos banqueiros, tem sido ampliar o conceito de gerência e cargos de confiança. Por exemplo, os gerentes de conta ou relacionamento, normalmente são meros procuradores do banco, sem equipe abaixo de si para gerenciar. Essa função, como a de tesoureiro, entre tantas outras, são batizadas de “cargo de confiança” para driblar a jornada de 6h.
Ocorre que o estatuto da jornada de 6h, fruto de uma luta que começou na década de 1920, é fundamental para resguardar a saúde mental do trabalhador bancário, dadas as peculiaridades da profissão, que registra altíssimos índices de adoecimento psíquico e ainda um grau elevado de doenças ortopédicas, dado o sedentarismo típico da rotina de trabalho. Nas agências, é muito comum que mais ou menos a metade do contingente já trabalhe em jornada de 8h.
Ocorreu que os banqueiros conseguiram impor 4 parágrafos na CLÁUSULA 11 do CCT (Contrato Coletivo de Trabalho) que legalizam de vez essa prática que está acabando com a jornada de 6h, impedindo que ações que cobrem indenização pelo descumprimento da lei sejam reconhecidas pela justiça. Até então, a Súmula 109 do TST dava guarida às famosas ações de 7a e 8a horas.
A CONTRAF cala sobre estes 4 parágrafos, escondendo-os sob as manchetes de que “todos os direitos foram garantidos”. No caso do 4 parágrafos da Cláusula 11, foram garantidos os direitos dos banqueiros de impor a extensão de jornada sem pagamento de horas extras, através do contrato individual de nomeação aos “cargos de confiança”.
Cabe à categoria derrubar esses 4 parágrafos no futuro, ou a jornada de 6h corre o risco de virar letra morta no médio prazo.
Até onde poderia ter ido a categoria bancária?
Diante do cenário de pandemia, aumento brutal do desemprego e implantação do home office, é inegável que haveria mais dificuldade de mobilizar a categoria. Fica muito difícil saber exatamente a disposição de luta do conjunto dos bancários, principalmente pelas condições de estabilidade empregatícia totalmente diferentes entre bancos privados e públicos.
Achamos que realmente foi difícil construir uma greve em bancos privados no atual cenário. No Banco do Brasil com o pouco de informações que pudemos recolher, bem como pelo resultado nacional das votações, a situação era um pouco mais tendente à luta, mas ainda assim bastante similar à de bancos privados. Afinal, o trabalhador do BB considerou que a retirada do direito de conversão de dia abonado em espécie não era central. Já na CAIXA, observamos que houve divisão em nível nacional, com diferentes graus de aceitação das cláusulas específicas (ACT – Acordo Coletivo de Trabalho) de região para região, de forma que o método utilizado pela direção foi mais determinante para solapar um movimento de rechaço à redação da cláusula 32 que fragilizará o futuro do plano de saúde – SAÚDE CAIXA. A negociação das mesas também passou ao largo das condições de trabalho de home office e de atendimento das agências, bem como do golpe estatutário que a direção do banco deu no fundo de previdência (FUNCEF), o que desgostou muito a turma da CAIXA.
Questão de método
O melhor jeito de medir essa disposição de enfrentar os banqueiros, bem como avançar na organização sindical, teria sido realizar mais reuniões e assembleias virtuais, desde antes do início da negociação, para aumentar o grau de discussão e politização dos colegas. Até mesmo os twitaços, tão incentivados pela direção da CONTRAF mas com alcance limitado – mas não desprezível – poderiam ter sido alavancados com esse tipo de construção orgânica de engajamento na categoria.
A CONTRAF tem conduzido as 3 últimas campanhas salariais, em acordos distantes, bienais, de uma forma que não privilegia a luta da categoria, à medida que mantém a negociação com os banqueiros restrita à direção sindical. Esse modelo de sindicato está atravessado por três práticas equivocadas adotadas pela CONTRAF que têm dificultado a organização:
1) Falta de transparência: a categoria não fica sabendo exatamente o que é discutido nas mesas de negociação. Assim, ficamos sem saber o que de fato é proposto por cada lado. Quando muito, uma ou outra proposta é pinçada e divulgada. O pior é chegar às assembleias sem conhecer o conteúdo do que é votado. A cláusula 11 do CCT (ver acima, sobre jornada de 6h) é fruto desse modelo de texto aprovado sem conhecimento da categoria.
2) Falta de organização na base: após a reforma trabalhista, uma das categorias mais importantes de trabalhadores do país deveria ter aprofundado seu grau de filiação sindical, para garantir sua independência frente a patronal. Não foi o que ocorreu. Os dirigentes da CONTRAF negam-se a chamar fóruns de base, como reuniões de delegados sindicais ou reuniões por local de trabalho. Assim, fica muito difícil construir uma greve, por exemplo, pois não há participação daqueles que de fato fazem esse tipo de mobilização. Os acordos bienais aprofundaram esse esvaziamento.
3) Falta de democracia nos fóruns e escassez de assembleias: a quantidade de assembleias foi reduzida a praticamente 1 por campanha salarial; mas o pior é não haver possibilidade de defesa do contraditório. Em São Paulo/SP, a proposta foi colocada em votação sem abertura de defesas. Como a CONTRAF defendia a assinatura do acordo tal qual foi aprovado, não houve possibilidade da categoria ouvir argumentos divergentes. Sem democracia ou expressão do contraditório, a categoria sai mais dividida do que entrou na campanha salarial.
Esse modelo de sindicalismo, baseado nestes 3 pilares, pode acabar num sindicalismo amarelo, prestador de serviço que recebe uma remuneração para entregar um acordo coletivo assinado. Obviamente, um sindicato sem participação da base perde força e, diante de um cenário tão difícil quanto o que vivemos, pode acelerar o caminho da categoria rumo a derrotas estruturais. É necessário inverter essa direção.
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