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TEORIA

Breve notas sobre antiestalinismo, anticomunismo e o movimento comunista

Antonio Micaias*, de Fortaleza, CE

Tendo como base algumas polêmicas e acontecimentos recentes ( dentre eles a proposta de criminalização do comunismo por parte de Eduardo Bolsonaro) sobre os temas descritos no título, seguem alguns apontamentos importantes de serem feitos:

1) Fala-se do surgimento de um fenômeno neoestalinista dentro das fileiras da esquerda marxista no Brasil. Este, ancorando em fatores como nostalgia soviética, releitura das experiências históricas socialistas e defesa do legado de Stálin, dentre outros, estaria ganhando aderência de  vários militantes, com destaque entre a juventude, a partir da leitura da obra de de autores como, mais destacadamente, Domenico Losurdo mais também da atuação de Jones Manoel, educador popular, historiador e youtuber com destacada divulgação nas redes virtuais e  que vem contribuindo significativamente para a divulgação do marxismo junto de Sabrina Fernandes, Saia da Matrix, Orientação Marxista e outros canais destacada da recente geração marxista. O primeiro ponto é que, a despeito das diferenças fundamentais que possam existir em relação a Domenico Losurdo ou a Jones Manoel, seja de natureza teórico-metodológica ou político-programática, estes podem constituir adversários políticos, no sentindo em que há disputas de espaço, base, narrativas e polêmicas, mas (e este ponto é fundamental) não são nossos inimigos de classe. Isso é crucial para se entender como proceder na crítica e na crítica da crítica, seja visando a batalha contra o stalinismo  e seus resquícios ou qualquer outra corrente no campo do marxismo. Mais ainda, é com sujeitos como o militante do PCB, que lutamos para construir uma unidade no campo da esquerda, que atuando enquanto frente consiga lutar  seja contra o reacionarismo bolsonarista, o neofascismo, o neoliberalismo ou  o imperialismo.

2) Houve um tremendo destaque nas redes sociais após a realização do programa Conversando com Bial com a participação de Caetano Veloso. O cantor e compositor revelou uma revisão crítica dos seus posicionamentos liberais do passado em relação às experiências socialistas justamente a partir da conversa com Jones Manoel e da leitura de Domenico Losurdo. O que destaco aqui, é não tanto o que revelou Caetano (o que já é no mínimo passível de olhar com simpatia dado não só o peso do artista e a repercussão atingida como também o olhar crítico em relação a visão da propaganda liberal) mas sim o fato de que após essa revelação, vários setores da direita (e mesmo de esquerda) se dispararam a criticar ferrenhamente Jones Manoel, recorrendo até mesmos a disparates e calúnias.

O olhar sobre isso deve levar em consideração alguns elementos:
1) Jones é um jovem negro, comunista, de origem periférica, nordestino e está realizando um importante trabalho teórico e de divulgação do pensamento marxista.
2) Tais disparates e calúnias, recorrendo a propaganda anticomunista mais vulgar e visceral, ocorre em um momento de ascenso da extrema-direita à nível mundial e de ataques do bolsonarismo e do neoliberalismo em particular  ao movimento comunista, mas também a esquerda em geral e suas vanguardas e em suma à classe trabalhadora. A despeito das diferenças existentes (eu enquanto trotskista tenho inúmeras, saliento) estas devem proceder de forma honesta, cuidadosa, rigorosa e clara. A crítica, quando bem fundamentada e com propósitos positivos em relação ao movimento revolucionário e a causa dos trabalhadores, deve atentar a sua forma tanto quanto ao seu conteúdo, evitando o coro com a direita e seus diversos setores (do mais centrista e liberal ao mais extremo e protofascista). Não devemos nos apartar das críticas, mesmo diante de nossos inimigos, mas estas devem proceder com a manutenção da nossa unidade  e solidariedade enquanto classe e movimento contra nosso inimigo de classe em seus diferente setores e seus ataques.
3) O antiestalinismo é a concepção teórico-metodológica na qual confluem a defesa do legado de outubro e das distintas revoluções socialistas ocorridas, a defesa do legado de Leon Trótski e da oposição de esquerda a nível internacional, a denúncia da burocratização e da restauração capitalista das experiências socialistas e da degeneração dos estados operários, a crítica ao dirigismo, ao praticismo e ao centralismo burocrático, a defesa dos métodos e premissas do marxismo clássico em detrimento da escolástica dogmática, a defesa do centralismo democrático e a denúncia dos crimes, calúnias, falsificações e perseguição perpetrada pelo estalinismo e seus agentes. Esta concepção surge não de uma rejeição automática e instintiva ou de uma visão psicologizante do fenômeno que acometeu a URSS e outros estados operários, bem como de Stálin e seus correligionários, mas de uma crítica marxista rica, rigorosa e intransigente tal como feita por eminentes revolucionários, fundamentalmente Leon Trótski em clássicos como “A revolução traída” , “A revolução desfigurada” e “Os crimes de Stálin”. Definitivamente, antiestalinismo não é anticomunismo, nem em suas premissas nem em seus objetivos.  Particularmente, nas limitações de meu conhecimento teórico, entendo o antiestalinismo como premissa básica para a superação de inúmeros erros e crimes cometidos no seio do movimento comunista e contra este e como um balanço crítico fundamental para superação dialética do estalinismo e seus resquícios e a construção de um movimento dos trabalhadores firme, flexível e  destemido em suas ideias e práticas com o melhor aprendizado do que se já houve em termos de experiências históricas. O anticomunismo por sua vez, é uma construção propagandística e teórica massiva no qual influi o pior da direita, da extrema-direita e do imperialismo dos EUA, da União Europeia etc. e com o qual se pretende destruir a  causa histórico do proletariado e do socialismo , imprimindo-lhe derrotas após derrotas, perseguindo seus integrantes e lideranças, e promovendo uma hegemonização da ideologia burguesa e a manutenção do capitalismo, sem crítica antissistêmicas à esquerda (pela via fascista é até cogitável por parte da burguesia). E não só isso, é um fenômeno de caráter contrarrevolucionário e mesmo genocida (vide o caso do genocídio indonésio de 1965-1966).  Ambos não podem e não devem ser confundidos em nenhum milímetro do que são

4)Sendo assim, penso que se se pretende a crítica e a disputa teórica seja com autores renomados como Domenico Losurdo ou com militantes destacados como Jones Manoel, aspectos fundamentais tem de se levados em consideração. Perde-se uma ótima oportunidade de disputas enriquecedoras quando se critica de forma virulenta, vazia e em coro com setores odientes e cínicos que querem de nós o medo, a desilusão e a divisão. Isto vale para Losurdo, Zizek, Pachukanis ou qualquer outro autor que venha a ser tão divulgado e polemizado. Em se tratando do primeiro, sua obra não se resume ao balanço  da experiências socialistas, Stálin etc. mas abarca também a crítica ao revisionismo histórico, ao liberalismo, ao imperialismo e mesmo Nietzsche É possível e necessário debater as discordâncias mas sempre à procura da unidade fundamental contra o inimigo de classe e seus ataques. O clima de inquisição neoliberal, bolsonarista, e pró-imperialista não nos deve apartar da discussão entre nós mesmos, nossas diferenças, nossas teorias e diferentes estudiosos no campo do marxismo. Essa discussão aberta, inclusive, é o motor dialético segundo o qual se podem traçar perspectivas mais claras, objetivas e firmes para a revolução brasileira, para as tarefas democráticas e socialistas. Mais uma vez, o problema parece ser a unidade contra essa inquisição, a despeito de nossas discordâncias político-programáticas com quem quer que seja. Nisso parece estar o desafio setores da nesse momento de contraofensiva reacionária. Não se trata de conciliar-se com o stalinismo ou um possível neoestalinismo e seus supostos representantes ou dizer que suas premissas são corretas, mas de saber proceder rigorosamente na crítica, levando em consideração o contexto histórico-conjuntural em que estamos, com honestidade e atento a unidade divergente na qual se baseia a práxis leninista e com o qual se pode superar não só o stalinismo, mas o oportunismo, o reformismo e o sectarismo. Entre nós a solidariedade perante os ataques dos agentes da burguesia, liberdade de divergência, a unidade de ação e contra eles o peso de nosso movimento, de nossa causa e a unidade mais inquebrantável e revolucionária.

*Antonio Micaias é estudante e militante do Afronte e da Resistência-PSOL.

Marcado como:
Domenico Losurdo