Governador do Estado de Santa Catarina, Carlos Moisés era um desconhecido na política quando foi eleito em 2018, como “candidato de Bolsonaro”, com 71% dos votos válidos. Ao que tudo indica, nesta quinta-feira (17), a Assembleia Legislativa vai indicar, por ampla maioria, seu impeachment.
Da eleição ao isolamento na Alesc
A chapa Carlos Moisés e Daniela Reinehr, do PSL**, se elegeu no segundo turno nas eleições de 2018, derrotando o então favorito Gelson Merísio (então PSD, hoje PSDB) por uma larga margem. Curioso é que ambos reivindicaram ser candidatos alinhados com Jair Bolsonaro. Ganhou aquele que pertencia à sigla do futuro presidente, perdeu aquele que era a representação da “velha política”. A onda bolsonarista levou um completo desconhecido à Casa d’Agronômica, residência do governador do estado de Santa Catarina.
A promessa da “nova política”, mas “sem acordões” nunca saiu do discurso de campanha. Moisés montou uma coalizão política com PL, PSL e, especialmente, MDB, que lhe garantia sempre, ao menos, 20 dos 40 deputados da assembleia. Crise do PSL levou ao seu descolamento com Bolsonaro, o que impactou sua base de apoio. O PSL se dividiu e quatro dos seis deputados foram para o campo da oposição. Mais gritante foram os deputados do PL, Maurício Eskudlark, que saiu de líder do governo para o campo da oposição, chegando a apresentar um dos pedidos de impeachment e Ivan Naatz, que saiu de um dos principais apoiadores do governo para ser o líder da oposição, relator da CPI dos respiradores. A ruptura com o bolsonarismo foi a condição fundamental para que fosse possível o afastamento de Moisés.
O início da crise e os processos de impeachment
A sustentação política do impeachment, diante da opinião pública, veio através da denúncia do The Intercept, em maio, mostrando que o governo teria comprado 200 respiradores da China, através da empresa Veigamed, no valor de R$ 33 milhões pagos antecipadamente, que nunca foram entregues. No momento em que a população catarinense passava pelos primeiros momentos da grave crise da Covid-19, que nesse momento já levou mais de 2500 pessoas no estado ao óbito, o escândalo dos respiradores foi um forte baque ao governo, derrubou o Secretário da Casa Civil, Douglas Borba e o Secretário da Saúde, Helton Zeferino e resultou em uma CPI na Alesc.
Os descontentes da Alesc viram na crise uma oportunidade. A empreitada, capitaneada pelo presidente da Assembleia, Júlio Garcia (PSD), pouco tem a ver com o crime cometido contra a população catarinense pela administração do estado no caso dos respiradores. O plano de fundo são as eleições para o Governo do Estado em 2022. Intervieram, nesse sentido, os senadores catarinenses Esperidião Amim (PP), Dário Berguer (MDB) e Jorginho Melo (PL), todos pretensos futuros governadores.
O motivo “legal” utilizado para a abertura do primeiro processo de impeachment foi a controversa equiparação salarial dos procuradores do estado. Enquanto cortava direitos do funcionalismo público estadual, o governador Moisés buscava equiparar os salários de desembargadores estaduais com os da Alesc, que já acumulam o montante médio salarial de R$ 30 mil. O objetivo desse impeachment, acolhido por Júlio Garcia, era enquadrar no crime de responsabilidade não só Moisés, como também a vice, Daniela Reinehr.
A ruptura da direita com o governo Moisés o deixou órfão na Assembleia Legislativa, o MDB foi progressivamente se afastando, até que restou uma coalizão dispersa e muito minoritária, curiosamente liderada pela deputada Paulinha (PDT).
No início desse mês, após a CPI dos Respiradores caminhar para a indicação de uma abertura de um novo impeachment, Júlio Garcia aceita o pedido feito por advogados e empresários, que enfocava a questão. Nunca antes na história do estado havia-se aceitado a tramitação de dois pedidos de impeachment concomitantemente. O motivo do segundo impeachment, às vésperas da votação do primeiro, é retrazer à tona o principal motivo do desgaste do governo.
O rito do processo é duvidoso, visto ser raríssima uma ocasião como essa na política brasileira. O que sabemos é que, caso seja votado a favor do impedimento do governador e da vice na Alesc essa quinta, a chapa é afastada por 180 dias, quando uma comissão mista de deputados e desembargadores avalizará o tema. Sendo sacramentado o impeachment nesse momento, a eleição seria indireta e aquele que conduz o presidente da Assembleia (que é, contraditoriamente, quem conduz o rito do afastamento) seria empossado interinamente.
Quais desfechos possíveis, nesse momento?
Ao que tudo indica, será sacramentado, nesta quinta (17) o cenário que já está claro há alguns meses. Especula-se que a oposição já tenha 26 dos 27 votos necessários, enquanto Moisés tenha garantido apenas 6.
O principal indício é de que, através de eleição indireta, se aposse Júlio Garcia (PSD) como governador do estado nos próximos dois anos. O deputado tem pela frente ainda uma investigação de lavagem de dinheiro na Operação Alcatraz. Em um cenário de muitas trocas no comando do Governo do Estado, é uma aposta arriscada.
Ainda não estão muito claros todos os significados dessas movimentações. Ao que parece, os setores da direita aproveitaram-se da baixíssima popularidade de Moisés para retomar seus postos no aparato executivo estatal, que com Moisés ficara parcialmente obstruído. Os próprios deputados bolsonaristas do PSL estão dispostos a cortar a cabeça de Daniela Reinehr para não fragilizar o processo e assim garantir o afastamento de Moisés. Júlio Garcia busca se moralizar, mas com quais objetivos? Senado, governos em 2022? Cenas que vamos acompanhar nos próximos capítulos.
Por fim, uma coisa nos fica clara: o impacto que o desalinhamento com Bolsonaro proporcionou no governo indica não só a influência do Governo Federal nos deputados catarinenses, como também uma importante resiliência deste em solo catarinense. Bolsonaro, infelizmente, segue com expressivo apoio em nossas terras.
Qual deve ser a postura dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais?
Moisés cumpriu até aqui um mandato marcado pelo constante ataque aos direitos dos servidores estaduais e uma obsessão por entregar benesses do estado para as grandes empresas. O escândalo dos respiradores e a equiparação salarial dos promotores são só uma caricatura do projeto político que foi implementado até aqui. Em nossa opinião, é um equívoco dos partidos que reivindicam o legado da esquerda servirem de base de sustentação para essa gestão. Não há perdão para aqueles que destratam e desamparam a população em momentos tão críticos como os que vivemos agora. Moisés não merece um milímetro de nossa solidariedade.
Ainda assim, não podemos deixar de desmascarar a clara manobra oportunista que vem sendo operada por uma ampla coalização entre o que há de pior na Alesc. Nada do que os deputados Eskudlark, Naatz do PL, a bancada do MDB, ou os bolsonaristas do PSL vêm fazendo é em prol do povo catarinense. Há uma encarniçada briga palaciana entre as correntes políticas catarinenses, e até aqui, Moisés tem sido massacrado, e deve voltar ao anonimato em pouco tempo, se as coisas seguirem nesse ritmo.
A população catarinense fez sua experiencia com o projeto do governo Moisés. Foi-lhe prometido algo novo. Em troca, recebeu mais do mesmo. Não é correto, no momento de alta polarização que vivemos, uma eleição indireta que encaminhe Júlio Garcia ao governo apenas por uma correlação favorável na Alesc. Um governo eleito dessa forma não teria a legitimidade necessária que o período necessita. Além do mais, já está claramente posto que nenhuma das frações que briga pelo poder nesse momento na Assembleia pode cumprir papel progressivo, defender os direitos dos trabalhadores, dos desempregados e da população em geral.
É preciso que sejam reabertas discussões sobre os rumos da pandemia em Santa Catarina e que ocorram eleições diretas para o Governo do Estado. Essa bandeira deve unificar o PSOL, e os demais partidos de esquerda, em conjunto com os movimentos sociais. Só assim sairemos vitoriosos.
*Vitor Santos é membro da Resistência/PSOL-SC e do Afronte! Florianópolis
**Depois da crise do PSL, Moisés fica ao lado de Luciano Bivar, permanecendo na sigla. Já Daniela Reinehr, rompe com o partido, ficando ao lado do clã da Família Bolsonaro na disputa.
Comentários